Prémio Camões - Brasil, tão perto...
Conselho de Administração, Fundação Calouste Gulbenkian; Conselho Editorial, Nova Cidadania
A riqueza de uma língua multifacetada e enriquecida pelas várias culturas que a constituem e lhe dão vida.
No dia em que Chico Buarque de Holanda recebeu o Prémio Camões, não apenas recordámos todos quantos ao longo dos anos, desde Miguel Torga, receberam esse galardão, mas sobretudo compreendemos, porventura melhor, a riqueza de uma língua multifacetada e enriquecida pelas várias culturas que a constituem e lhe dão vida. Nas palavras de agradecimento, o artista, poeta e homem de cultura levou-nos à memória de seu pai, um dos grandes nomes das culturas de língua portuguesa. A obra de Sérgio Buarque de Holanda é de leitura indispensável para quem queira entender a pluralidade que forma o património cultural que é a língua que nos une. “Raízes do Brasil” acompanha-me há muito e a sua leitura obriga sempre a entender o que está para além do que parece dito. Essa é a consequência de estarmos perante uma inteligência arguta que procurou compreender o caleidoscópio que não pode reduzir-se ao singular de uma lusofonia, já que sem as diferenças e a diversidade não podemos perceber esta língua de várias culturas. Antonio Candido salientou, aliás, que a obra de Sérgio Buarque era constituída pela “admirável metodologia dos contrários”. “Trabalho e aventura; método e capricho; rural e urbano; burocracia e caudilhismo; norma impessoal e percurso afetivo – são pares que o autor destaca no modo-de-ser ou na estrutura social e política, para analisar e compreender o brasil e os brasileiros”. O premiado de agora lembra que muitas vezes interrompeu os estudos do pai “para lhe submeter meus escritos juvenis, que ele julgava sem complacência nem excessiva severidade, para em seguida me indicar leituras que poderiam me valer numa eventual carreira literária”. E considerou normal que o filho se inclinasse para a música popular, pois “gostava de samba, tocava um pouco de piano e era amigo próximo de Vinicius de Moraes, para quem a palavra cantada talvez fosse simplesmente um jeito mais sensual de falar a nossa língua”. E, ao lembrar a sua genealogia, vemos em Chico Buarque a ilustração do extraordinário Brasil brasileiro: “O meu pai era paulista, meu avô, pernambucano, o meu bisavô, mineiro, meu tataravô, baiano. Tenho antepassados negros e indígenas, cujos nomes meus antepassados brancos trataram de suprimir da história familiar. Como a imensa maioria do povo brasileiro, trago nas veias sangue do açoitado e do açoitador, o que ajuda a nos explicar um pouco. Recuando no tempo em busca das minhas origens, recentemente vim a saber que tive por duodecavós paternos o casal Shemtov ben Abraham, batizado como Diogo Pires, e Orovida Fidalgo, oriundos da comunidade barcelense. A exemplo de tantos cristãos-novos portugueses, sua prole exilou-se no Nordeste brasileiro do século XVI. Assim, enquanto descendente de judeus sefarditas perseguidos pela Inquisição, pode ser que algum dia eu também alcance o direito à cidadania portuguesa a modo de reparação histórica”. E lembrou Lisboa, Coimbra e Porto em 1966, ao lado do grande João Cabral de Melo Neto, o primeiro brasileiro a receber o Prémio Camões, quando foi encenado o poema Morte e Vida Severina, com músicas de Chico, então estudante de arquitetura. E, afetuosamente, lembrou agora, para quem o recebe como referência da cultura da língua comum, que “por mais que eu leia e fale de literatura, por mais que eu publique romances e contos, por mais que eu receba prêmios literários, faço gosto em ser reconhecido no Brasil como compositor popular e, em Portugal, como o gajo que um dia pediu que lhe mandassem um cravo e um cheirinho de alecrim”.
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