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A Aliança Atlântica para o Século XXI - A NATO depois de Lisboa


 

“Os Aliados da NATO representam uma comunidade única e essencial de nações comprometidas com os valores partilhados - a liberdade individual, a democracia e os direitos humanos -, unidas pela solidariedade, pela vontade de se manterem juntas e de se defenderem mutuamente contra as ameaças à nossa segurança.”1

         

 

POR ANA RAIMUNDO SANTOS

Mestranda do Instituto de estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa

Foi com esta afirmação que Anders Fogh Rasmussen, Secretário-Geral da NATO, deu início aos trabalhos da Cimeira da NATO, decorrida em Lisboa nos dias 19 e 20 de Novembro de 2010 – aquela que foi, e continua a ser, considerada por muitos como um ponto de viragem e de modernização na história da Aliança Atlântica.

As expectativas que pendiam sob os resultados a obter nesta reunião eram manifestamente elevadas, sendo que os assuntos em discussão, essencialmente três, consubstanciavam matérias de uma importância abissal – o novo conceito estratégico da NATO; o papel da NATO no Afeganistão; e as relações NATO-Rússia2. Não obstante esta ser a Cimeira na qual iria ser aprovado o Novo Conceito Estratégico da NATO, cuja finalidade é enformar e legitimar a actuação da Aliança na próxima década, a verdade é que o encontro de Lisboa assumiu uma relevância ainda mais notória no plano político e securitário a nível mundial, em virtude dos entendimentos alcançados e dos compromissos assumidos relativamente aos outros assuntos em discussão.

O novo conceito estratégico

Ao contrário dos conceitos estratégicos aprovados em 1991 e 1999, o novo conceito estratégico da NATO emanou, não de um processo de actualização dos seus predecessores mas, de uma revisão atenta e cuidada dos seus pressupostos e da realidade securitária internacional dos últimos dez anos, na tentativa de definir as linhas políticas e militares de actuação da Aliança na década que se segue. Neste sentido, os Chefes de Estado e de Governo dos países membros concluíram o processo de elaboração do novo conceito estratégico da NATO afirmando que este é apenas o primeiro passo na edificação da Aliança para o Século XXI, que deverá ser renovada e actualizada de forma constante e contínua, de modo a ser capaz de fazer face aos desafios securitários que se lhe impõem.

O novo conceito estratégico veio reafirmar o desenvolvimento e consagração da Aliança como fonte de esperança para a garantia e manutenção da segurança e da paz internacionais, por se fundar em valores comuns como a liberdade individual, a democracia, os direitos humanos e o Estado de Direito. Neste sentido, fortaleceu o seu compromisso de defesa dos territórios e populações dos Aliados através do reforço das três tarefas essenciais a desenvolver para assegurar que tal objectivo possa ser o melhor possível alcançado: a defesa colectiva; a gestão de crises; e a segurança cooperativa.

Esta última tarefa mereceu por parte dos Aliados um desenvolvimento significativamente cuidado. Para além da renovação do compromisso com os objectivos da Carta das Nações Unidas e do Tratado de Washington, e da consequente reafirmação de que a principal responsabilidade do Conselho de Segurança é a manutenção da paz e da segurança mundiais, este documento estabelece a importância das parcerias securitárias que a Aliança mantém com a União Europeia, com as Nações Unidas, com a Ucrânia, com a Geórgia e com a Rússia, consagrando, no que respeita a este último país, que a NATO não consubstancia qualquer tipo de ameaça à sua segurança. Ao invés, define-o como parceiro estratégico importante na criação de um espaço comum de segurança, estabilidade e paz. No que concerne ao novo conceito estratégico, cabe ainda salientar uma questão cuja pertinência se afigura clara – a consagração do terrorismo como uma das principais ameaças à segurança e paz internacionais.

