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A Concepção do Novo Modelo Sueco


A Concepção do Novo Modelo Sueco

Numa visão superficial, a Suécia pode parecer um improvável caso de sucesso com base num modelo estatista: impostos altos, despesa pública elevada e cobertura alargada dos serviços sociais. Mas uma análise mais atenta mostra que, embora algumas características do modelo sueco se mantenham relativamente constantes, houve profundas mudanças estruturais nas últimas duas décadas.

Karin
Svanborg-Sjövall
Private
Choice in the
Public Sector
The New
Swedish
Modelo

Timbro, 2012

 por André Azevedo Alves André Azevedo Alves

Coordenador do Centro de Investigação e Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa

No plano da despesa pública, embora os valores continuem a ser elevados em termos relativos, uma análise dinâmica evidencia que, no seguimento da profunda crise que afectou o país nos anos 1990, as políticas de austeridade levadas a cabo na Suécia traduziram-se numa das mais significativas reduções do peso da despesa pública social no PIB de que há memória. Segundo dados da OCDE, do ponto máximo atingido em 1993 para 2000, a despesa pública social na Suécia foi reduzida nuns extraordinários 7,3 pontos percentuais do PIB. Por comparação, entre 2011 e 2013, também segundo dados da OCDE, as políticas de austeridade levadas a cabo em Portugal corresponderam a um aumento da despesa pública social em 1 ponto percentual do PIB. Mesmo tendo em conta que os pontos de partida são muito diferentes, é uma comparação que não pode deixar de merecer reflexão.

Também no que diz respeito à liberdade económica, a ideia de uma Suécia estatista está longe de corresponder à realidade. Segundo a edição mais recente do índice de liberdade económica da Economic Freedom Network , a Suécia é o 29º país mais economicamente livre a nível mundial (Portugal está na 44ª posição). Já na edição mais recente do Index of Economic Freedom, organizado pela Heritage Foundation , a Suécia merece uma avaliação ainda mais favorável em termos de liberdade económica, ocupando a 18ª posição (Portugal aparece neste índice na 67ª posição).

Mas a principal mudança estrutural na qual o livro sob análise se concentra – como o título indica (Private Choice in the Public Sector: "e New Swedish Model) é a organização dos serviços públicos, nomeadamente no que diz respeito à introdução da liberdade de escolha no âmbito da saúde, dos serviços de assistência social e, de forma ainda mais marcante, na educação.

A autora, apesar de jovem, faz uso neste livro da considerável experiência e conhecimentos adquiridos ao longo do seu trajecto académico e profissional. Tendo começado por ser jornalista – o que transparece no estilo como muitos episódios da formulação e implementação das reformas do modelo sueco são relatados no livro - Karin Svanborg-Sjövall foi depois assessora política do Ministro do Ensino Superior e da Ciência. Actualmente, é responsável pela investigação no âmbito das políticas sociais desenvolvida pelo think-tank Timbro, uma das mais activas e influentes organizações na promoção da liberdade de escolha na Suécia.

Em certo sentido, o título do livro pode induzir em erro já que, mais do que tratar da implementação da liberdade de escolha numa perspectiva de análise de políticas públicas, a autora dedica a maior parte da sua actuação à descrição e explicação do processo político que conduziu a essa implementação. Por outras palavras, a obra concentra-se mais na narração e análise da criação de condições políticas para a mudança do que nas políticas públicas que introduziram a liberdade de escolha propriamente ditas.

Não obstante ser de dimensão relativamente reduzida (136 páginas), o livro é a esse respeito – a narração eanálise do processo político – extremamente rico e interessante. De tal forma que seria impossível resumir neste espaço todo o processo em causa. Ainda assim, vale a pena destacar alguns aspectos principais nesse processo tal como descrito e analisado por Karin Svanborg-Sjövall.

O primeiro é o que a autora designa como “paradoxo intrigante” (p. 7) dos anos 1970. Se por um lado a esquerda da época proclamava ideias iluministas como o controlo do próprio destino e da história no caminho para o socialismo, por outro a crença na liberdade individual era mínima. O caminho para a libertação individual definitiva chegaria – paradoxalmente – por via do planeamento centralizado, da colectivação e do controlo do Estado sobre as pessoas. É à incapacidade das forças não socialistas para denunciar e descredibilizar este paradoxo que a autora atribui o falhanço da governação de 1976-1982. Após 44 anos de poder dos sociais.democratas, os partidos não socialistas chegaram finalmente ao poder na Suécia em 1976, mas o facto de, no essencial, partilharem ainda a mundivisão e concepção do Estado dos socialistas basicamente inviabilizou à nascença qualquer possibilidade de mudança estrutural.

É a partir dos anos 1980 (...) que a “batalha pela Suécia” realmente arranca, com o conceito de liberdade de escolha a assumir um papel central na construção de uma agenda alternativa ao socialismo dominante

Na opinião da autora, foi no entanto sobre as cinzas desse falhanço – e das múltiplas frustrações associadas – que uma enuína alternativa intelectual e política ao socialismo dominante começou a ser realmente construída na Suécia. Os principais actores no espaço não socialista – com destaque para académicos, políticos e empresários apoiantes de reformas liberalizadoras – compreenderam com o falhanço de 1976-1982 que uma alternativa credível exigiria tanto pragmatismo como princípios sólidos a nortear esse pragmatismo. É a partir dos anos 1980, como eloquentemente descreve Karin Svanborg-Sjövall que a “batalha pela Suécia” (pp. 19-23) realmente arranca, com o conceito de liberdade de escolha a assumir um papel central na construção de uma agenda alternativa ao socialismo dominante.

