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Conversas sobre a crise - Portugal, a Europa e o Mundo


Conversas sobre a crise - Portugal, a Europa e o Mundo

O grande tema é a crise nacional, alertando para uma composição de causas plurifacetadas e radicadas na intrincada rede de relações estabelecidas ao nível político, económico e financeiro no palco da realidade europeia mas também, em algumas situações, mundial.

Luís Amado
Conversas sobre a Crise - Portugal, a Europa e o Mundo

Dom Quixote, 2012

por Sónia RibeiroSónia Ribeiro

Professora do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa

Construído a partir de uma série de entrevistas conduzidas pela jornalista Teresa de Sousa com o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, após a cessação das suas atividades governativas e até ao Verão de 2012, este é um livro que flui ao ritmo de uma conversa ao longo da qual, partindo da crise económica e financeira nacional os temas vão surgindo, interligados, guiando-nos pelas opiniões, reflexões, mas também testemunhos das experiências vividas por Luís Amado nos diversos fora em que participou, nomeadamente no seio da União Europeia, da NATO e nas relações com diferentes parceiros internacionais.

A sequência temática, tentada mas nem sempre conseguida – sinal das interdependências cruzadas e inevitáveis que se estabelecem entre os temas – sugere e oferece à partida o raciocínio do entrevistado numa dupla leitura: o grande tema é a crise nacional, alertando para uma composição de causas plurifacetadas e radicadas na intrincada rede de relações estabelecidas ao nível político, económico e financeiro no palco da realidade europeia mas também, em algumas situações, mundial. Por outro lado, é na conjugação da ação interna com o posicionamento estratégico internacional – onde as duas componentes europeia e mundial se conjugam e completam – que a crise poderá encontrar a sua resolução e o país, de novo, a independência, o prestígio e a capacidade de ação que a crise fez perder.

De facto, a crise que empresta ao livro o seu pano de fundo é estrutural, global e complexa. Trata-se, para alguns , de uma crise de contornos inéditos na História, cuja real profundidade, duração e implicações podem ainda não ter sido plenamente reveladas e, menos ainda, entendidas.

Mais do que uma crise cíclica, que encontra em si mesma as condições de recuperação, esta é uma crise diferente, não apresentando fatores internos de regeneração. Tratasse-se de uma crise keynesiana, a recessão seria, por si só, geradora da recuperação, mas dado estarmos perante uma crise schumpeteriana, de descontinuidade, é convocada, na resolução, a construção de uma nova configuração – a transformação fundamental ocorrida no sistema económico implica reconfiguração das relações entre política, economia e sociedade.

Luis Amado retoma o tema da responsabilização coletiva e externa – europeia – pela crise que Portugal atravessa. É inegável, com efeito, que não se trata de uma realidade nacional pura – esta crise opera simultaneamente nas dimensões espaciais nacional, regional e global, e o entrevistado descreve com a clareza que o conhecimento experienciado da realidade europeia lhe permite as causas regionais (europeias) da crise. Para uma reflexão global e mais aprofundada sobre a realidade nacional dentro da crise que a Europa experimenta, será necessário, contudo, reconhecer da mesma forma as causas internas que levaram a que Portugal fosse campo aberto ao desenvolvimento da crise de uma forma que outras economias europeias não foram – ou pelo menos ainda não foram.

A crise da economia portuguesa insere-se com efeito na reconfiguração em curso do sistema económico e político mundial, refletindo a concorrência de uma dimensão sobretudo económica e financeira com âmbito global (o continuado agravamento de assimetrias financeiras entre espaços geradores de excedentes e espaços geradores de défices externos, num quadro de crescente mobilidade do capital financeiro, alimentado pela globalização competitiva), e europeu (centrado nas dificuldades e deficiências do Euro, que Amado explica) mas também uma dimensão política e social, onde as inconsistências entre as preferências socias (eleitorais) das populações ocidentais – mormente as europeias – no que respeita a padrões de bem-estar individual (baseados nos sistemas de proteção social universais e no alargamento do consumo), as governações assentes na promoção de políticas conducentes ao endividamento e a realidade das economias num novo sistema de equilíbrios económicos e políticos se foram agravando.

