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Será que os Surfistas Devem ser Subsidiados?


  Será que os Surfistas Devem ser Subsidiados?

 

 

Confrontado com o título deste livro – “Será que os Surfistas Devem ser Subsidiados?”* – é provável que o digníssimo leitor, exímio pagador de impostos, desate a trepar pelas paredes.

Martim Avillez Figueiredo  
Será que os Surfistas Devem Ser Subsidiados?

Alêtheia Editores, 2013

 por João Pereira Coutinho joaoa_pereira_coutinho.png

Professor no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa

Como? Subsidiar surfistas para que eles possam, digamos, surfar? Calma, leitor: não há motivos para tanto dramatismo. O título do livro de Martim Avillez Figueiredo retoma um influente ensaio do influente filósofo belga Philippe Van Parijs, de forma avaliar os méritos e os deméritos das suas propostas para corrigir a desigualdade social e aumentar uma liberdade real para todos. E como pretende Van Parijs atingir essa quimera?

Em primeiro lugar, pelo entendimento, absolutamente crucial, de que não há nada mais dramático do que olhar em volta e ver seres humanos que passaram ao lado da vida. E tudo porque não dispunham dos recursos necessários para fazerem o que entendessem – surfar, vadiar, bocejar; ou então criar, escrever, trabalhar.

Na base do pensamento político de Van Parijs está a ideia, generosa e até nobre, de que a existência humana não se resume a um mesmo padrão de valores e comportamentos. O que para mim pode ser importante – por exemplo, escrever este artigo – pode não ser importante para quem deseja, simplesmente, nada fazer (e, já agora, nada ler). E é aqui que entra a indignação do leitor: como justificar que o meu dinheiro, ganho com o meu suor, possa servir para subsidiar quem não queira fazer nada?

Os “lazies” (preguiçosos) deixam mais espaço (e mais recursos) para os “crazies” (trabalhadores). No fim, todos saem a ganhar

A resposta de Van Parijs é ainda mais ambiciosa: o facto de existir quem nada queira fazer significa que aumentam as oportunidades para quem deseja fazer mais. Os “lazies” (preguiçosos) deixam mais espaço (e mais recursos) para os “crazies” (trabalhadores). No fim, todos saem a ganhar.

Não cabe aqui uma crítica extensa ao argumento de Van Parijs. Importa apenas lembrar que a teoria do autor pressupõe uma espécie de equilíbrio perfeito entre “lazies” e “crazies”, embora seja particularmente omissa sobre a hipótese de um rendimento garantido para todos poder implicar uma sociedade onde os “lazies” suplantarão de forma esmagadora os “crazies”. Para citar experiências históricas passadas, a primeira consequência de se prometer a todos uma tigela de arroz pode significar o fim do cultivo de arroz.

Além disso, e como refere Martim Avillez Figueiredo, importa também perguntar se o rendimento garantido de que fala Van Parijs não acabaria por aprisionar os mais desfavorecidos a formas de vida tão desiguais (e, no limite, tão pouco livres) como as vidas que o rendimento garantido procurava “salvar”.

Liberdade, como defende Van Parijs, significa liberdade de escolher autonomamente. O problema é que, uma vez mais, Van Parijs pressupõe que essa autonomia foi distribuída de forma equitativa entre os mais desfavorecidos e os mais afortunados de uma sociedade. O rendimento garantido seria apenas a cereja no topo do bolo, permitindo escolhas racionais entre iguais.

Infelizmente, não é isso que acontece no mundo real: os mais desfavorecidos, precisamente porque têm mais a perder, seriam os primeiros a aceitar o rendimento e a sair de cena. Moral da história? Concorde-se ou discorde-se de Van Parijs, este livro é pioneiro no estudo de um pensador incontornável. 


* Texto originalmente publicado na revista “Domingo” do Correio da Manhã a 13 de Outubro de 2013.


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