Presidente da República Portuguesa
Esta Associação tem sido capaz, desde o seu início há quase sete anos, de desenvolver, de diferentes formas, uma actividade importante na valorização do papel das mulheres na diplomacia.
Gostava de começar por agradecer à Association of Women Ambassadors, representada pela Embaixadora Satu Suikkari-Kleven, pelo convite para a sessão de encerramento deste muito oportuno Seminário nesta Universidade, e à Professora Isabel Capeloa Gil pela sua calorosa receção e todo o apoio na organização deste Seminário. Penso que lhe telefonei a horas mais tardias, como é meu costume, e lhe perguntei se poderia dar as boas-vindas, algo que aceitou imediatamente. Gostaria de agradecer também aos oradores convidados e aos alunos que estão aqui connosco e que dedicaram várias horas de trabalho a este tema tão importante.
Esta iniciativa é muito oportuna, e congratulo-vos por isso!
O tema do seminário, Mulheres na Diplomacia e Globaliza- ção: “Construindo Consensos e Agendas Comuns no século XXI”, foca-se no papel das mulheres no mundo da Diplomacia, numa arena global cada vez mais mediática — ou, diria , cada vez mais e cada vez mais intensamente mediática - em que o imediatismo da ação por vezes nos desvia da reflexão que é necessária e própria de questões essenciais para as nossas sociedades.
Esta Associação tem sido capaz, desde o seu início há quase sete anos— e eu estava lá, recordo-me disso —, de desenvolver, de diferentes formas, uma atividade importante na valorização do papel das mulheres na diplomacia. Tal como várias outras redes de mulheres diplomatas em várias capitais do mundo e mulheres diplomatas portuguesas, o vosso papel enquanto plataforma e rede de diálogo e cooperação é muito poderoso.
Não podemos abordar verdadeiramente o papel das mulheres na diplomacia, quer na sua ação para salvaguardar a democracia e os direitos humanos, quer ao destacar o papel das mulheres na conquista da paz e segurança, ou na luta pela ação climática ou proteção dos oceanos, sem considerar o contexto nacional e internacional dos avanços e retrocessos dos direitos das mulheres.
Em termos formais, a diplomacia tem sido, há séculos, domínio dos homens. Digo formalmente porque acredito que há muito espaço para pesquisa académica, para produzir conhecimento científico sobre o papel das mulheres, a sua capacidade de influenciar o poder político nas relações internacionais antes da Era Moderna.É muito raro, mas podemos recordar uma ou duas rainhas em Inglaterra, por exemplo, embora não só na Inglaterra. Em Portugal, tivemos uma rainha brilhante no século XIX, nascida no Brasil e que depois viajou para Portugal, onde foi fundamental, uma chave crucial para o nosso Estado liberal, depois da nossa revolução liberal. Um papel influente que muitas vezes foi negligenciado, mas que, na minha opinião, deve ser devidamente estudado. Devemos reconhecer que o papel das mulheres na diplomacia não foi estabelecido com o advento da Era Moderna.
Ao longo da história, os soberanos escolheram emissários, enviados especiais, embaixadores, ministros para representar os seus países. Muito poucas mulheres — muito, muito poucas mulheres — mas algumas delas, mesmo assim, em alguns países europeus, atuaram diretamente em negociações entre nações e poderes. Internacionalmente, com a emancipação progressiva das mulheres desde o final do século XIX, o mundo da diplomacia tem gradualmente acolhido a contribuição das mulheres. Portugal não é exceção.
Deixem-me apenas relembrar alguns factos sobre Portugal:
A I República, no início do século XX, viu a primeira mulher a votar porque a lei eleitoral estava tão mal redigida que ela se aproveitou disso e votou. Supostamente, não tinha o direito de votar, mas votou. Foi um voto único de uma mulher corajosa, uma lutadora pelos direitos das mulheres num mundo de homens. Depois, a ditadura restringiu drasticamente os direitos de voto das mulheres, com uma única exceção: um ditador chamado Sidónio Pais que, pensando no eleitorado conservador, deu o direito de voto a muitas mulheres em 1918, mas isso desapareceu imediatamente com a ditadura que se seguiu.
Foi apenas com o estabelecimento da democracia em Portugal, em 1974, que todas as mulheres receberam o direito de votar pela primeira vez, através de sufrágio universal e direto, e puderam exercê-lo nas eleições para a Assembleia Constituinte em 25 de abril de 1975.
