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O Político na Encíclica Spe Salvi


Spe Salvi

É preciso que na autocrítica da idade moderna confl ua também uma autocrítica do cristianismo moderno.” - BENTO XVI

Spe Salvi
Bento XVI

  2007

POR DINA MATOS FERREIRA

DOUTORADA NO INSTITUTO DE ESTUDOS POLÍTICOS DA UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

Depois da virtude teologal da Caridade, Bento XVI deu ao mundo uma Encíclica sobre a esperança, numa incursão sobre os fundamentos do nihilismo da actualidade e uma proposta tocante e profundamente humana sobre as razões da esperança cristã. Para explicar o conceito de esperança a que se refere, Bento XVI cita a Carta aos Efésios, onde S. Paulo diz que, antes de conhecerem Cristo, eles “não tinham esperança” porque “estavam sem Deus”.

Que diferença fará, para o mundo, a esperança trazida pelo Deus dos cristãos?

No entender de Bento XVI, “a mensagem cristã não é só “informativa”, mas “performativa”, gera factos e muda a vida. (…) Quem tem esperança vive diversamente; foi-lhe dada uma
nova vida.”

Esta “nova vida” permite olhar o presente de outro modo. Ou seja, a esperança cristã altera a visão do presente. Nas palavras do Santo Padre, “somente quando o futuro é certo como realidade positiva é que se torna visível também o presente.”

“(A fé) atrai o futuro para dentro do presente (…). O facto de este futuro existir, muda o presente; o presente é tocado pela realidade futura, e assim as coisas futuras derramam-se naquelas presentes e as presentes nas futuras.”

Os cristãos “pertencem a uma sociedade nova, rumo à qual caminham e que, na sua peregrinação, é antecipada.”

Como se esboroou a esperança cristã?

O Papa parte da debilidade da esperança no mundo actual. Bento XVI aponta como raízes importantes para este fenómeno a “fé no progresso” herdada de Francis Bacon e a penetração de duas categorias aliadas ao progresso, razão e liberdade.

Com Francis Bacon “a restauração do “paraíso perdido” já não se espera da fé mas da ligação recém-descoberta entre ciência e prática.”

“A fé é assim deslocada para outro nível, o das coisas privadas, e passa a ser irrelevante para o mundo.” (…) “A esperança passa a ser chamada “fé no progresso”.

Por outro lado, nos conceitos de liberdade e razão “está presente um aspecto totalmente político. O reino da razão, de facto, é aguardado como a nova condição da humanidade feita totalmente livre. Todavia, as condições políticas deste reino da razão e da liberdade aparecem, à primeira vista, pouco definidas.”

Com Francis Bacon “a restauração do “paraíso perdido” já não se espera da fé mas da ligação recém-descoberta entre ciência e prática.”

“Razão e liberdade parecem garantir, pela sua intrínseca bondade, uma nova comunidade humana perfeita.”

Nos dois conceitos-chave de “razão” e “liberdade”, tacitamente o pensamento coloca-se sempre em contraste com os vínculos da fé e da Igreja, como também com os vínculos dos ordenamentos estatais de então. Por isso, ambos os conceitos trazem em si um potencial revolucionário de enorme força explosiva”.

Dois momentos fundamentais são referidos por Bento XVI:

REVOLUÇÃO FRANCESA

“Inicialmente, a Europa do Iluminismo contemplou fascinada estes acontecimentos mas depois teve que refl ectir sobre eles.”

O Santo Padre evoca Kant quando este refere que o “reino de Deus” chega onde a “fé eclesiástica” é superada e substituída pela “fé religiosa”, ou seja, pela mera fé racional. Mais tarde, o próprio Kant refere a possibilidade de, a par do fim natural de todas as coisas, se verifi car também um fim perverso, contrário à natureza.”

REVOLUÇÃO PROLETÁRIA

“Tendo-se diluída a verdade do além, tratar-se-ia de estabelecer a verdade de aquém. O progresso rumo ao mundo defi nitivamente bom já não vem simplesmente da ciência, mas da política – de uma política pensada cientifi camente, que sabe reconhecer a estrutura da história e da sociedade, indicando assim a estrada da revolução.”

“O erro de Marx foi supor que, com a expropriação da classe dominante, a queda do poder político e a expropriação dos meios de produção, ter-se-ia realizado a Nova Jerusalém.”

“Marx esqueceu que a liberdade permanece sempre liberdade, inclusive para o mal. O seu verdadeiro erro é o materialismo: de facto, o homem não é só o produto de condições económicas, nem se pode curá-lo apenas do exterior criando condições económicas favoráveis.”

O Papa reitera que Deus, o Deus do rosto humano que nos amou até ao fi m, é o fundamento de toda a esperança. E o seu reino não é imaginário: está presente onde Ele é amado e onde o Seu amor nos alcança.

Deixamos aqui apenas um pequeno registo do conteúdo mais político e menos ascético do documento papal.

Mas ao longo dos seus oito capítulos, o Santo Padre expõe as dúvidas e as angústias do século, propondo caminhos, alguns dos quais com uma profunda carga de intimidade.

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Ali surgem respostas a questões tão simples mas difíceis como “o que acontece quando morremos”, “o primeiro encontro com Cristo post mortem, “como se aprende da ter esperança”, “o papel da oração e do sofrimento na vida do homem”, “como é a vida eterna” e muitas outras.

Por todas estas razões, a leitura desta Encíclica é incontornável para crentes e não crentes, porque penetra realidades que afectam todo o género humano.

Disponível para download em https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20071130_spe-salvi.html

 

A questão do progresso

“O progresso é sempre ambíguo: oferece novas possibilidades para o bem, mas abre também possibilidades abissais de mal.”

“Se ao progresso técnico não corresponde um progresso na formação ética do homem, no crescimento do homem interior, então aquele não é um progresso mas uma ameaça para o homem e para o mundo.”

Razão

“A vitória da razão sobre a irracionalidade é também um objectivo da fé cristã. Mas essa razão só será verdadeiramente humana se se abrir à fé, ao discernimento entre o bem e o mal.”

“Para Deus entrar verdadeiramente nas realidades humanas, não basta ser pensado por nós, requer-se que Ele mesmo venha ao nosso encontro e nos fale. Razão e fé precisam uma da outra para realizar a sua verdadeira natureza e missão.”

Liberdade

“A liberdade pressupõe que, nas decisões fundamentais, cada homem, cada geração seja um novo início. As novas gerações podem construir sobre os conhecimentos e as experiências dos que as precederam, mas podem também recusar o tesouro moral da humanidade inteira.”

Estruturas sociais

“As estruturas não só são importantes, como necessárias. No entanto, elas não podem nem devem impedir a liberdade do homem. Inclusive, as melhores estruturas só funcionam se numa comunidade subsistem convicções que sejam capazes de motivar os homens para uma livre adesão ao ordenamento comunitário.”

Ordem política

“Visto que o homem permanece sempre livre e dado que a sua liberdade é também sempre frágil, não existirá jamais neste mundo um reino de bem defi nitivamente consolidado. Se houvesse estruturas que fixassem de modo irrevogável uma determinada (boa) condição do mundo, ficaria negada a liberdade do homem e, por este motivo, não seriam de modo algum, em definitivo, boas estruturas.”


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