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A Morte de Bin Laden Uma Vitória Simbólica ou estratégica?


 

 

No dia 2 de Maio, o Presidente Barack Obama fez uma declaração surpreendente: dez anos volvidos dos ataques de 11 de Setembro e de se ter desencadeado a polémica Guerra Global contra o Terrorismo, Osama Bin Laden é finalmente capturado. O rosto do inimigo absoluto dos Estados Unidos é aniquilado. Mas embora a morte de Bin Laden represente um abalo significativo na estrutura de comando da Al-Qaeda, esta foi uma vitória que se revestiu mais de um carácter táctico, simbólico e expressivo que estratégico ou estrutural.

 

Felipe Pathé Duarte

Investigador Auxiliar CI - Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa

A Morte de Bin Laden

Mas embora a morte de Bin Laden represente um abalo significativo na estrutura de comando da Al-Qaeda, esta foi uma vitória que se revestiu mais de um carácter táctico, simbólico e expressivo que estratégico ou estrutural. Neste artigo procuraremos analisar as premissas que nos levaram a esta conclusão. Comecemos então por referir que esta operação foi desencadeada num momento em que Obama, em crise de popularidade nacional e internacional, anuncia a sua recandidatura. Passou uma década desde o famigerado atentado a Nova Iorque e a Washington e, em consequência disso, também uma década da controversa Guerra Global ao Terrorismo. Tanto o primeiro, como o segundo acontecimento, tiveram como mote o rosto de Bin Laden. Mas, se num lado, o rosto surge como líder sacrossanto inspirador de um movimento subversivo que se pretende global, noutro aparece como a absolutização de um inimigo que, em jeito schimittiano1, legitimou acções de legalidade discutível.

Aprofundando. Se num registo, este vértice simbólico se objectivou em acções armadas jihadistas desde os meados dos anos 90, noutro, foi índice da incapacidade americana que, por ele, alterou os rotores da geopolítica mundial. Porém, passados dez anos, essa mesma alteração pareceu finalmente justificada: um sentimento de justiça prevaleceu nos corações dos americanos, esbateu-se a mensagem de impunidade que rotulava o líder jihadista, e a sensação de job well done acabou por, ironicamente, coroar a administração democrata, e não a republicana que desencadeou o processo.

Ao longo destes dez anos Bin Laden era procurado por quase todos os serviços de informações, em particular pela CIA. A sua não captura era apontada, entre outras razões, pelo facto do líder da Al-Qaeda estar fora do alcance, porque os americanos não o queriam capturar, porque já estaria morto, ou ainda pela simples ineficácia dos serviços secretos de Washington. Passada a década, numa brilhante operação ao nível táctico, Osama Bin Laden é finalmente capturado. E, da noite para o dia, aos olhos dos americanos, Barack Obama passa, curiosamente, de nerd-in-chief2 para um presidente capaz de tomar grandes decisões em momentos difíceis.

A Morte de Bin Laden Ao nível simbólico e táctico temos uma indiscutível vitória. Contudo, precisamente pelo peso simbólico, essa vitória, do ponto de vista estratégico, já é mais discutível

Portanto, ao nível simbólico e táctico temos uma indiscutível vitória. Contudo, precisamente pelo peso simbólico, essa vitória, do ponto de vista estratégico, já é mais discutível. Para perceber esta afirmação, centremo-nos agora na Al-Qaeda. Herdeiro dos ensinamentos do Sheik Azzam, fundador da Al- Qaeda aquando a invasão soviética do Afeganistão, Bin Laden, depois do final da Guerra-Fria, vai sendo reconhecido como líder legítimo da organização. Assim, durante os anos 90, a partir do Sudão, e posteriormente do Afeganistão, doutrinou, idealizou, financiou e coordenou um movimento que se reificava em acções armadas a pretensões directa ou indirectamente ligadas ao mundo ocidental em geral e aos EUA em particular.

Se nos detivermos no percurso histórico da Al-Qaeda, verificamos que, fruto do contexto, as estruturas e os padrões operacionais se foram alterando, recorrendo a uma espécie de adaptação evolutiva. Naturalmente que as principais alterações tiveram como factor determinante as consequências decorrentes dos ataques de 11 de Setembro. Em termos muitos genéricos podemos então afirmar que a pressão da Guerra Global ao Terrorismo levou a que a Al-Qaeda passasse de uma estrutura de comando e controlo hierarquizada e bem definida, para uma forma descentralizada de comando que lhe permitisse a sobrevivência.