Um outro aspecto muito interessante abordado no livro é a forma como, em vários momentos, o radicalismo doutrinário de alguns socialistas, particularmente quando ocupavam posições de poder, pode ser capitalizado a favor da consolidação e alargamento de uma base de apoio sustentável a uma agenda de políticas públicas não socialistas. Por exemplo, foi a falta de vontade (ou incapacidade) de Olof Palme para se opor aos sectores mais radicalizados dos sindicatos em 1983 que funcionou como catalizador dos sectores não socialistas, em particular de um importante grupo de empresários que compreendeu que pilares básicos de uma economia de mercado poderiam estar em causa se a tendência para a radicalização não fosse rapidamente contrariada.

Noutra dimensão, a da aceitação junto da opinião pública das reformas liberalizadoras, é particularmente relevante o caso da Pysslingen (pp. 35- 49), enquanto primeira iniciativa estruturada de nova oferta educativa (no caso em questão, pré-escolar) não estatal em regime concorrencial. Apesar de forte resistência inicial e de sucessivas denúncias alarmistas, uma vez implementada o apoio da opinião pública cresceu exponencialmente. Apesar de múltiplos obstáculos e problemas de implementação, a não concretização dos cenários alarmistas reforçou o apoio da opinião pública e a afirmação de uma primeira experiência bem sucedida acabou por ser decisiva para mudar o ambiente político na Suécia sobre o tema da liberdade de escolha e concorrência.

A Concepção do Novo Modelo Sueco

Uma vez alterado o rumo da opinião pública, o passo decisivo para a afirmação do novo modelo sueco deuse com a gradual mudança de pinião no âmbito dos sociais-democratas e das principais forças sindicais – tradicionalmente os principais opositores da liberdade de escolha. Como muito bem adequadamente sintetiza a autora (pp. 51-74), este processo de mudança foi árduo, complexo e frequentemente conflituoso. No entanto, uma vez invertido a tendência de opinião junto do eleitorado e desmentidas pela prática as previsões catastrofistas dos opositores da liberdade de escolha, foi gradualmente possível contar com o apoio da esquerda moderada para as reformas, o que solidificou o consenso em torno das mesmas. Mesmo no auge da crise financeira e orçamental na Suécia, em 1993, uns esmagadores 82% do eleitorado mantinham o seu apioi à liberdade de escolha na educação (p. 80). O caminho para o novo modelo sueco já não seria, como se tem comprovado desde então, facilmente abandonado. Uma vez implementadas com sucesso as reformas, a oposição frontal à liberdade escolha passou a estar concentrada quase exclusivamente na extremaesquerda. Sendo certo que, como em qualquer outro país, o rumo futuro da opinião pública sueca é incerto, a verdade é que o largo consenso social formado em torno da liberdade de escolha é verdadeiramente notável, em especial se for tido em conta o ponto de partida.

O livro termina com um relatório sobre o estado actual do debate na Suécia sobre a liberdade de educação e a evolução dos resultados do sistema escolar. Esse relatório justificaria, por si só, uma análise autónoma, mas que vai muito além do âmbito do presente texto. Assim, fica apenas uma reforçada recomendação de leitura atenta para todos quantos se interessem pelo tema, em especial no que diz respeito à elucidativa secção sobre mitos e realidades do sistema educacional sueco (pp. 116-128).

Como aspectos menos conseguidos do livro podem apontar-se essencialmente três, nenhum dos quais suficiente para invalidar uma avaliação global francamente positiva. O primeiro tem a ver com a tradução para inglês, a qual, embora nunca peque por falta de clareza, poderia em várias partes ser bastante mais fluída, facilitando a leitura. O segundo diz respeito a uma concentração excessiva na educação por contraste com a pouca atenção dedicada à saúde e aos serviços de assistência social. Embora se compreenda esta opção tendo em conta o trajecto profissional da autora, a obra seria mais abrangente se o tratamentos das várias áreas de política social fosse mais equilibrado. Finalmente, o livro teria beneficiado também de uma menor concentração no valor instrumental da liberdade de escolha e de maior atenção dada ao valor intrínseco dessa mesma liberdade de escolha por parte das pessoas e das famílias. Uma via que obrigaria necessariamente a considera também os riscos de controlo e dirigismo estatal acrescido que o financiamento estatal – mesmo num sistema com liberdade de escolha como o sueco – necessariamente acarreta.

Como conclusão global, a leitura do livro é especialmente recomendada a todos quantos desejem compreender (e aprender com) a experiência sueca de combinação entre pragmatismo político e mudança norteada por princípios liberalizadores. Nenhuma mudança tão profunda como a que teve lugar na Suécia nas últimas décadas pode ocorrer sem preparar o terreno no campo das ideias e sem correr riscos na sua transposição para o plano político. Mas acima de tudo, a implementação do novo modelo sueco partindo de condições que eram inicialmente muito adversas prova que as únicas reformas estruturais impossíveis de concretizar são as que nunca chegam a ser tentadas.


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