A Constituição de 1976, a qual tive a honra de discutir e aprovar — vejam como estou velho, naquela altura eu tinha a vossa idade, vinte e poucos anos — consagrou pela primeira vez este e outros direitos que seriam fundamentais para a consolidação da igualdade de género no nosso país.
Outros marcos notáveis foram os seguintes:
- Em 1974, foi garantido às mulheres o acesso a carreiras no Corpo Diplomático, o que foi posto em prática em 1975.
- Também em 1974, Maria de Lourdes Pintasilgo foi nomeada a primeira Secretária de Estado e quase imediatamente a primeira Ministra no 2º e 3º Governos Provisórios - Ministra dos Assuntos Sociais.
Entre 1979 e 1980, Maria de Lourdes Pintasilgo foi Primeira-Ministra de Portugal. Até hoje, ela é a única mulher a ter ocupado esse cargo no país. Aqui sinto que devo também mencionar a Presidência da República, porque em quase 49 anos de democracia em Portugal, nunca tivemos uma Presidente mulher. Temos uma candidata e quem sabe se ela não será a próxima Presidente da República Portuguesa daqui a dois anos e dez meses? Algo que todos esperamos que mude em breve, porque, como disse, éramos um dos poucos países europeus com Rainhas, isso era muito raro na Europa e algumas delas foram realmente excecionais.
- Em 1998, uma mulher liderou uma Missão Diplomática Portuguesa pela primeira vez — a Embaixadora Maria do Carmo Allegro de Magalhães, chefe da Embaixada Portuguesa em Windhoek.
- Em 2013, a Embaixadora Ana Martinho, a minha antiga Assessora Diplomática, a quem aproveito esta oportunidade para enviar uma saudação muito especial, foi a primeira mulher nomeada Secretária-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, sobrevivendo a seis ou sete ministros, o que é quase impossível, como vocês sabem. E quase todos eles eram homens, havendo apenas uma exceção. Tivemos, em quase 50 anos de democracia, apenas uma Ministra dos Negócios Estrangeiros, Teresa Gouveia, em 2003/2004. Apenas uma. Incrível.
- No final de 2019, a Em- baixadora Madalena Fischer foi nomeada Diretora-Geral de Política Externa do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Olhando à minha volta, vejo jovens oficiais. Vocês sabem quantas Almirantes, temos em Portugal? Apenas uma. E na Força Aérea? Na Força Aérea acho que temos mais de uma, talvez duas. Generais da Força Aérea: quatro. No Exército, nenhuma General mulher. Vejam como o nosso exército é conservador. Até agora, nenhuma mulher General.
Atualmente, cerca de um terço do atual Corpo Diplomático Português é composto por mulheres. Ainda há um longo caminho a percorrer para alcançar a paridade de género, algo que é desejável e necessário.É igualmente incompreensível que apenas 12% dos Embaixadores Portugueses sejam mulheres ou que apenas 25% das Missões Diplomáticas Portuguesas no Exterior sejam chefiadas por mulheres. E é ainda mais preocupante que, e essa é a má notícia deste ano — do ano passado —, os últimos números de candidatos e recém-chegados selecionados para a carreira diplomática mostram uma diminuição da presença de mulheres. Isso aconteceu pela primeira vez no ano passado e o Ministro dos Negócios Estrangeiros ficou chocado, disse-me até: “Como é que isto foi possível? Não sei o que aconteceu, vou estudar o que aconteceu. Porque foram selecionadas tão poucas mulheres?”
Devo, no entanto, elogiar também alguns desenvolvimentos positivos, como a recente adoção de uma perspectiva de género na nossa política e programas de cooperação para o desenvolvimento.
É de notar que de acordo com um estudo recente, feito em 40 países e compreendendo aproximadamente o G20 e a UE, em 2022 Portugal foi o destino número um para embaixadoras de outros países. Adivinhem porquê. A comunidade diplomática em Portugal tem atualmente 30 mulheres a liderar missões, cerca de 35% das 86 Embaixadas residentes. E sempre que recebia as credenciais, como aconteceu no último ano e meio, havia um novo ciclo a começar. Eu ficava realmente preocupado quando via mulheres serem substituídas por homens. Muito, muito preocupado, devo admitir. O mesmo estudo descobriu que apenas dois países, Canadá e Suécia, alcançaram a paridade de género na liderança de suas missões diplomáticas, mesmo que nove países já tenham uma política externa feminista.