Se se atender à data da aprovação do anterior conceito estratégico da NATO – 1999 – facilmente se percebe que o enquadramento que este prescrevia não se encontrava apto a fazer face à ameaça securitária que emergiu como tal dois anos depois – o terrorismo. Relativamente a este assunto apenas duas notas: a primeira respeita à própria emergência do terrorismo enquanto ameaça – o terrorismo não surgiu como ameaça em 2001, sendo esta a data em que aquela realidade começou a ser encarada como tal; a segunda é relativa às outras ameaças securitárias que o novo conceito estratégico elenca – são consagradas ameaças como os extremismos políticos, diferentes do terrorismo na génese e nos objectivos, a criminalidade organizada transnacional, muitas vezes associada de forma errónea ao terrorismo, e os ciberataques, cada vez mais frequentes e perigosos -. A par da importância desta consagração, surgiu uma outra que também se afigura como muito relevante no âmbito das dinâmicas securitárias internacionais – as questões ambientais, sobretudo as que se prendem com a escassez dos recursos naturais.

A Aliança Atlântica para o Século XXI - A NATO depois de Lisboa 

Note-se que, nalgumas regiões do mundo mais do que noutras, existem populações que convivem de perto com a insuficiência de recursos naturais como a água. Sendo certo que esta realidade tende a agudizar-se com o tempo, é previsível que a escassez de água, tal como de outros bens naturais essenciais à sobrevivência humana, esteja na origem, num futuro talvez não tão longínquo como isso, da emergência de conflitos armados regionais. Neste sentido, considera-se que a integração destas matérias no novo conceito estratégico da NATO vem prioritizar uma questão até então discutida mas ainda sem uma legitimação condignamente consagrada.

A NATO e o Afeganistão

O papel da NATO no Afeganistão foi um dos temas centrais da Cimeira de Lisboa – a necessidade de consagrar por escrito o resultado da experiência da missão da Aliança naquele país, bem como os compromissos presentes e futuros a assumir por ambas as partes, imperava.

“A NATO vai melhorar o seu papel em operações de contra- insurgência e em missões de estabilização e reconstrução.”, afirmou o Secretário-Geral, a propósito da experiência da Aliança no Afeganistão, na conferência de imprensa que deu no dia 19 de Novembro.3

Estando previsto o começo do processo de transição da responsabilidade militar e securitária no Afeganistão, das mãos das forças da NATO para as forças nacionais, para o início de 2011, tornou-se urgente a celebração de um acordo de cooperação e de parceria duradoura entre ambos os intervenientes. Afirmando de forma inequívoca que não pretende, a partir do final de 2014 – data prevista para a conclusão do período de transição –, e em circunstâncias de normalidade, manter qualquer tipo de presença militar naquele país, a NATO, através da assinatura do referido acordo, veio reafirmar o seu compromisso de contribuir para a garantia da existência de um Estado Afegão soberano, independente, democrático, estável e seguro, que não volte a consubstanciar um terreno propício à proliferação de actividades de grupos terroristas. Isto é, o que se pretendeu com este acordo foi assegurar, dentro do que se encontra na disponibilidade das partes, que o Afeganistão se transforme e consolide como território hostil à sua utilização como local de recuo e base operacional para organizações terroristas. Neste sentido, e ao dar o seu acordo aos objectivos definidos, o Afeganistão veio reconhecer a NATO como um importante aliado na consagração da sua soberania enquanto Estado de Direito livre de influências terroristas.

As relações NATO-Rússia

A par dos trabalhos da Cimeira da NATO, decorreu uma outra reunião – a Cimeira NATO-Rússia – cujos contornos, e resultados, assumem particular importância no plano político e securitário internacionais por consubstanciarem uma espécie de “tábua-rasa” das relações entre a Aliança e este Estado. Desta Cimeira resultou a assinatura de uma declaração conjunta entre os 28 Estados que compõem a NATO e a Rússia, na qual ambos os intervenientes declararam encontrar-se unidos em matéria securitária, considerando que a segurança da comunidade Euro-Atlântica é indivisível e, neste sentido, responsabilidade partilhada. Como forma de afirmar o reforço e a continuidade do desenvolvimento do diálogo político fundado nos seus interesses comuns, a NATO e a Rússia estabeleceram entre si alguns compromissos que, pela relevância para a segurança e paz mundial que têm agregada a si, merecem ser destacados: a promoção de um mundo mais estável e seguro através da criação da NPT (Non-Proliferation of Nuclear Weapons); a elaboração de uma avaliação de risco conjunta em matéria de mísseis balísticos; e o reforço da cooperação no combate ao narcotráfico em zonas sensíveis, como o Afeganistão e o Paquistão, ao terrorismo e à pirataria e assalto à mão armada no mar, sendo esta última considerada como uma ameaça significativa, e em franco crescimento, à segurança marítima. Cabe destacar a referência à avaliação de risco a realizar em matéria de mísseis balísticos referindo que foi ainda assumido o compromisso entre os intervenientes de desenvolver, também, uma análise conjunta do futuro enquadramento a adoptar no que respeita à cooperação na defesa antimíssil. Pode considerar-se que, ao fazer “tábua-rasa” das relações entre ambos, a NATO demonstrou estar aberta à edificação de uma verdadeira e sólida parceria com a Rússia, sendo esta declaração conjunta prova das suas boas intenções. Ainda na esteira da postura de “tábuarasa”, e do ponto de vista da Rússia, pode considerar-se que a deslocação do Presidente Medvedev a Lisboa, em Novembro, no âmbito da Cimeira da NATO, e a referida declaração conjunta, são a prova da abertura daquele país a uma real e efectiva cooperação com a Aliança Atlântica. Todavia, a verdade e solidez destas assumpções aparentemente evidentes apenas serão apuradas no futuro, com o passar do tempo e com o desempenho de cada um dos intervenientes.

