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A Economia com Olhos de Ver


A ECONOMIA COM OLHOS DE VER

História Económica de Portugal (1143-2010), de Leonor Freire Costa, Pedro Lains e Susana Münch Miranda é uma excelente síntese, sobre a evolução portuguesa.

Leonor Freire Costa, Pedro Lains, Susana Münch Miranda
História Económica de Portugal

Esfera dos Livros, 2011

Guilherme d’Oliveira Martins

Presidente do Tribunal de Contas - Membro do Conselho Editorial de Nova Cidadania

A Economia com Olhos de VerA partir da demografia, das alterações nas formas de propriedade, na organização da produção, no comércio externo e nas finanças públicas, esta obra permite ter uma interpretação séria e fundamentada sobre uma «economia nacional» com nove séculos de existência, com um desenvolvimento complexo e multifacetado. Ao longo de seis capítulos, podemos ter contacto com uma realidade que muitas vezes conhecemos mal, e sobre a qual há muitas simplificações inverdadeiras: a formação (1143-1500); a expansão (1500- 1621); a restauração (1621-1703); a consolidação (1703-1807); o liberalismo (1807- 1914) e a convergência (1914-2010).

Diga-se que a história económica de Portugal é reveladora de uma tensão entre elementos de continuidade e descontinuidade, entre fatores de progresso e atraso, entre referências internas e externas, singularizando-se neste último aspeto pela ligação muito forte, em especial nos momentos cruciais da expansão, às tendências inovadoras da mundialização. «Assim (dizem os autores), dada a sua longevidade e projeção internacional, a história económica de Portugal é uma forte contribuição para o e4studo das transformações na longa duração de um espaço nacional nas suas relações com a economia mundial» (p. 444). De facto, há uma precoce participação de Portugal na economia internacional, o que exige atenção à inserção europeia, devendo dizer-se que «a importância das relações com o exterior foi crescendo, mas jamais espefoi dominante». Isto explica a existência de períodos de fechamento cultural, que alternam com momentos de abertura. E é interessante verificar que Portugal nasceu como uma nação europeia, tendo tido três impérios que apenas constituíram parte da sua vida económica.

Como no-lo afirmam os autores, há muito trabalho de investigação ainda por realizar no sentido de conhecer, com mais e melhor informação, as razões pelas quais o país se desenvolveu ou marcou passo, bem sobre o motivo de tão ampla longevidade. Deste modo, importa encontrar pistas para a compreensão do desenvolvimento, para além do tema do atraso, já que a sistemática atenção a este último tema tem alimentado um pernicioso fatalismo, que os autores não seguem. Sendo uma economia periférica, Portugal não pode ser compreendido sem uma análise cuidada das tendências internacionais. Lembremo-nos das repercussões dramáticas da Peste Negra na população, em finais do século XIV, por contraste com o crescimento da população entre 1500 e 1800, neste caso ligeiramente abaixo do registado no Noroeste europeu, mas acima das regiões doi Mediterrâneo. Por outro lado, os fluxos migratórios sentiram-se entre nós especialmente no final do século XVIII (para o Brasil, com o surto do ouro) e na segunda metade do século XIX (ainda para a América do Sul, segundo uma tendência europeia) e no terceiro quartel do século XX para a Europa.

O certo é que desde o século XVI as «relações imperiais foram determinantes para a definição da estrutura do comércio externo português». A reexportação dos produtos coloniais (especiarias, açúcar e depois ouro) permitiu a criação de excedentes no século XVI, enquanto a decadência imperial do Oriente traduziu-se nos défices externos do século XVII, a que se seguiram os excedentes do ouro no século seguinte. Em seguida, nos séculos XIX e XX, os desequilíbrios foram contrariados pelo protecionismo e pelas remessas de emigrantes. E a verdade é que «os défices externos e as recorrentes dificuldades em cobri-los são tanto uma causa como um efeito do atraso relativo da economia portuguesa» (p. 450). Já nas Finanças Públicas, as rendas dos monopólios ultramarinos e das alfândegas puderam compensar os fracos réditos da tributação interna da agricultura e do comércio.

Se nos ativermos à viragem do início do século XV, a conquista de Ceuta (1415) desencadeou uma dinâmica, do povoamento dos arquipélagos atlânticos à presença militar no norte de África, passando pelas viagens de exploração da costa ocidental para sul. Importa, porém, revisitar criticamente os mitos ligados às origens dos descobrimentos e ao Infante D. Henrique, duque de Viseu. É verdade que a ele coube a liderança inicial, mas as razões da expansão são múltiplas e variam ou completam-se ao longo dos tempos. A ideia de «cruzada» tem de ser considerada no contexto da época e da posição assumida pelo Infante, como grão-mestre da Ordem de Cristo, como aliás foi dito por Zurara. Mas as razões económicas são relevantes: já que precisávamos de ouro para amoedação, em virtude da intensificação da atividade mercantil, com a informação de que Marrocos tinha o metal precioso (saber-se-ia depois que esse ouro vinha do Sudão).

