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O Papa Francisco e a Encíclica «Lumen Fidei»


 

O Papa Francisco e a Encíclica «Lumen Fidei»

 

Quando, há alguns meses, o Papa Francisco se dirigiu a quantos se aglomeraram na Praça de São Pedro e acompanhavam o anúncio da sua eleição nos meios de comunicação social, fez questão de falar para todos os homens e mulheres de boa vontade numa abrangente palavra de renovação e de esperança.

Miguel Real
A Vocação Histórica de Portugal

Esfera do Caos, Editores, 2012

por Guilherme d’Oliveira Martins Guilherme d'Oliveira Martins

Presidente do Tribunal de contas. Membro do conselho editorial de Nova Cidadania

 O Papa Francisco e a Encíclica «Lumen Fidei»

Mais do que uma palavra era indispensável um gesto. A indicação do nome escolhido e a atitude foram dois sinais dignos de nota. As mensagens fundamentais foram para todos sem exceção e basearam-se na modéstia e na entrega. A personalidade do Cardeal Jorge Bergoglio é cativante e a invocação do nome escolhido de Francisco foi significativa. Num tempo de imediatismo e de indiferença, de crise de valores e de perplexidade não pode passar despercebido o facto de escolher a referência de um Santo de proximidade, de pobreza e de amor. S. Francisco de Assis simboliza o desprendimento, a entrega, a compreensão e o diálogo com a natureza. Perante uma crise marcada pelo imediatismo, pela ilusão e pela ânsia dos ganhos fáceis, é importante que haja um apelo aberto a todos no sentido de colocar a dignidade humana no centro das nossas preocupações e prioridades.

O Papa Francisco e a Encíclica «Lumen Fidei»Agora, ocorre a publicação da encíclica «Lumen Fidei», que constitui um acontecimento que merece especial atenção. O texto é de grande interesse. Aconselho a sua leitura cuidada neste tempo estival. Bento XVI já nos tinha anunciado que completaria o ciclo das encíclicas relativo às virtudes teologais, e eis-nos perante um texto denso e fecundo, subscrito e completado pelo Papa Francisco, num gesto aberto, justo e generoso. Notam-se os contributos dos dois pontífices que intervieram na elaboração da carta encíclica, mas estamos perante um documento eclesial que não deve ser considerado de mera autoria individual, apesar da influência evidente dos seus autores. A síntese é sabiamente ilustrativa: «a fé não é a luz que dissipa todas as nossas trevas, mas uma lâmpada que guia os nossos passos na noite e isto basta para o caminho». Fé e razão são faces da mesma moeda, e é importante que o entendamos. Lembramo-nos do diálogo entre Habermas e Ratzinger, e percebemos que ambos tiveram a inteligência de encontrar um elo forte ventre razão e fé. Afinal, relativismo e pluralismo não podem confundir-se (como lembraram Popper, Berlin e Dworkin). Se é certo que vivemos numa sociedade marcada pelas diferenças e pela liberdade, como no-lo ensinou o Concílio Vaticano II, não é menos verdade que os valores espirituais têm de ser considerados, como fatores de compreensão dos limites e da consciência da responsabilidade. Como disse o Padre M. D. Chenu, «o cristianismo é o mistério de Cristo que vive, morre e ressuscita em mim e em cada um». Numa boa tradição nova, iniciada com Bento XVI, a encíclica cita, além dos documentos da Igreja, autores de uma cultura secular, em nome de uma sã abertura ao mundo, de Nietzsche a Dostoievski. Por isso, recorda que «o luz, antes abrindo caminho da liberdade pessoal. E a encíclica recorda que «é conhecido o modo como o filósofo Ludwig Wittgenstein explicou a ligação entre a fé e a certeza. Segundo ele, acreditar seria comparável à experiência do enamoramento, concebida como algo de subjetivo, impossível de propor como verdade válida para todos (LF, 27). A dignidade da pessoa humana como noção irrepetível obriga a entender os caminhos da fé e da razão como complementares e incindíveis. «Devido (…) à sua ligação com o amor, a luz da fé coloca-se ao serviço concreto da justiça, do direito e da paz. A fé nasce do encontro com o amor gerador de Deus que mostra o sentido e a bondade da nossa vida; esta é iluminada na medida em que entra no dinamismo aberto por este amor, isto é, enquanto se torna caminho e exercício para a plenitude do amor. (…) A fé é um bem para todos, um bem comum: a sua luz não ilumina apenas o âmbito da Igreja nem serve somente para construir uma cidade eterna no além, mas ajuda também a construir as nossas sociedades de modo que caminhem para um futuro de esperança (LF, 51). Num tempo em que o imediato parece fechar os caminhos de saída para a crise, é tempo de olhar o horizonte e de pôr a nossa vontade ao serviço das pessoas e do bem comum. E os sinais dados pelo Papa Francisco de abertura, amor e justiça são encorajantes. «Quando a fé esmorece, há o risco de esmorecerem também os fundamentos do viver, como advertia o poeta T.S. Eliot: “Precisais porventura que se vos diga que até aqueles modestos sucessos / que vos permitem ser orgulhosos de uma sociedade educada / dificilmente sobreviveriam à fé, a que devem o seu significado?”» (LF, 55).

Os valores espirituais têm de ser considerados, como fatores de compreensão dos limites e da consciência da responsabilidade

Temos de dar um valor acrescido à dignidade da pessoa humana, em nome da liberdade e da responsabilidade, da igualdade, da não exclusão. Precisamos de exemplos de atenção, de cuidado, de presença! E se vivemos a crise e a provação, se precisamos de sobriedade – eis que o Sumo Pontífice nos diz que a atenção e o cuidado, o exemplo e a experiência são exigências para os cristãos. «Para Deus não somos números; somos importantes, antes somos o que Ele tem de mais importante; apesar de pecadores, somos aquilo que Lhe está mais a peito». Estas reflexões são especialmente oportunas no momento em que agradecemos a D. Manuel Clemente o extraordinário testemunho que deu na cidade do Porto e a muita esperança e alegria como é recebido na chegada como novo Patriarca de Lisboa. Todos temos a ganhar numa partilha de compromisso e de tomada de consciência de que a crise que vivemos exige respostas determinadas, em nome da verdade e da justiça.


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