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Terras de Sangue


Terras de Sangue

 

A região que se estende da Polónia central ao ocidente da Rússia, ainda formada pelos estados bálticos, a Bielorrússia e a Ucrânia, absorveu o sangue de mais de 14 milhões de pessoas urante o período de 1933 a 1945.

Timothy Snyder Bloodlands
A Europa entre Hitler e Estaline

2010

Orlando Samões

Assistente no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa

Terras de Sangue Aos soldados Alemães foi dito que a Polónia não era um país a sério (1939). Que qualquer tentativa de resistir à investida Alemã deveria ser considerada insolência. O problema é que, mesmo em enorme desvantagem militar, a Polónia lutou e nunca se rendeu. A ter que cair, cairia combatendo: mesmo sozinha. Snyder focase nesta região como chave clarificadora. É que olhar o caso da Polónia permite perceber o facto que no final do conflito foi esquecido: A II Guerra Mundial tem na realidade dois agressores, Hitler e Estaline. Cada um entrou na Polónia pelo lado correspondente. Lá dentro, os soviéticos retiraram as pessoas que julgavam ser incómodas ao seu sistema; tal como os Alemães também punham aqueles que consideravam racialmente inferiores no seu devido local. Na prática, ambos iam entremeando na escolha entre deportações e mortes a tiro, em massa.

 

Na sua perspectiva, eram aliados. De certa forma, tinha razão. Estavam contra a ideia de mundo tal como entendida pelos Ingleses

Mas no dia 22 de Junho de 1941 a Alemanha invade mesmo a União Soviética. Estaline ignorou mais de 100 indicações internacionais que o alertavam para isso mesmo. Na sua perspectiva, eram aliados. De certa forma, tinha razão. Estavam contra a ideia de mundo tal como entendida pelos Ingleses. Hitler invejava o poder Britânico nos oceanos e Lenine tinha tecido as mais duras críticas às mesmas Ilhas, nomeadamente, quanto às questões do imperialismo e do capitalismo. O que Estaline esqueceu, é que Hitler para poder rivalizar com os Ingleses, ainda que por terra, precisava de derrotar a União Soviética. Para Snyder é isso mesmo: Resolver o ‘problema Inglês’ e conseguir ‘o país mais autárquico do mundo’ (a auto-subsistência), significava ter de chegar ao ‘cesto do pão’. A Ucrânia, que tinha visto a morte pela fome devido às ineficiências da colectivização e das metas de Estaline, voltaria a ver, na mesma geração, outra morte pela fome programada e desenhada para a sua população. E o resultado foi exactamente o mesmo, trocando apenas o nome de quem arregimentou o plano. Estaline em 1933. Por ora, Hitler. Mudou também o destino dos alimentos sacados: Moscovo, Berlim.

Segundo os Nazis, a progressão das tropas não estava a correr como ansiado precisamente pela falta de alimentos. Era preciso retirar toda a possibilidade dos soviéticos terem sustento e ao mesmo tempo alimentar os soldados. Matar toda a população pela fome, era a estratégia. Esta ordem, da morte pela fome, incluía os prisioneiros soviéticos. Sobre isto, Snyner insiste em nos obrigar a saber o que se passou. Descreve tudo. Fala dos campos e das prisões dos Alemães, onde uns prisioneiros tentavam comer ervinhas do chão, enquanto outros lutavam para mordiscar talheres sujos. Foram por tudo isto alvo da chacota dos Alemães. Conta ainda a forma como morreram ao frio os soldados deixados sem tecto e sem roupa adequada a muitos graus negativos. Nos últimos meses de 1941 nos campos de Dulag e de Molodechno muitos prisioneiros soviéticos pediram por carta a sua morte a tiro. Esse pedido foi negado: a saída da vida era, obrigatoriamente, através da fome ou do frio. Isto altera a visão da ideia de prisioneiros de guerra. Com efeito, tornava- se assim claro que Hitler desprezava da mesma maneira o destino dos soldados Alemães, caso fossem capturados pelos soviéticos. A ideia era fazê-los lutar até à morte.

Em alternativa à rápida conquista da União Soviética, que tanto tardava, Hitler ia modificando a doutrina daquilo que apelidava de Solução Final para o “problema” Judaico. Sem o espaço dos Montes Urais para os deportar, a possibilidade de os eliminar dava pelo menos uma certa sensação de vitória. Era o que estava no seu controlo. No plano teórico do Nacional-Socialismo, a tese da conspiração foi sendo levantada para aumentar a violência: Os judeus estavam por detrás da União Soviética, mas agora, também dos Estados Unidos e do Reino Unido. O cumprimento da profecia Nazi seria alcançado pela morte em massa dos judeus: a última versão da Solução Final. Foi uma decisão que, para Snyder, traduz precisamente a consciência da derrota. Tal como Hitler afirmava: ou a Alemanha ganha a guerra ou mais vale não existir Alemanha.