O certo é que havia constrangimentos ao comércio no levante mediterrânico originados pela expansão dos otomanos no Médio Oriente o que obrigaria à procura de alternativas nas rotas. Como já se disse, a Peste Negra induzira uma recessão demográfica, com aumento de salários e quebra de preços, com necessidade da nobreza e do alto clero encontrarem alternativas para recuperar rendimentos perdidos na conquista, no corso e no saque. De facto, a quebra de rendimentos da terra para a aristocracia terra-tenente conduziria à necessidade de participação nas atividades de conquista e comércio marítimos. A redução da produção de cereais obrigou ainda a alargar a produção aos circuitos do norte de África, apesar de em Ceuta o objetivo ter sido gorado, por ter havido um desvio dos abastecimentos da cidade. No entanto, ao longo dos descobrimentos, há uma preocupação de integrar espaços económicos norte-africanos com a costa africana e os arquipélagos atlânticos – e o Índico. Afinal, a legitimação pela reconquista e pela cruzada está presente até D. Sebastião, bastando lembrar-nos nos projetos para o Médio Oriente de Afonso de Albuquerque e de D. Manuel.

Por seu turno, a opção de D. Afonso V pelo norte de África, levou à entrega da exploração da costa da Guiné aos mercadores. Fernão Gomes teve, assim, de descobrir 100 léguas de costa contra o pagamento de 200 mil réis à Coroa, ficando com o arrendamento do resgate dos escravos. Deu-se, contudo, tão bem com a empresa, que descobriu S. Tomé e Príncipe, que reconheceu o troço do Golfo da Guiné e que descobriu regiões onde o ouro de produzia. Este facto levou, aliás, a Coroa a interessar-se diretamente pela atividade. É fundado o Forte de S. Jorge da Mina (1482), o plano da Índia passa a mobilizar energias, o preço da pimenta torna-se atraente para os mercadores e a colonização do Brasil segue o sistema das capitanias donatarias, como nas ilhas atlânticas.

a história económica de Portugal é reveladora de uma tensão entre elementos de continuidade e descontinuidade, entre fatores de progresso e atraso, entre referências internas e externas, singularizando-se neste último aspeto pela ligação muito forte às tendências inovadoras da mundialização.

Outro tema crucial é o do nosso decaimento. Afinal, a decadência do final do século XVI é muito complexa, não tendo apenas raízes internas. De facto, a União Dinástica teve efeitos positivos e negativos, que foram agravados pela tentação centralista do Conde Duque de Olivares e pela Guerra dos Trinta Anos. Contudo, até 1620 houve efeitos económicos favoráveis, devido à complementaridade territorial e às potencialidades económicas, contrariados drasticamente pela influência mundial crescente de holandeses e ingleses, que puseram termo ao domínio português da rota do Cabo. Vamos, no entanto, um pouco atrás, para compreender melhor. Enquanto na monarquia agrária medieval portuguesa se destacou a venda, fora dos mercados nacionais, de produtos como as uvas, os figos secos algarvios, algum vinho e o sal, que deu a Setúbal proeminência como porto de exportação por excelência, o império dos séculos XV e XVI acrescentou a distribuição de mercadorias provenientes de outros continentes ao nosso comércio externo. A baldeação de produtos provenientes de África e depois do Índico nos portos portugueses destinados à Europa permitiu a cobrança de importantes receitas aduaneiras, que constituíram a base do que a obra designa (e bem) como Estado fiscal. Assim se chegou ao monopólio ou exclusivo da pimenta e das especiarias. O ciclo do açúcar, iniciado na Madeira, abriu caminho ao comércio de um bem com grande procura e gerador de apreciáveis rendimentos. Depressa, porém, S. Tomé e o Brasil se imporiam como produtores por excelência, com preços mais favoráveis, apesar das medidas protecionistas (quotas de mercado) do duque de Viseu em relação à Madeira. Em cerca de cem anos o Brasil tornar-se-á o maior exportador mundial de açúcar – e o Atlântico começará a afirmar-se no âmbito do império português, além do açúcar, pelo ouro e pelos escravos. A escravatura começa por se centrar a norte do Equador, só se tornando significativa a ligação Angola / Brasil no século XVII. Cabo Verde abastece, como entreposto, mão-de-obra vinda da costa da Guiné, não só para as ilhas atlânticas, mas também para a Índias espanholas. E em S. Jorge da Mina ocorre não só a compra mas também a venda de escravos, para obtenção de ouro. Falando de ouro ainda, importa dizer que em princípios do século XVI os réditos do açúcar eram equivalentes aos do metal precioso, com ligeira vantagem para este. E assim se ia reajustando o centro de gravidade do império.

