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Onde Estão os Liberais?


 

Há liberais clássicos em Bruxelas, defensores do mercado que se reúnem sem ser em segredo. Entre Hayek, von Mises e o anti anti-tabagismo primário, há muito que discutir. Na Europa nem todos são socialistas ou adeptos de quanto mais regulado, melhor. Mas é preciso saber onde os encontrar.

 

POR HENRIQUE BURNAY

Consultor em Assuntos Europeus e Mestrando no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesaa

Haverá liberais clássicos na política europeia? 

Haverá liberais clássicos na política europeia? Se a pergunta for apenas essa, a resposta há-de ser: há com certeza. E esses liberais clássicos influenciam a política europeia? Aí a resposta já só dificilmente será “sim, notoriamente”. E para ser dada seria necessário investigar a política que se faz em Bruxelas e averiguar se as marcas do liberalismo clássico, da defesa consistente do mercado e das suas virtudes se encontram ali. Embora se tema, de antemão, que a reposta não seja, para um liberal clássico, muito entusiasmante. Ainda que se possa sempre argumentar, com razão, que a política não é o território da ciência política mas do possível, do compromisso. Tentemos, então, uma última questão: os liberais clássicos que existem na política europeia tentam influenciá-la? Aí sim, a resposta é afirmativa. Se têm sucesso ou não, essa é, como já antecipámos, uma outra questão.

Quando, a 19 de Fevereiro, Vaclav Klaus, falou perante o Parlamento Europeu, fez uma defesa vigorosa da economia de mercado. Segundo o presidente da República Checa, os cidadãos do seu país esperam da Europa “a remoção das barreiras desnecessárias – e contraproducentes para a prosperidade e liberdade humanas – que impedem a livre circulação de pessoas, bens, serviços, ideias, filosofias políticas, visões do mundo, padrões culturais e modelos de comportamento que, por diferentes razões e ao longo dos tempos, se formaram nos estados Europeus”. E acrescentou, ainda, que os arranjos institucionais não devem ser fins em si mas instrumentos “para se atingirem os verdadeiros objectivos, que são nada mais do que a liberdade humana e um sistema económico que traga prosperidade. E esse sistema é a economia de mercado”. Nesse dia Vaclav Klaus disse outras coisas que desagradaram à maioria dos deputados europeus, designadamente sobre o próprio Parlamento, por isso nunca saberemos o que foi que provocou a ira que se seguiu, com deputados a abandonar a sala, mas é razoável supor que a parte acima citada não entusiasmou a maioria do hemiciclo. De resto, algumas semanas depois o primeiro-ministro checo, Mirek Topolánek, também conseguiu reunir bastante desagrado quando ousou dizer que o plano de estímulo da economia americana, de Barack Obama era “a road to hell”. Não é costume falar-se assim em Bruxelas - no caso específico foi em Estrasburgo mas isso é apenas um detalhe (dispendioso e insensato, mas um detalhe).

Para o que aqui nos interessa, estas duas intervenções, ambas checas, são relevantes pela excepcionalidade.

A esta narração acrescenta-se agora outro facto. Existe, no Parlamento Europeu, um partido liberal: chama-se Aliança dos Liberais e Democratas para a Europa (ALDE, na sua sigla em inglês) mas – é este o ponto – reúne agremiações verdadeiramente díspares. Por exemplo, os italianos da “Lista Bonino”, o partido criado pela ex-comissária europeia Emma Bonino, uma força assumidamente radical que faz o elogio fúnebre de Milton Friedman por, entre outras coisas, ter sido um anti-proibicionista em matéria de droga, e defende o aborto e a eutanásia; o Partito Democratico, inicialmente dirigido por Walter Veltroni, que concorreu contra Berlusconi nas últimas eleições, que se assume como um partido de centro esquerda e que promove petições em favor da escola pública; e, ainda, os liberais alemães do FDP, que têm por lema “um governo tão extenso quanto necessário e tão limitado quanto possível”. A confusão é, pois, manifesta.

