• +351 217 214 129
  • Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.

Reforma da Gestão Pública nos Países de Tradição Napoleónica


Reforma da Gestão Pública nos Países de Tradição Napoleónica

A recente obra de Ongaro é de leitura obrigatória para todos os que se dedicam aos estudos de administração comparada e ao estudo e reforma do caso português.

Public Management
Reform and
Modernization,
Trajectories of
Administrative Change
in Italy, France, Greece,
Portugal and Spain
Edoardo Ongaro

Edward Elgar Publishing, 2009

POR ISABEL CORTE-REAL

Ex-Secretária de estado da M odernização A dministrativa e E x- D irectora Geral do In stituto Eu ropeu de A dministração Publica de M aastricht

Em 2008 o Professor Edoardo Ongaro, da Universidade Bocconi e da prestigiada Escola Bocconi de Gestão, foi o Editor do número especial do International Journal of Public Sector Management dedicado à reforma da gestão pública nos países de tradição napoleónica: França, Grécia, Itália, Portugal e Espanha1. Tive o gosto e honra de escrever o capítulo sobre Portugal. Colaboraram no mesmo número nomes conhecidos como Salvador Parrado, B. Guy Peters, Luc Rouban, Calliope Spanou e Giovani Valoti.

Afirma o Professor Ongaro que esta iniciativa intelectual conjunta – o trabalho de edição que realizou sobre os países de tradição napoleónica – formatou fortemente o seu novo livro Public Management Reform and Modernization, Trajectories of Administrative Change in Italy, France, Greece, Portugal and Spain.2

O livro tem sido saudado por destacados autores do meio académico internacional como uma contribuição importante para compreender os sistemas políticos e administrativos do Sul da Europa. Efectivamente as reformas do sector público têm sido tratadas com profundidade no mundo anglo-saxónico, mas têm sido muito negligenciadas na Europa latina. O livro agora publicado é uma contribuição decisiva para o debate dos fenómenos globais de reforma administrativa, oferecendo uma análise sobre as trajectórias de inovação num grupo de países muito importante, mas também muito abandonado pela pesquisa e investigação.

O livro dedica-se com maior detalhe ao caso de Itália. A parte I é devotada à explicação da sua dinâmica de reforma. O capítulo II ilustra o contexto político administrativo em mutação neste país. O capítulo III entra em detalhes das iniciativas de mudança: gestão financeira, auditoria, avaliação de desempenho, gestão de pessoal. O capítulo IV dedica-se à organização «macro» e também ao desenho das organizações individuais.

É porém na parte II e capítulo V que se desenvolve uma análise comparativa da reforma administrativa dos cinco países em exame, sendo esta a parte do livro a que tem maior interesse para os leitores portugueses e também para todos aqueles que se dedicam à investigação da gestão pública comparada. O capítulo VI contém uma ressanha das suas trajectórias de reforma. Neste mesmo capítulo fornece-se uma interpretação das dinâmicas destes cinco países de tradição napoleónica, fazendo-se uma tentativa de generalização sobre os factores que afectam as suas reformas.

O capítulo VII move-se para um terreno mais especulativo. Examina o legado histórico que enquadra os sistemas administrativos, adoptando as lentes da noção de tradição administrativa e discutindo os seus fenómenos de transformação e de estabilidade. Considera ainda os caminhos trilhados, interrogando-se sobre se emerge destes cinco países um modelo particular de reforma, sob o ponto de vista descritivo ou normativo.

A discussão da ideia fascinante, dos denominados Novos Estados Weberianos, (NWS, Neo Weberian States) introduzida por Christopher Pollit e Gert Bouckaert em 2004 é tratada na obra com profundidade3.

Efectivamente Pollit e Bouckaert publicaram em 2004 o Livro Public Management Reform: a comparative analysis no qual agregam as experiências europeias e da OCDE em duas tendências:

  • As da nova gestão pública, (NPM, New Public Management) presente nos países anglo-saxónicos (Reino Unido, E.U.A., Austrália e Nova Zelândia) e,
  • As dos denominados Novos Estados Weberianos (NWS, Neo Weberian States) que agregam as características da burocracia tradicional weberiana aos contributos novos da Nova Gestão Pública (NPM).

Nos NWS os autores identificam:

  • Os elementos weberianos pela seguinte forma: i) reafirmação do papel do Estado como facilitador principal de soluções para os novos problemas da sociedade de hoje - globalização, tendências demográficas, ameaças ambientais e evolução tecnológica; ii) valor da democracia representativa; iii) papel da lei administrativa e dos princípios de igualdade perante a lei, segurança jurídica e escrutínio legal das acções do Estado; iv) função pública distinta do sector privado.
  • Por sua vez os elementos «novos» considerados, introduzidos pela Nova Gestão Pública (NPM), são os seguintes: i) orientação para o cidadão; ii) valor da gestão para os resultados; iii) gestão profissionalizada e eficiente e; iv) complementaridade (sem substituição) dos mecanismos de democracia representativa com novas formas de consulta e representação directa.

