A plena afirmação da dignidade humana exige liberdade de escolher. Sem liberdade de escolha não tem sentido falar-se em cidadania, nem em construção e consolidação de uma sociedade onde os direitos fundamentais sejam garantidos a todos os cidadãos sem excepção.
Negar a capacidade de escolha às pessoas é sujeitá las à condição de servos de quem escolhe, quer seja a aristocracia (ou as suas metamorfoses mais modernas, a tecnocracia e a “vontade de metade da população mais um”), quer seja um qualquer partido ou grupo vanguardista, considerando se iluminado para saber o que é melhor para cada pessoa e, portanto, para a sociedade.
Por isso, a liberdade de escolha das pessoas só pode ser questionada quando põe em causa a própria liberdade ou a liberdade de outros.
1923-2015 René Girard
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Nos primeiros dias de Novembro, morreu nos Estados Unidos, onde vivia há longos anos, René Girard, um dos pensadores contemporâneos mais estimulantes, que dedicou parte importante da sua vida intelectual à análise da violência e da sua superação nas sociedades humanas.
A partir da noção de «violência mimética», da leitura da Bíblia e da influência do cristianismo, o autor de «Le Bouc Émissaire» (Grasset, 1982) procurou uma explicação para evolução divergente entre as religiões arcaicas e a judaico-cristã no tocante aos mitos violentos originais. Num tempo em que o tema da escalada da violência está na ordem do dia, a obra de Girard ganha um sentido muito especial, permitindo uma reflexão aprofundada sobre o panorama que nos preocupa e sobre as respostas a encontrar num contexto de tão grande complexidade.
Vindo da Filologia e da Literatura, Girard exerceu o seu magistério nos Estados Unidos, primeiro como professor de literatura francesa, a partir de 1947, depois no estudo das relações entre a literatura e a antropologia religiosa na Universidade John Hopkins, em Baltimore (1957) e por fim em Stanford, a partir de 1980. Duas obras irão abrir caminho ao interesse que logo começa a suscitar a sua reflexão, apesar das desconfianças de quem não lhe reconhecia competência antropológica: «Mensonge Romantique et Verité Romanesque» (Grasset, 1961) e «La Violence et le Sacré» (id., 1972). Natural de Avinhão, filho de um conservador da Biblioteca e do Museu do Palácio Papal, radical-socialista e anticlerical, e de uma católica conservadora dada à leitura, o jovem começou por estudar as referências literárias à vaidade em Stendhal e ao snobismo em Flaubert e Proust, procurando reequacionar o destino do desejo humano, através de diversas obras literárias, com destaque ainda para Cervantes e Dostoievski. Tratava-se de tentar compreender o funcionamento das nossas sociedades, a partir do desenvolvimento humano e da sua lógica profundamente patológica. Afinal, o homem é desejo, mas não desejo de um objeto pela sua função ou utilidade, sim um desejo daquilo que o outro possui. A relação envolve, por isso, três elementos: eu, o outro e o objeto. Daí a rivalidade que leva ao antagonismo e finalmente à violência. Por isso, Girard salienta que nas condições sociais do tempo presente, há uma divergência fundamental aos olhos de hoje, entre as religiões arcaicas e a judaico-cristã. Onde as religiões arcaicas criavam um bode expiatório, que encarnava o mal, cujo sacrifício permitiria a reconciliação das massas, o cristianismo proclama a inocência da vítima – Jesus Cristo. Aqui está a originalidade da reflexão do pensador que procurou uma saída para o enigma da conflitualidade humana.
Eduardo Lourenço e Montaigne
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A antologia «Une Vie Écrite» de Eduardo Lourenço acaba de ser publicada em Paris pela Gallimard, com uma edição estabelecida sob a direção de Luísa Braz de Oliveira.
uma justa iniciativa, dedicada pelo autor a sua mulher Annie, lembrando a função de exímia tradutora, como, aliás, fica demonstrado numa parte muito significativa dos textos que constituem este volume. Pode, pois, dizer-se que estamos perante uma obra escrita a duo – beneficiando os leitores das ideias do pensador e ensaísta e da fidelíssima tradução para língua francesa por uma notável hispanista, que muito bem conhecia o pensamento de seu marido e a riqueza da cultura portuguesa. Por isso, devemos deixar claro que a apresentação ao leitor francês deste notável conjunto de textos pressupõe o reconhecimento da importância da complementaridade entre Eduardo e Annie, o ensaísta e a especialista em culturas ibéricas – culturas em cujo âmbito a obra do autor de «O Labirinto da Saudade» se integra como uma das mais ricas e fecundas. O critério geral assumido por Luísa Braz de Oliveira revela-se extremamente correto, centrando-se em dois temas: a Europa e a Poesia – que permitem situar o ensaísta não só na tendência de abertura e cosmopolitismo em que é seguidor da Geração de Setenta com a atualização do modernismo de «Orpheu», mas também na compreensão, a um tempo heterodoxa e atenta às mais inesperadas particularidades de uma identidade cultural feita de inúmeros elementos, tantas vezes contraditórios... Dir-se-ia, assim, que, como incansável interrogador de mitos, Eduardo Lourenço pôde perceber o lado oculto das culturas da língua portuguesa. Basta lembrarmo-nos dos equívocos ainda presentes quando publicou no início dos anos 1970 «Pessoa Revisitado», que contrastam com a presença atual do poeta, que já não pode ser identificado com uma leitura mais ou menos unilateral da «Mensagem» ou psicanalítica dos heterónimos... E qual foi a «trouvaille»? «Bastou ler o que está nos poemas para descobrir a séria “comédia” heteronímica, quer dizer a intrínseca intertextualidade».
O Reino Unido e a Reforma da União Europeia
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Muito tem sido dito sobre a Grã-Bretanha na Europa, particularmente nos últimos dois anos. Uma parte tem sido ponderada e precisa. A maior parte não tem.
Nos próximos 15 minutos, mais ou menos, quero responder à pergunta colocada por este debate. Quero propor-vos uma ideia do que uma Europa reformada – com o Reino Unido no seu seio – pode parecer. Utilizarei as minhas palavras, mas também contarei com palavras de outros, principalmente do Primeiro-Ministro David Cameron e do nosso Ministro das Finanças, George Osborne. Porque, ao contrário do que possam ter lido, nós temos uma visão de como se apresenta a Grã-Bretanha na Europa. É uma visão positiva, que visa proporcionar benefícios. O Primeiro-Ministro, e outros, foram identificando exatamente isso nos últimos meses – por exemplo, quando David Cameron falou na Chatham House sobre as reformas específicas que o Reino Unido está à procura e na carta que ele enviou subsequentemente ao Presidente do Conselho Europeu.
Quero começar por olhar para o passado, para a história da Grã-Bretanha na Europa. Virei em seguida para o presente, para a agenda de reforma do Reino Unido, e concluirei levando-vos ao futuro 10 anos.
Edmund Burke em Português
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Foi publicada em 1790, um anos após a Revolução, num momento em que o chamado «terror» ainda não se tinha manifestado.
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