Se numa primeira fase de existência a acção armada da Al-Qaeda se centrava mais no chamado “inimigo próximo” (governos seculares de países maioritariamente muçulmanos), a viabilidade de uma estrutura formal hierarquizada, local, centralizada e subdividida em tarefas era real. Com as pretensões a uma organização de carácter mais global, e até porque também começa a ser tido em conta o “inimigo distante” (governos ocidentais em geral, EUA e Israel em particular), a estrutura formal ganha uma outra dimensão - transnacionaliza- se, federalizando, no mesmo chapéu ideológico e estrutural, pequenos movimentos que, disseminados pelo mundo muçulmano, tinham uma frente de combate jihadista e uma agenda com pretensões locais. Desta forma, a Al- Qaeda surge-nos então como pólo catalisador desses diversos movimentos. Faz sentido lembrar agora que dois factores contribuíram decisivamente para que tal acontecesse.

Em primeiro, pela dimensão organizativa que, até aos ataques de 11 de Setembro, permitia treino, formação, doutrina e conceptualização estratégica para uma vitória bem definida. Com estas condições, o grupo conseguiu reunir em si grande parte de estruturas (mais ou menos organizadas), ou indivíduos, que se inspiravam numa jihad que parecia ganhar forma em direcção a um movimento de subversão global.

Em segundo, pela facilidade de transmissão dos princípios norteadores e da estratégia latente. Esta acção era feita de duas formas: uma comunicacional e outra representacional. A primeira reificava-se em torno duma cadeia de comando e controlo bem definida, sendo que o operacional estava em perfeita sintonia com a cúpula decisora. A segunda, de carácter simbólico, procurava unificação e adesão através duma representação do carácter ideológico patente na grande estratégia. Esta comunicação poderia ser feita através de acção armada, que, também pela definição do inimigo, ia mostrando uma certa evolução estratégica.

Então, sob uma cúpula decisora liderada pelo saudita Bin Laden (o emir), o egípcio Ayman al-Zawahiri (o segundo na hierarquia) e um conselho de comando (Majlis Al Shura) - autoridade máxima composta por 7 a 10 membros3 -, foram coordenadas várias acções armadas em diversas partes do mundo, através de células que podiam ter, ou não, uma relação directa com esta cúpula. Até ao momento, o ponto alto foi atingido a 11 de Setembro de 2011. Em consequência, pela pressão que a Al-Qaeda foi sofrendo, as cúpulas foram sendo decapitadas e a estrutura foi perdendo capacidade de comando hierarquizado, não deixando, contudo, de existir.

Assim sendo, como forma de sobrevivência, foi adoptando uma estrutura mais fluida, de comando descentralizado, com células semi-autónomas, levando a uma certa “democratização” da acção armada jihadista. Houve, portanto, como que uma redução do papel da cúpula central, que, cessando paulatinamente a tarefa operacional, aparece mais como um elemento doutrinador e de inspiração ideológica.

A este respeito é importante lembrar o sírio Abu Musab Al-Suri, um prolífico estratega do jihadismo que, em 2005, no livro “Apelo a uma Resistência Islâmica Global”, considerado uma espécie de Mein Kampf do movimento, procura apontar o melhor caminho para a sobrevivência da Al-Qaeda. Partindo do preceito nizam, la tanzim (sistema, e não organização), Al-Suri sugere que a Al-Qaeda, ponta da espada do Jihadismo Global, deveria assentar numa base central bastante reduzida que apenas servisse de fio condutor ideológico a diversas células espalhadas pelo mundo.4 Teríamos então como que uma subversão global sem liderança, sem estrutura fixa, ou cadeia de comando.5 Seria uma construção fluida e difusa, sem hierarquia, e cuja ligação entre os diversos grupos organizacionais se basearia num sistema ideológico.

Neste sistema está evidente uma resposta a acções contraterroristas pós 11 de Setembro que decapitaram a Al-Qaeda. O ambiente hostil ao Jihadismo Global levou a uma democratização do movimento subversivo, levando a que este se organizasse não da cúpula para as bases, mas vice-versa. Sendo que, para efeitos de comunicação, os media, nomeadamente a internet, se revelam fundamentais. Temos então uma estrutura que, para sobrevivência, tem que passar a sistema, dependendo mais da componente ideológica do que dos alicerces organizativos. Talvez isso tenha sido conseguido.