É fundamentalmente nesta II parte do livro que se encontram elementos de reflexão muito interessantes e muito sérios sobre o caso português, o qual é descrito de uma forma sumária mas precisa. Destacam-se alguns aspectos abordados:

  • Como actua / actuou a Nova Gestão Pública (NPM) da literatura anglo-saxónica nestes cinco países? Ou qual será neles o âmbito dos Novos Estados Weberianos (NWS)? Será este um modelo que poderá explicar a trajectória de reforma dos países de modelo francês?
  • A análise da europeização das reformas administrativas, um tópico de interesse crescente nos estados europeus e administrações públicas, beneficia da análise dos cinco países em causa; a europeização pode de facto ter uma influência relevante na política de gestão pública;
  • A descrição comparativa e sistematizada que é feita na obra sobre os sistemas político administrativos e sobre as características evolutivas que explicam as dinâmicas da reforma administrativa em França, Grécia, Itália, Portugal e Espanha é uma análise substantiva que interessa muito a todos os investigadores dos fenómenos administrativos europeus e de Portugal;
  • As conclusões do estudo não conduzem à proposta de um modelo teórico global como chave do entendimento das iniciativas de reforma destes cinco países. Apontam porém para a importância de combinar factores e perspectivas de análise habitualmente subutilizados nas pesquisas de gestão pública, designadamente no campo da tradição administrativa, para explicar dinâmicas da reforma administrativa. Neste livro, Ongaro assume - defende mesmo - que há uma tradição comum subjacente, identificável nos cinco países considerados.

As reformas do sector público têm sido tratadas com profundidade no mundo anglo saxónico, mas têm sido muito negligenciadas na Europa latina

Em relação ao caso concreto de Portugal também vale a pena destacar algumas ideias:

  • Está explicitamente registada a introdução de reformas substanciais nos domínios da avaliação de desempenho e orientação para o cidadão. Diz-se textualmente que as numerosas iniciativas de reforma incluem: o Infocid (informação ao cidadão) 4, relativo à corrente de informação aos cidadãos, seguido em 1997 e mais tarde em 2006 pela instalação das diferentes lojas do cidadão; a Carta de Qualidade (1993) e a Carta Ética dos Serviços Públicos; a introdução do Código do Procedimento Administrativo (1991, revisto em 1995), a introdução dos balcões únicos para as empresas e do programa de simplificação administrativa, denominado Simplex (sendo lex o termo latino para a lei5);
  • Refere-se também que Portugal é um país altamente centralizado, em contra ciclo com outros países europeus;
  • A politização dos cargos de topo, que é em certo sentido inerente a todos os países no nível superior de cargos - embora com diferente extensão e impacto -, está maciçamente generalizada nos países do Sul da Europa - Grécia, Portugal e Espanha - na sequência da transição para a Democracia6.

Como observações finais de grande interesse para quem se dedica o estudo destas matérias identifico genericamente as seguintes:

A tendência identificada por Pollit e Bouckaert (2004) sobre os Novos Estados Weberianos (NWS) pode-se configurar como um desenvolvimento inerente ao Estado weberiano depois da integração das reformas do NPM (New Pubic Management).

Nas palavras de Ongaro: A tendência dos NWS pode ser particularmente valiosa para lidar com os problemas dos países do sul da Europa.

Por sua vez as reformas do NPM (Nova Gestão Pública) podem por alguma forma enfraquecer algumas das capacidades básicas do Estado, especialmente nos Estados do Sul da Europa que não chegaram a conhecer em toda a sua extensão um estado weberiano7.

Como observação pessoal diria que esta mesma conclusão - para a qual tenho insistentemente chamado a atenção dos decisores políticos portugueses, com sentido crítico quanto às reformas (mal) empreendidas nos últimos anos - começa a ser partilhada pelos observadores dos processos de reforma administrativa nos países do alargamento da União Europeia: onde existe uma administração forte e consolidada, que tomou como base os princípios básicos do serviço público da legalidade, imparcialidade, neutralidade e prestação de contas é - tem sido - útil e possível introduzir as flexibilidades inerentes à Nova Gestão Pública. Porém, na ausência da solidez de uma tal ossatura administrativa, a flexibilidade do NPM pode ser disfuncional e corruptora de princípios básicos da administração, tornando-se difícil ao Estado responder em domínios que lhe são próprios e que o mercado não fornece: a garantia de equidade e de igualdade de oportunidades para os cidadãos e para a sociedade.8

Tem também ocorrido nos cinco países analisados uma marcada evolução das relações da administração com o cidadão, que ultrapassam a posição do cidadão como administrado, como era habitual nestes países. Há efectivamente uma evidência de que ocorre uma revolução gestionária silenciosa nos países de tradição napoleónica, em vez das reformas anunciadas muitas vezes em alta voz pelos países do NPM.

Em suma, a recente obra de Ongaro é de leitura obrigatória para todos os que se dedicam aos estudos de administração comparada e ao estudo e reforma do caso português.


1 IJPSM, International Journal of Public Sector Management, vol. 21 no.2, 2008, Emerald Group Publishing Limited, 0951-3558.
2 Ongaro, Edoardo (2009) Public Management Reform and Modernization, Trajectories of Administrative Change in Italy, France, Greece, Portugal and Spain: Edward Elgar, Cheltenham, UK. Northampton, MA, USA.
3 Pollit, C. and Bouckaert, G. (2004) Public Management Reform: A comparative Analysis. Oxford: Oxford University Press.
4 A tradução é minha, O Infocid evoluiu mais tarde para o Portal do cidadão.
5 Obra citada, p.208.
6
Em Itália em 1990.
7
Obra citada, p272.
8
Meyer –Sahling , Jan-Hinrik(2009) Sustainability of Civil Service Reforms in Central and Eastern Europe five years after EU Accession, Sigma paper nº44.


1000 Caracteres remanescentes


Please publish modules in offcanvas position.