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O Sistema Eleitoral Português


 

O Sistema Eleitoral Português

Estarão as insuficiências do sistema
político português dependentes do
sistema eleitoral? Por que razão não se
reforma o tão criticado sistema eleitoral
português? Eis as questões que movem
o estudo de Nuno Sampaio.

Nuno Sampaio
O Sistema Eleitoral
Português

Alêtheia Editores, 2009

POR MANUEL BRAGA DA CRUZ

Reitor da Universidade Católica Portuguesa Membro do Conselho Editorial da Nova Cidadania

O Sistema Eleitoral Português 

O sistema eleitoral é a base de todo o sistema político. Condiciona todo o sistema político, pelas múltiplas influências que tem na configuração do sistema partidário e parlamentar, no próprio sistema de governo, e pela forma como molda o próprio poder político. Mas está longe de ser a chaves de resolução de todos os problemas de funcionamento do sistema político. As instituições possibilitam o bom governo, não o garantem. A última, a decisiva palavra, está nos homens, na sua liberdade e vontade de actuação, na sua capacidade de intervenção. O que porém não isenta da responsabilidade de procurar sempre as melhores condições institucionais para os actores políticos.

O nosso sistema eleitoral de representação proporcional, pelo método de Hondt, foi escolhido quando se instituiu a democracia. Procurava-se então acima de tudo uma fonte de legitimidade democrática, contraposta aos defensores da legitimidade revolucionária, que permitisse a descoberta, o mais fiel possível, do desenho da opinião pública do país, durante tantos anos ignorada, que reforçasse os partidos políticos emergentes, ainda pouco consolidados, e favorecesse a consociatividade, em reacção à longa governabilidade maioritária do autoritarismo do regime anterior.

De acordo com o espírito garantista da Constituição de 1976, foi-se ao ponto de constitucionalizar não apenas o princípio da proporcionalidade, mas o próprio método e técnica de escrutínio, e de os considerar limites materiais da revisão do texto constitucional. O que muito tem dificultado mesmo pequenas alterações no sistema vigente.

O resultado não se fez esperar: a instabilidade governativa abateu-se sobre o sistema político português, que se viu dominado a breve trecho pela galopante partidocracia, com crescente afastamento dos cidadãos da vida política e das instituições, traduzida em altas taxas de abstenção, e no abaixamento da militância e da identificação partidária.

Apesar do sistema não o favorecer, por duas vezes, com Cavaco Silva, e posteriormente com Sócrates, foram conseguidas maiorias absolutas, ficando António Guterres muito próximo de o conseguir também. Criouse então a convicção de que o sistema não dificultava a governabilidade, apenas era preciso melhorar a representatividade e aproximar os cidadãos dos deputados e governantes.

O que sucedeu foi que, por virtude e mérito de lideranças fortes, as eleições de legislativas se foram transformando cada vez mais em eleições politicas, em que mais do que escolher representantes parlamentares se escolhiam governantes, mais precisamente o Primeiro-Ministro. E como se escolhe sobretudo quem liderar o governo, tem havido uma pessoalização da escolha, que sobreleva sobre a escolha partidária. A pessoalização que tem falhado é a dos deputados, não a dos governantes. O que explica, em parte, conjuntamente com a debilitação da função de enquadramento dos partidos e com o aumento da volatilidade eleitoral, a capacidade desses lideres mais fortes de superar o “eleitorado de origem” dos partidos, atingindo-se maiorias num sistema proporcional que não pretendia favorecê-las. As maiorias conseguiu-as, não o sistema eleitoral, mas a capacidade de mobilização carismática dos líderes.

sistema_eleitoral_2.pngOra, um sistema eleitoral não visa apenas a escolha de representantes parlamentares, mas também a escolha de governantes. As eleições não são apenas legislativas mas políticas. Têm pois duas funções de difícil compatibilização: a de garantir legitimidade e representatividade, por um lado, e também eficácia e governabilidade. Sabemos que os sistemas de representação proporcional satisfazem melhor as primeiras e os sistemas maioritários uninominais melhor as segundas. Por isso se procuram cada vez mais soluções mistas, que equilibrem as vantagens e minimizem os inconvenientes de uns e de outros os sistemas disponíveis.

Não faz pois sentido continuar a insistir na manutenção dentro dos limites materiais constitucionais, nem o exclusivo sistema proporcional, nem o método de Hondt. Importa agilizar uma revisão que procure equilibrar as diferentes funções das eleições, que reforce o poder dos cidadãos sem enfraquecer os partidos, que possibilite a identificação dos deputados e seu controle pelos eleitores, que crie condições de governação sem diminuir a responsabilidade perante o parlamento.

Perante a crescente debilitação institucional do Estado, cada vez mais gordo e menos forte, a fazer mal o que não deve, e a não fazer o que deve e só ele pode fazer bem, é importante olhar para a reforma dos sistema eleitoral, e para a necessidade de cuidar mais das condições de governabilidade, até porque são notórios os sinais de erosão da capacidade de enquadramento dos partidos. Recorde-se, para além disso, que dos últimos quatro primeiro-ministros, três não cumpriram o seu mandato até ao fim.

Existe, contudo, a propensão para estabelecer o sistema eleitoral apenas como variável independente, a influir no sistema partidário e de governo, descurando as influências de sinal contrário no próprio sistema eleitoral doutros sistemas e variáveis políticas, designadamente a existência ou não de partidos fortes, a sua capacidade de articulação e representação, a fragmentação partidária e sua polarização.

Não faz pois sentido continuar a insistir na manutenção dentro dos limites materiais constitucionais, nem o exclusivo sistema proporcional, nem o método de Hondt. Importa agilizar uma revisão que procure equilibrar as diferentes funções das eleições, que reforce o poder dos cidadãos sem enfraquecer os partidos, que possibilite a identificação dos deputados e seu controle pelos eleitores, que crie condições de governação sem diminuir a responsabilidade perante o parlamento.

Quando falamos de crise de relação entre políticos e cidadãos, não podemos porém assacar somente responsabilidade ao sistema eleitoral. Se há hoje uma baixa taxa de identificação partidária, com reflexos no abaixamento da militância partidária, e no acréscimo da volatilidade eleitoral, tal decorre muito, para não dizer sobretudo, das alterações mais globais que ocorrem nas sociedades de consumo pós-industriais com os processos de identificação social, que vêem diminuir as “identidades de pertença” e aumentar as “identidades de referência”, mais fluidas e instáveis, provocando a infidelização dos eleitorados.

Contudo, ao sistema eleitoral cabe boa parte de responsabilidade na criação de condições de boa representação e boa governação. Urge tornar o sistema eleitoral capaz de responder a estes dois desafios. Os partidos maioritários têm especiais responsabilidades nesta racionalização do sistema político. Estão por isso obrigados a entender-se. E a verdade, como este trabalho evidencia, é que a zona de confluência de perspectivas é já considerável. Assim haja coragem política para criar um entendimento mínimo e para o tornar realidade.


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