Só com uma maior participação das Mulheres é que poderemos alcançar o que realmente almejamos
Tendo em mente que falar dos direitos das mulheres é falar dos direitos humanos, um tema tão proeminente nas nossas vidas quotidianas, também significa reconhecer que esses direitos estão ameaçados, ou até que infelizmente nem são reconhecidos em muitas partes do mundo.
E aqui eu gostava de parar por um momento em dois casos. Um, o caso do Afeganistão: fui o último Chefe de Estado a ir a Cabul, em dezembro de 2019, antes da retirada das tropas. Os portugueses estavam com os turcos e foram os últimos a sair. Lembro-me de um oficial americano que ainda estava lá me dizer, em 2019, que nenhum tratado tinha sido assinado ainda, mas os americanos já estavam rapidamente a retirar-se. Ele disse-me que o problema disso não era para os homens, era para as mulheres e para as crianças. E é verdade, é verdade. Outro exemplo: Irão. Tive uma experiência muito curiosa. Durante o Bazar Diplomático, o Embaixador do Irão, que é realmente muito simpático, teve que me ouvir falar sobre o tratamento das mulheres no seu país. Eu não sabia que a televisão estava lá. E assim, foi quase um comentário inofensivo do Presidente da República Portuguesa para um representante de outro país.
Garantir que os direitos das mulheres são respeitados e implementados, assegurar que as mulheres desempenham um papel ativo e proeminente em todas as esferas da vida, é, portanto, um imperativo. Não apenas para o poder político, mas também para a sociedade civil.
E não apenas em virtude da sua duradoura contribuição positiva para a Diplomacia. A sua postura, a sua experiência, a sua abordagem profissional transformam o mundo das relações internacionais num mundo mais previsível e seguro, onde a paz se pode tornar um bem menos raro.
Durante o meu mandato presidencial, tenho-me esforçado para transformar estas palavras em ações concretas. Neste segundo mandato, mais de 64% da minha equipa são mulheres. Vocês não podem imaginar a diferença entre o primeiro mandato e o segundo, é uma diferença significativa. A minha atual Assessora Diplomática é novamente uma mulher, a Embaixadora Maria Amélia Paiva, e a equipa de Relações Internacionais que ela lidera é composta por 75% de mulheres, com uma exceção.
Gostaria de concluir com duas breves observações e um apelo, estando depois naturalmente à disposição para responder às vossas perguntas.
A primeira constatação é de que temos tido muitos e grandes avanços na igualdade de género em Portugal e no mundo. Basta ver o quanto andámos para chegar onde estamos hoje. Por exemplo, em Portugal, falando da universidade. O número de doutoradas e investigadoras científicas estão acima dos padrões europeus. Não nos mestrados, mas no doutoramento e no pós-doutoramento.
A minha segunda observação é que, apesar deste progresso, há ainda muito a fazer!
Este é então o meu apelo, tanto para as mulheres quanto para os homens em geral, como para os diplomatas e, especialmente, para vocês estudantes. Não se conformem apenas com o que já foi alcançado em termos de igualdade de género. Não é o suficiente. Estamos numa corrida contra o tempo. O Mundo precisa, e Portugal precisa, do contributo único e inigualável das Mulheres, sobretudo na Diplomacia.
Os progressos alcançados em Portugal e no Mundo são fruto do enorme trabalho de mulheres e de alguns homens nesse sentido. Mas ainda há muito a ser feito. Novos desafios a serem enfrentados, velhas práticas e barreiras a serem derrubadas: cultura social, económica, financeira, cultural, cívica. Ainda estamos, em Portugal, em falta de forma genérica em tantos aspectos.
O futuro parece promissor, claro, mas não nos podemos contentar com o que já foi conquistado.
Só com uma maior participação das Mulheres é que poderemos alcançar o que realmente almejamos. Com as suas habilidades, a sua energia criativa e transformadora, construir um Mundo mais equilibrado, inclusivo, próspero, sustentável e pacífico. E precisamos disso agora. Se quiserem debater isso depois, podemos debater. Estamos a viver uma guerra, estamos a viver uma crise económica, uma crise financeira e social, estamos a viver uma mudança no equilíbrio de poderes — não ainda uma nova ordem internacional, mas uma mudança no equilíbrio de poderes. E tantos problemas em outros continentes, em África, na Ásia, até nas Américas. Todas essas questões precisam de vocês, mulheres e homens da Diplomacia.
Cabe a todos nós pormos as nossas palavras em ação!
Muito obrigado.
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