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Reis e Neandertais


 

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É costume dizer-se que existem dois tipos de pessoas: as que acham que um copo está meio vazio, e as que acham que esse copo está meio cheio. Pessoalmente, gosto de pensar que pertenço a um terceiro grupo, o das pessoas que, independentemente da quantidade de liquido que contiver, acham que esse copo apenas ainda não foi derrubado, estando apenas à espera que acabe por ficar estilhaçado.

Matt Ridley
The Rational Optimist

Londres: Fourth Estate, 2010

POR BRUNO ALVES

Assistente do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa

Em The Rational Optimist, o biólogo Matt Ridley procura (para além de mostrarum excelente sentido de humor) mudar a visão de pessoas como o autor destas linhas, e convencer-nos de que, por muito vazio que o copo esteja, nos bastará aguardar para que fique mais cheio. Ridley recorda como, enquanto estudante em Oxford nos anos 70, era levado a acreditar que o Mundo caminhava para a desgraça total: uma explosão demográfica condenaria milhares de pessoas à fome; a poluição ambiental causaria uma epidemia de cancro e destruiria as florestas; e as reservas de petróleo talvez só não se esgotassem porque uma guerra nuclear exterminaria a espécie primeiro. Como pode facilmente depreender pelo facto de estar a ler esta revista, a espécie não foi exterminada, e como nota Ridley, até prosperou: a esperança de vida aumentou, o rendimento per-capita em termos globais terá triplicado, e a população mundial duplicou enquanto que a produção de comida terá crescido ainda mais. As nossas vidas estão a melhorar.

E, argumenta Ridley, estão a melhorar há muito tempo. Luís XIV, nota, conduzia uma vida que muitas pessoas gostariam de ter. Centenas de pessoas trabalhavam para ele, só para lhe preparar as refeições. Este era um privilégio com que a vasta maioria da população nem sequer podia sonhar. Hoje, de certa forma, todos nós temos centenas de pessoas só para nos preparar as refeições: não temos de cultivar, criar ou caçar a nossa própria comida. Nem sequer temos de a cozinhar. Podemos simplesmente ir ao restaurante da nossa preferência, e comer uma das muitas refeições que temos à escolha. De certa forma, “somos todos reis”.

Segundo Ridley, a razão pela qual tem sido possível esta constante melhoria das vidas humanas é o facto de “as ideias terem sexo”. Imaginemos uma espécie assexual, que se reproduza sem interacção sexual entre um macho e uma fêmea: se por acaso ocorrerem, em dois exemplares dessa espécie, duas mutações genéticas diferentes, não haverá qualquer hipótese dessas duas mutações se combinarem. Numa espécie que se reproduza com interacção sexual, essa combinação torna-se possível. Torna-se possível que um indivíduo tire partido das inovações genéticas de toda a espécie, e se essas mutações forem benéficas, prosperar.

O mesmo se passa com as ideias. E não nos basta que as tenhamos, precisamos que elas sejam promíscuas. Só assim será possível combinar o melhor das ideias de uns com o melhor das ideias de outros, e todos beneficiarmos delas. Se, na Idade da Pedra, o senhor que descobriu como usar uma lança para caçar animais não tivesse oferecido carne ao vizinho que sabia como usar as peles dos animais para fazer roupas, um deles ficaria com fome, o outro com frio, e provavelmente hoje não estaríamos aqui. O processo de troca em que cada um oferece o seu trabalho em troca dos frutos do trabalho de outro, é a forma como as ideias “acasalam”. E ao longo dos séculos, esse processo de troca foi-se alargando, do espaço confinado da tribo para o mercado global de hoje, alargando assim o grau de possibilidade de vir a dar frutos positivos.

Afinal, como diz Ridley, nenhum de nós sabe, realmente, fazer o que quer que seja das coisas de que desfrutamos. Por exemplo, esta revista: na realidade, ninguém a sabe fazer. Há pessoas que sabem fazer partes dela, e o seu esforço combinado produz o resultado final. As pessoas que escrevem os artigos não sabem fazer a paginação, enquanto que estas não sabem produzir o papel, e quem sabe fazer o papel provavelmente não seria capaz de escrever um artigo decente (o que levará alguns leitores a pensar que o autor destas linhas trabalha na indústria do papel). O que nos permite ter tudo aquilo que temos no mundo de hoje é a “inteligência colectiva” que resulta deste processo de interacção. Ao longo de milhares anos, os seres humanos aprenderam a colaborar uns com os outros, a trabalharem uns para os outros em troca do que cada um tinha para oferecer, e mais do que isso, a aprender com o que viam os outros fazer. A divisão de trabalho permitiu-nos poupar tempo e esforço, a troca de ideias permitiu-nos deixar a Idade da Pedra e sermos o que somos hoje.

Foi isso, aliás, que nos salvou do destino dos Neandertais: segundo Ridley, esta era uma espécie que tinha tudo para ser bem sucedida, desde cérebros desenvolvidos (maiores que os nossos) à posse de linguagem, mas que pura e simplesmente não fazia trocas de grupo para grupo. Vivendo isolados na sua tribo, não se desenvolveram. Por isso, sempre que ouvir um político ou intelectual a queixar-se da “globalização”, não hesite em chamar-lhe Neandertal. É esse o modo de vida que ele lhe está a propor.

A ideia de justiça de Sen é uma ideia que tem por base um movimento de mudança. O objectivo é acabar com a miséria e dotar as pessoas de capacidades que possam converter em realizações


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