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Os Tractores Vieram à Cidade


Os Tractores Vieram à Cidade

Uma visão sobre os direitos humanos na China através de A Grande Muralha e o Legado de Tiananmen. Uma viagem ao centro da China hodierna que permite dar a conhecer e analisar em profundidade a realidade actual do gigante asiático.

Raquel Vaz Pinto
A Grande Muralha e o Legado de Tiananmen

Tinta da China, 2010

Os Tractores Vieram à Cidade 

POR GABRIEL BAPTISTA FERNANDES

Mestrando do Instituto de estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa

Uma abordagem frontal e objectiva fundamentada num aturado estudo, que gerou centenas de notas de rodapé e obrigou a uma minuciosa pesquisa. Liu Xiaobo é o epicentro da narrativa, por válidas razões. Académico na diáspora, regressa à China em 1989 para participar na anunciada mudança do “Fim da História”, que estava a acontecer na Europa.

O prémio Nobel da Paz em 2010 é preso por defender a ideia de que o Partido Comunista Chinês (PCC) não representa toda a Nação. É detido por defender que criticar o PCC não significa o mesmo que trair a Pátria, e também por se opor à ideia de que só o partido pode salvar a China do caos e da desagregação territorial. Ele defende que “ao longo da história da China, os regimes foram frequentemente substituídos, mas a China como uma nação nunca foi destruída.” Mao, figura incontornável da China moderna, proclamou um novo regime e não uma nova nação, defende Xiaobo. O que Liu Xiaobo pretende para o seu país, é a mudança lenta e gradual da sociedade civil acompanhando o desenvolvimento económico, de forma a mudar o regime, que afirma não ter legitimidade.

O autor da Carta 08, apela à aplicação de facto de algumas leis que já existem mas que não passam de retórica. Considera que os Direitos Humanos não são constituídos pelo Estado, mas são antes direitos naturais, e o Estado nunca os fez cumprir. Esta Carta 08 tem como modelo a Carta 77, que foi escrita em plena Guerra Fria pela oposição checa ao regime totalitário e satélite de Moscovo de Gustav Husak. Vaclav Havel, um dos subscritores da Carta 77, apelava para a mesma realidade que existe na China actual: a ditadura de partido único que não permite uma estrutura básica que defenda os direitos humanos. A autora revela também com precisão que o pequeno timoneiro Deng Xiao Ping, é a pedra de toque para a viragem e modernização da China, num país onde o Rule of law não existe, em que existe apenas o rule by law. Refere que depois da morte de Mao e pela ascensão de Deng, ao não lhe suceder o seu delfim Hua Guofeng, a China toma outro rumo que rompe com as directrizes de Mao. Em 81 a China torna-se também membro da comissão de direitos humanos. Mas esta abertura não é pacífica porque a singularidade da China realça um relativismo cultural, ao invocar os chamados “valores asiáticos”, em que o indivíduo só faz sentido no contexto da família e da sociedade, e em que a comunidade prevalece sobre o indivíduo. No entanto, ela renuncia aos direitos de primeira geração: civis e políticos, recusando assim o modelo democrático.

A soberania e o papel do estado são os únicos garantes do desenvolvimento económico no contexto chinês. Contudo, esta tese de rejeição do modelo democrático ocidental está associada à vontade de certas elites se perpetuarem no poder, pois há exemplos como a Coreia do Sul ou Taiwan, que pelo facto de terem as mesmas características históricas, socioculturais e religiosas do seu vizinho, integraram na perfeição este sistema democrático. Para muitos como Xiaobo, a realidade asiática não é incompatível com a democracia.

O consenso de Beijing surge como contraponto ao Consenso de Washington, em que o primeiro se recusa a aliar ajuda económica e direitos humanos. A China considera que usar os direitos humanos como arma política, constitui em si mesma uma violação dos direitos humanos, ela prefere uma parceria estratégica por exemplo com África, com base na troca de recursos naturais por armas e tecnologia, independentemente da natureza dos seus regimes. Por outro lado, a desagregação da URSS serviu de exemplo a não seguir pelo PCC, e para isso a China não caiu na tentação de privatizar sectores estratégicos como a energia, indústrias militares, químicas, ou a distribuição de cereais.

Os Tractores Vieram à CidadeDesenvolvimento para o povo, pelo povo e com o povo, parece um lema que pode ser usado a qualquer preço, mesmo com o sacrifício dos direitos mais básicos. O respeito pelo meio ambiente, pelo indivíduo, pelos usos e costumes e pelas tradições também são esmagados pelo cavalgar económico, e pela necessidade de coesão nacional justifica-se a opressão e a injustiça. Mao suprimiu todas as religiões e Deng foi mais uma vez a pequena luz que permitiu a sua presença na sociedade chinesa, mas sob condições. Estas imposições centrais constituem segundo a autora, dos maiores desafios do PCC.

O consenso de Beijing surge como contraponto ao Consenso de Washington, em que o primeiro se recusa a aliar ajuda económica e direitos humanos

A importância de Xinjiang, a província com populações maioritariamente de origem muçulmana uigure e que tem o crescendo na sua bandeira, constitui também a zona de maiores reservas de gás e de carvão da China. A subjugação e anexação do Tibete por Mao levaram a uma consolidação alargada dos seus territórios, à custa da opressão e enculturação dos tibetanos. A autora sublinha o facto de que todas as diferenças que podem levar a desagregação da China e ao ruir do seu sistema político, se tornam mais difíceis se a cultura e influência da etnia han prevalecer. Ou que pelo menos esse colapso pode ser retardado. Os han são 95% da população e as migrações internas em massa para estes territórios mais problemáticos visam diluir as maiorias autóctones numa maré gigantesca de etnia han.


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