Haverá liberais clássicos na política europeia? 

Como se imagina pela amostra, estes “liberais” não terão sido os que aplaudiram ou aplaudiriam Vaclav Klaus ou Mirek Topolánek. Mas, então, quem lhe bateria palmas. Alguns deputados conservadores ingleses, com certeza, e alguns “eurocratas” e outra gente do Bairro Europeu de Bruxelas. São essas as estrelas da história que se segue.

Todas as semanas reúnem-se entre cem e cento e cinquenta. São políticos, representantes de empresas, dirigentes de movimentos cívicos, burocratas que partilham valores como a defesa do mercado, a redução dos impostos, a menor intervenção do Estado. Todas as semanas... em Washington. Estas reuniões começaram há quinze anos, promovidas pelo movimento “Americans for Tax Reform” e desde então não só se espalharam a vários dos cinquenta Estados, como – isso sim interessa-nos - atravessaram o Atlântico e surgiram em Bruxelas, pela mão de um deputado conservador inglês, Syed Kamall, e de um neozelandês radicado em Londres, Shane Frith.

Em Bruxelas não são cento e cinquenta de cada vez, nem há reuniões todas as semanas, mas há mais de um ano que uma vez por mês Shane e Syed reúnem duas, três, quatro dezenas de deputados, empresários, lobistas, funcionários e um orador convidado e durante duas horas debatem um tema seguindo-se uma apresentação individual (como ainda são poucos, todos têm tempo para falar) sobre os projectos em mãos ou, mais útil, sobre a legislação em preparação que os preocupa. Foi ali que descobri que a Organização Mundial de Saúde queria impedir qualquer decisor político de falar sequer com as tabaqueiras, que percebi quanto o Brasil de Lula da Silva estava realmente empenhado na defesa do mercado livre, desde que de biocombustíveis, ou que ouvi Johnny Munkhammar, autor do “The Guide to reform”. E que muitos ouviram João Marques de Almeida defender com entusiasmo o mercado, no meio do actual ambiente.

O previsível teria sido optar, como o seu amigo Bernard Shaw, pelo socialismo, mas não foi isso que fez, encaminhando- se gradualmente para o cristianismo e, mais tarde, para o catolicismo. Como sucederia com Orwell, o que lhe importava era o concreto, não um qualquer esquema destinado a salvar a Humanidade

Quando se trata de empresas e de legislação, nem todos os liberais ali reunidos são iguais. Há quem represente as grandes multinacionais e prefira regras idênticas em toda a Europa e quem, em nome de outros valores ou de outros empreendedores, dê preferência à legislação nacional. Mas há um ponto em comum. Aqui Topolánek e Klaus seriam bem-vindos e aquilo que têm a dizer faz sentido a estes ouvidos. Uma vez por mês, sempre à quarta-feira, reúnem-se. Os liberais clássicos portugueses que de vez em quando vão a Bruxelas deviam conhecê-los. A participação é por convite, mas o espírito não é restritivo.

Entretanto, entusiasmados pelo ambiente e pelas discussões, alguns dos participantes das quartas-feiras de Bruxelas resolveram arriscar um pouco mais e criar um círculo de leitura de textos do liberalismo clássico. Um pouco como se fosse um clube de leitura. Apesar do, ou por causa do apoio do Von Mises Instutute, decidiu-se começar por Hayek e “O Caminho para a Servidão”, leitura tão improvável quanto necessária nesta cidade agora ocupada por uma obsessão: o que é que os governos têm fazer? Quantos milhões devem gastar em planos de estímulo? Até onde deve crescer o défice? Do outro lado também há exageros e acontece aparecer quem afirme que Milton Friedman não era um verdadeiro liberal. São excêntricos num grupo já de si excepcional. Acontece.

Voltando à pergunta inicial: e têm influência? Mais do que se não existissem. Grupos assim são como livros de ideias. Podem ser lidos, ou não; compreendidos ou não; seguidos ou não. Mas se não existirem não haverá sequer testemunho de um pensamento que faz falta, em especial à Europa.


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