A título de exemplo basta lembramo-nos do recrudescimento do chamado homegrown terrorism (ou terrorismo de natureza autóctone), levado a cabo por ocidentais de cidadania ou etnicidade que abraçam o radicalismo islâmico e que, aparentemente, não tendo uma relação directa, se inspiram na Al-Qaeda. A ameaça poderá vir mais deste tipo de acção das self-starters cells, do que duma resposta estruturada e planeada pela cúpula decisora. De entre muitos outros casos relevamos a célula Hofstad que, 2004, na Holanda, assassinou o realizador Theo van Gogh; o tiroteio em Fort Hood, levado a cabo em 2009 por Nidal Malik Hassan; o atentado gorado contra um avião de passageiros do nigeriano Farouk Abdulamutallad, no Natal de 2009; em Outubro passado, a descoberta de explosivos em aviões de carga que foram interceptados no Dubai e no Reino Unido; ou, mais recentemente, em Fevereiro deste ano, a tentativa de Khalid Ali Aldawsari, um jovem saudita de 20 anos a viver no EUA, de colocar explosivos em diversos carros alugados e espalhá-los por Nova Iorque, fazendo-os explodir em plena hora de ponta.

Em conclusão podemos então dizer que houve uma vitória simbólica pela morte do grande representante dos atentados de 11 de Setembro, e uma vitória táctica pelo sucesso da operação em Abbottabad. No entanto, não temos uma vitória estratégica, porque a sua mensagem continua a ressoar, mais ainda porque agora surge como mártir. Além disso, estrutura operacional da Al-Qaeda, porque se foi adaptando para sobreviver sem líderes, não terá sofrido grande abalo. No imediato, talvez tenha recebido um impulso, fruto de um incontrolável desejo de vingança, ou de uma reacção acossada que procure provar a vitalidade e o ainda dinamismo da organização.


1 Referimo-nos a Carl Schmitt e talvez a uma das suas formulações mais conhecidas, por referir que uma das diferenciações da ideia de Político (relativamente a outras actividades do Homem) é nela estar latente uma dimensão de conflitualidade assente na dualidade entre “amigo” e “inimigo”, que designa um grau extremo de ligação ou separação social e política. Neste registo, o “inimigo” é o outro, uma alteridade diversa e potencialmente aniquiladora, que, num limite, pela negação absoluta, poderá desencadear a guerra, ou seja, a possível negação ontológica. Em termos genéricos, para Schmitt, a relação política entre os homens é sempre conflitual, surgindo o Estado-Nação westefaliano como pólo catalisador dessa diferenciação e a ideologia como rastilho de conflito. (sobre este assunto cf. Schmitt, Carl; The Concept of the Political; trad. ing.; Nova Jérsia: Rutgers University Press, 1976 e Sartori G.; “The essence of the Political in Carl Schmitt”; in Journal of Theoretical Studies; Vol. I, Jan. 1989; pp. 63-75)
2 Cf. MacAskill, Ewan; “Are the Republicans any match for new Action Man Obama? “; in The Guardian; Friday, 6 May 2011.
3 Cf. o regulamento interno da Al-Qaeda, tradução em inglês está disponível no acervo documental “Harmony Papers Collection” do Combating Terrorism Center de West Point - http:// www.ctc.usma.edu/wp-content/uploads/2010/08/ AFGP-2002-600048-Trans.pdf. Sobre esta assunto cf. Gunaratna, Rohan e Aviv, Oreg; “Al Qaeda’s Organizational Structure and its Evolution”; in Studies in Conflict & Terrorism; 33:1043–1078, 2010 Routledge, Taylor & Francis Group; pp. 1043-1078.
4 Cf. Lacey, Jim (coord.); A Terrorist Call to Global Jihad – Deciphering Abu Musab Al-Suri’s Islamic Jihad Manifesto; Annapolis, EUA; Naval Institute Press, 2008. Lia, Brynjar; Architect of Global Jihad: The Life of Al-Qaeda Strategist Abu Mus’ab Al-Suri; London: Hurst Publishers, 2009; pp. 1-28.
5 Note-se que esta ideia de resistência sem liderança não é de todo inovadora. Havia sido pensada por Louis Beam, extremista da direita americana, que procurou promover a dissolução de organizações e o conceito de resistência sem líder na Causa Racial, nos Estados Unidos. Usando este conceito cria uma rede que se organiza através de células fantasmas e da acção individual do seus membros. Sobre este assunto, entre outros, cf.: Guedes, Armando Marques; Ligações Perigosas – Conectividade, Coordenação e Aprendizagem em Redes Terroristas; Coimbra: Almedina, 2007; Kaplan, Jeffrey; “Leaderless Resistance”; Terrorism and Political Violence; Volume 9, Issue 3, Autumn 1997; pp. 80 – 95; Sageman, Marc, Leaderless Jihad: Terror Networks in the Twenty First Century; Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2008.


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