Homenagem - No centenário de um pensador
Conselho de Administração, Fundação Calouste Gulbenkian; Conselho Editorial, Nova Cidadania
Os cem anos do nascimento de um grande pensador é motivo de uma especial lembrança, na qual a saudade é mais do que uma lembrança e um desejo.É um apelo à revisitação e à reflexão.
Eduardo Lourenço como pensador sempre sentiu em si necessidade de analisar a realidade cultural de fora e por dentro. A sua ideia de heterodoxia deparou-se, desde que foi formulada, com múltiplas incompreensões – já que várias ortodoxias se sentiram atingidas. Procurando salvaguardar sempre a independência de espírito, causou em muitos dos seus leitores e investigadores sentimentos diversos e contrastados. Manteve-se, porém, fiel às inquietações fundamentais. Longe das certezas, sempre preocupado em pôr-se na pele do outro, considerou como necessário evitar conclusões simplistas, partindo da imperfeição humana e da responsabilidade de caminhar no exigente sentido de uma singularidade e de uma sociedade melhores. A escolha do ensaísmo, no caminho indicado por Montaigne, significa, aliás, a preocupação fundamental de procurar, a partir da reflexão pessoal, não uma ordenação do mundo, mas o entendimento da complexidade humana e das suas metamorfoses. E percebemos, assim, a influência de Sílvio Lima, mestre que encontrou na Alma Mater de Coimbra, e a aplicação de uma persistente análise que fez do método ao longo da vida, com engenho e inesgotável capacidade inovadora. A definição da atitude independente e heterodoxa e a referência fundadora da relação com a Europa e do diálogo que então nos faltava (1949), colocando essa reflexão na continuidade de quantos portugueses recusaram fechar-se dentro das fronteiras, desde os renascentistas aos românticos, como Garrett e Herculano, atéà complexa atitude de Antero de Quental e da sua geração, de quem se sentiu tão próximo sempre. E nesta linha repensa Portugal (num contexto existencial), glosa a conferência de Antero sobre as “Causas da Decadência”, interroga Oliveira Martins, analisa criticamente o papel dos mitos, desconstrói a saudade e o sebastianismo, encontra-se com o Camões histórico enquanto referência cultural perene e diversa, e mergulha numa reflexão sobre Fernando Pessoa, rei da nossa Baviera, aprofundando, à medida que mais se ia conhecendo a obra do poeta, a significação do seu lugar no tempo, para além da sua consideração portuguesa. A existência mítica e os caminhos vários que abre foram uma preocupação permanente do ensaísta, em busca da diversidade, da porta aberta, do melting pot ou cadinho português, do significado da nossa Nau de Ícaro (de um quadro de Breughel, o velho), das aventuras e desventuras migrantes, do País entre a realidade e o sonho, da língua projetada universalmente. Mas o sentido crítico, sempre muito agudo, levaria à reflexão sobre a Europa desencantada, labirinto de uma realidade necessária e frágil. E, por fim, nesta recolha, encontramos a relação pessoalíssima com a poesia – porque o ensaísmo de Lourenço procura insistentemente as intuições poéticas para deslindar o significado das ideias no mundo. Hölderlin diria “o que permanece / os poetas o fundam”. A amizade com Carlos de Oliveira obriga a explicações sobre “o sentido e a forma da poesia neorrealista”, a crítica e a metacrítica aprofundam a atitude criadora do autor, Camões é símbolo da nossa cultura e Antero revela a tensão essencial (bem presente neste ensaísmo) entre o pensamento e a utopia.
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