Ainda que comuns aos espaços alargados afetados pela crise em curso, em Portugal os efeitos destas realidades manifestaram-se com especial intensidade, verificadas que foram aí condições específicas que as potenciaram e levaram a que a crise que Portugal atravessa lhe seja também muito própria e responsabilidades imputáveis. Sem o reconhecimento destas causas internas, a resolução da crise far-se-á, no melhor dos casos, por arrastamento e sobreposição a problemas internos que persistirão e estarão na base de um atraso persistente e dificuldades de regeneração que, no contexto de um processo em aceleração de globalização competitiva e integração europeia reforçada, constituirão entraves à recuperação e superação das dificuldades nacionais.

Entre estas causas endógenas, a vulnerabilidade estrutural das empresas nacionais ao endividamento e a fragilidade da competitividade das empresas nacionais, quando analisada à escala global, são reconhecidas. A abertura dos mercados de crédito, e a acentuada redução das taxas de poupança privada, criaram e agravaram riscos potenciais no sistema financeiro. Por outro lado, a resistência dos atores políticos à transição para novas ou renovadas abordagens ideológico-políticas cristaliza a atuação política num modelo com cada vez maiores dificuldades na aderência à realidade, observando a dependência de políticas públicas que exigem insustentáveis níveis de despesa pública no longo prazo, num quadro de debilidades agravadas por tendências estruturais de aceleração do envelhecimento populacional e persistente diminuição da natalidade. Qualquer estratégia de recuperação e regeneração pós-crise, para obter efeitos duradouros e constituir uma oportunidade de ‘reinvenção’ da economia nacional terá que partir de uma atuação ao nível da resolução destas e outras debilidades endógenas identificadas. A recuperação por arrastamento de realidades externas sem correspondente esforço de resolução de problemas endógenos será frustrada. É aliás o que transparece das exigências reformistas que ressaltam da ação tutelar a que o país está sujeito, ainda que sejam passíveis de refutação em maior ou menor grau – nomeadamente no que respeita à possibilidade de criação de condições de crescimento.

Luis Amado retoma o tema da responsabilização coletiva e externa – europeia – pela crise que Portugal atravessa. É inegável, com efeito, que não se trata de uma realidade nacional pura

Não obstante, reconhece-se em Luis Amado uma visão clara da estratégia nacional que cabe a Portugal prosseguir, ainda que com dificuldade acrescida pelos efeitos destrutivos que esta crise está a gerar não só no tecido económico e empresarial nacional mas também no prestígio político que os sucessos conseguidos no passado recente da diplomacia nacional angariaram e que agora se esbatem.

Esta estratégia deve, em seu entender, conjugar uma firme, persistente e coerente presença no processo de integração europeia, ao mesmo tempo que desenvolve relações específicas com parceiros tradicionais (caso dos EUA, mas também do âmbito CPLP) ou outros relevantes, nomeadamente no que respeita àqueles Estados de que Portugal mais depende em questões essenciais como é a do fornecimento de energia, ponderando uma relação de complementaridade entre um vetor de desenvolvimento e múltiplos vetores de compensação do posicionamento estratégico de Portugal , como aliás vem sendo discutido e defendido, mas cujos resultados ainda não estão suficientemente concretizados.

Como também reconhece, mantendo-se – e até reforçando – a pertinência e mesmo necessidade da adoção de medidas e realizações consistentes de concretização desta estratégia, as condições para a efetiva materialização deterioraram-se com a evolução da crise nacional, uma vez que, assente pelo menos em parte num capital político de capacidade de relação e intermediação que depende de prestígio e reconhecimento internacional, exige uma imagem positiva e construtiva junto dos seus parceiros, que se encontra degrada por força da situação de tutela a que está sujeito.

Não obstante, a importância que assume o empenho de Portugal no processo de transformação em curso na União Europeia, assumindo-se aí como elemento ativo e construtivo, parece-nos essencial para qualquer possibilidade de contenção dos danos desta crise. A presença ativa neste processo em reforço de integração é assim uma parte da solução que poderá ser encontrada para a crise portuguesa (porque também para a europeia), uma vez que só estando no centro deste processo de redefinição da U.E. poderemos assegurar não só a prevenção de convulsões maiores, como também equacionar uma estratégia de desenvolvimento onde Portugal se apresente no mundo globalizado com uma função e competências específicas e valorizáveis, que lhe permitam ter de novo uma voz quer no âmbito da sua esfera de integração regional, quer nos fora internacionais diversos, incluindo junto dos Estados membros da CPLP. O conhecimento aprofundado dos processos em curso na U.E. revela-se assim cada vez mais premente para os decisores portugueses, nomeadamente os decisores políticos que neles deverão participar ativamente.


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