Por isso, ao longo de várias cidades, os judeus eram levados para a beira de fossos escavados propositadamente nas periferias, e, mortos a tiro. Mas na cidade de Vilnius (Lituanea), a judia Ita Straz, sobreviveu. Foi arrastada para uma das valas, como todos os outros. Teve a certeza que seria o seu fim. Com dezanove anos, ainda não tinha visto nada da vida, pensou. A rajada de tiros, porém, não lhe acerta, por mera sorte. Mas ela caiu na vala ficando submersa entre cadáveres. Precisamente com medo que alguém pudesse ter escapado, os Alemães subiram ao cimo da vala e voltaram a disparar aleatoriamente. Uma bala acertou na mão de Ita Straz. Ela aguentou o tiro. Sem respirar, cerrou os dentes e não emitiu nenhum som. Passado algum tempo, descalça e ferida, começou a escalar entre os corpos e depois teve de caminhar sobre eles. “Parecia que não tinham fim”, disse mais tarde.

Já a morte pela fome, na Ucrânia, não corria de feição para os Nazis. A resistência das pessoas é enorme, dizia Himmler a Hitler. Matar a tiro começou a ser visto como mais eficiente. E ainda que fosse menos doloroso, passou a ser o método preferido. A cada cidade conquistada, a leste da linha do pacto, os judeus, principalmente, eram mortos a tiro. Snyder relata as histórias todas. O autor sujeita-nos à verdade, descrevendo as humilhações que os judeus passaram às mãos de Alemães absolutamente sádicos. Deixa o leitor desconfortável e inquieto. Na Bielorrússia (Nov., 1941), o nível de selvajaria e de terror ultrapassou todos os limites anteriores. Neste caso poupo os pormenores sórdidos. Indescritível.

De resto, as actividades de resistência independentes, nessas várias cidades, eram dificultadas por um clima de permanente suspeição. Estaline também não valorizava a vida de ninguém. Aliás, foi ele quem começou a primeira fase de mortes em larga escala, cujo pico ocorreu no terror das purgas de 1937-38. Agora, acusava os guerrilheiros que ficavam nos guetos de trabalharem para os alemães; e não se importava que os alemães matassem os que dele iam saindo, apenas porque representavam grupos de inclinações pouco favoráveis ao domínio soviético. O maior exemplo é o gueto de Varsóvia, em 1944. Mas em todas as cidades que formaram guerrilhas, a sobreposição entre os dois tiranos foi decisiva para a escalada de terror. Snyder nota por isso, que, regra geral, era impossível às regiões da bloodlands, combaterem os dois regimes ao mesmo tempo. Resistir a Hitler acabou por ir implicando acrescentos ao poder soviético.

Mas a Ocidente da linha de Ribbentrop-Molotov o plano assassino iria ter ainda uma nuance metodológica: o gás. Tecnologia cujas vitimas do programa, designado por eutanasia, deu emprego a muitos médicos e a polícias. Snyder sublinha que foram os médicos que desenvolveram os gases e que prepararam a ‘desinfecção’. Treblinka, Belzec e Sobibór foram as principais “Fábricas da Morte”, para usar a sua expressão. Ao contrário dos campos de concentração, de onde, segundo ele, a maioria das pessoas que lá entrou (e que teve a hipótese de trabalhar) saiu com vida; destas ‘Fábricas’, pelo contrário, poucos escaparam. Aliás, uma grande parte nem sequer chegava com vida ao local, dadas as péssimas condições de transporte nos comboios. Em vagões sobrecarregados e fechados, inúmeros dias sem absolutamente nada, as crianças aprenderam a lamber o suor umas das outras para tentar sobreviver. O que até era escusado, dado que Treblinka tinha um objectivo claro: desfazer judeus em cinza. Quanto ao número de mortos por hora, conta-se que a sua técnica chegou a ser mais ‘produtiva’ do que a de Austschwitz. Ao ser desmantelada, pelo aproximar dos Aliados, os seus tijolos serviram ainda para a construção de uma quinta para agricultura. As cinzas humanas seriam muito melhores para a fertilidade do solo, diziam eles, e esta abundante colheita iria servir para alimentar os soldados alemães. Alguns dos guardas do campo concordaram em ficar como agricultores. Fertilizaram, semearam e esperaram. Acabou por nunca crescer lá nada. Até hoje.

Em políticas destinadas apenas a matar pessoas, sem qualquer tentativa de justificação, sem ser em combate e apenas na região mencionada, a Alemanha Nazi assassinou 10 milhões e a União Soviética de Estaline 4 milhões, incluindo prisioneiros de guerra. Acrescendo as mortes derivadas pela fome propositada, limpezas étnicas e longos períodos nos campos, temos os números finais. Snyder ressalva as dificuldades em conseguir estes números e que o diálogo não está fechado. É que deu-se uma espécie de interacção entre os dois regimes que acaba por derramar efeitos cruzados de difícil distinção. Melhor será dizer que as pessoas foram vítimas dos dois sistemas da mesma forma. Ainda assim, a última linha do balanço poderá ser a seguinte. Estaline: 9 milhões (maioria dos quais de países da União Soviética). Hitler: 12 milhões (maioria dos quais não Germanicos). Cada morto tornou-se um número. Cabe-nos, a nós, voltar a chamar cada uma dessas pessoas pelo nome, reclama Snyder ao terminar. É isso que o livro tenta fazer.


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