Lisboa – início ou fim?

Considerada como um marco histórico no universo securitário internacional, em virtude, por um lado, da multiplicidade de consensos alcançados e de compromissos assumidos, e por outro, pela consagração de uma Aliança Atlântica para o Século XXI, a Cimeira da NATO realizada em Lisboa nos dias 19 e 20 de Novembro assumiu um papel singular no reajustamento das dinâmicas de estabelecimento e manutenção da segurança e da paz no seio da comunidade Euro-Atlântica.

Lisboa marca, simultaneamente, o fim de um processo complexo de suma importância, cujo resultado final foi consubstanciado na definição das traves-mestras de actuação da NATO na próxima década, e o início de um novo tempo no âmbito das dinâmicas de segurança e paz a nível internacional

Consciente do passado, centrada no presente mas com os olhos postos no futuro, a NATO aprovou em 2010, em Lisboa, o seu novo conceito estratégico que, ao contrário dos seus predecessores, é dotado de um cariz muito mais prospectivo e realista. Tendo assumido o papel de actor principal nos dois dias de duração da Cimeira de Lisboa, importa relembrar que o processo de elaboração deste documento teve início em Estrasburgo-Kehl, na Cimeira de comemoração do 60.º aniversário da Aliança. Deste modo, pode considerar-se que Lisboa marca, simultaneamente, o fim de um processo complexo de suma importância, cujo resultado final foi consubstanciado na definição das traves-mestras de actuação da NATO na próxima década, e o início de um novo tempo no âmbito das dinâmicas de segurança e paz a nível internacional. Na Cimeira de Novembro foram alcançados consensos e firmados acordos cuja real importância e impacto só será perceptível no futuro, e neste sentido se afirma que em Lisboa se deram passos significativos na consolidação das motivações de actuação da Aliança, confirmando- se a perenidade dos valores partilhados pelos seus membros – embora dotada de uma capacidade inequívoca de adaptação às constantes mutações da realidade securitária internacional, a verdade é que os valores basilares que estiveram na origem da fundação da NATO e que mantém unidos os seus membros continuam os mesmos -.

Numa era em que a globalização é uma realidade inquestionável a todos os níveis, sobretudo no que respeita à segurança, já que as ameaças adquiriram, também elas, um carácter transnacional e global, sendo a sua proliferação semelhante à de um rastilho de pólvora, pode considerarse que a NATO consagrou, consagra e reforça o seu papel como peça fundamental no xadrez da segurança internacional como garante da manutenção da paz e da estabilidade dos territórios e das populações.


1 Rasmussen, Anders Fogh, Discurso de Abertura da Cimeira da Nato em 19 de Novembro de 2010, disponível em https://www.nato.int/cps/en/natolive/opinions_68548.htm [consultado em 05FEV11];
2 Este último ponto foi objecto de uma Cimeira paralela, realizada dia 20 de Novembro, em Lisboa e que teve a denominação de Cimeira NATO-Rússia;
3 Rasmussen, Anders Fogh, Conferência de imprensa de 19 de Novembro de 2010, disponível em https://www.nato.int/cps/en/natolive/opinions_68927.htm [consultado em 05FEV11].


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