A ECONOMIA COM OLHOS DE VERDepois de 1498 e da viagem de Gama, a ligação regular entre Portugal e o Índico vai incrementar os lucros do reino, em virtude do trafego da pimenta a preços muito favoráveis para os mercados europeus. Ao longo do século XVI, verifica-se, porém, uma descida da quantidade de pimenta transacionada, ainda que os rendimentos nominais não tenham registado quebra significativa, em virtude de a segunda metade do século ter sido caracterizada por uma acentuada alta nos preços e consequente depreciação monetária. É de salientar, aliás, a tendência verificada na década de 1580 para uma prevalência do comércio do Atlântico e em especial do Brasil, por comparação com os fluxos do Índico. Desse modo, estava-se a preparar já a transição para um império atlântico, diferente do que antecedera a chegada de Vasco da Gama à Índia. Houve quebra nas importações de pimenta e redução dos respetivos preços. Refira-se a degradação da qualidade das embarcações e a sobrecarga das mesmas, que reduziu a eficácia do transporte e induziu a diminuição das compras e vendas, na transição dos séculos XVI para XVII. Em teoria, navios maiores poderiam transportar uma quantidade maior de mercadorias, mas as possibilidades de naufrágio aumentavam significativamente para eles, como grandes perdas. No entanto, a Carreira da Índia manteve-se estável até 1620, considerando não só o monopólio da coroa na pimenta, mas também o comércio de particulares, em especial no que tocava aos têxteis asiáticos. As receitas do Índico compensavam as importações necessárias ao pagamento das transações imperiais (apesar do fim da feitoria de Antuérpia). O resgate do ouro em S. Jorge da Mina obrigava à provisão de panos norte-africanos, linhos, objetos de cobre e latão. Por seu turno, o comércio da pimenta e das especiarias exigia um «cabedal» constituído por metais e têxteis italianos e valencianos. A prevalência do transporte não permitiu, porém, que Portugal desenvolvesse industrias e manufaturas que reduzissem o peso das importações vindas do norte da Europa e do Mediterrâneo, o que fragilizou a nossa estrutura económica. Se recordarmos o dilema formulado por António Sérgio, na linha da Geração de 70, entre fixação e transporte, percebemos que há elementos dessa análise cuja pertinência se mantém. Os autores têm, porém, o cuidado de não seguir a pista segundo a qual a derrota de Alcácer-Quibir foi um fim.

União Dinástica, a partir de 1580, potenciou a complementaridade entre as monarquias ibéricas com efeitos mútuos benéficos. Por outro lado, o incremento da produção brasileira do açúcar, reforçou a frota portuguesa, apesar de haver uma tendência para holandeses, franceses e ingleses ganharem importância crescente. Se é verdade que nas Cortes de Tomar foram salvaguardados os elementos de independência, com relevância para os rendimentos e monopólios ultramarinos, a verdade é que a política dos Habsburgos veio afetar seriamente a economia portuguesa. Os conflitos dos Áustrias levaram a que o império português fosse atacado por holandeses, ingleses e franceses, com o pretexto do conflito que tinham com o Sacro-Império. É verdade que a decadência da «Carreira da Índia» vinha de 1570, agravada por desinteligências e «fumos», inerentes a um império muito extenso, com grandes dificuldades de coordenação e governança, no entanto Portugal irá sofrer sobretudo por força do envolvimento no grande conflito europeu que culminará na Guerra dos Trinta Anos (1628-1658). Holandeses e ingleses (e menos os franceses), agindo segundo a conceção de «Mare Liberum» de Hugo Grócio, conduziram a que os navios portugueses perdessem o controlo da rota do Cabo. O sistema atlântico assentava no açúcar e nos escravos, vindos também de Angola. Se o eixo de gravidade ainda pendia para a Ásia em finais do século XVI, a verdade é que «despontava um complexo económico capaz de dilatar as receitas da monarquia e dos particulares». Daí o crescimento nominal da receita alfandegária até 1607. Assim, as rendas no núcleo asiático darão lugar à importância crescente da economia brasileira, graças aos bandeirantes e aos engenhos do açúcar. Percebe-se, pois, a importância desta reflexão historiográfica, que permite ver a economia com olhos de ver.


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