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Em Defesa do Comércio Livre


New Frontiers in Free Trade

Uma das principais dificuldades na defesa do comércio livre a nível internacional reside na relativa complexidade dos argumentos utilizados, em comparação com o carácter mais intuitivo das tentativasde justificação do proteccionismo.

New Frontiers in Free Trade - Globalization’s Future and Asia’s Rising Role
Razeen Sally

Cato Institute, Washington, DC, 2008

POR ANDRÉ AZEVEDO ALVES

Doutorando na London School of Economics and Political Science

De facto, os argumentos em defesa de restrições ao comércio internacional sustentam-se, regra geral, nos interesses imediatos de grupos minoritários. Interesses que, além de bem definidos, tendem a fazer apelo a uma retórica mais ou menos vaga de defesa dos interesses nacionais por oposição aos estrangeiros. Daí que livros como este de Razeen Sally – que oferece uma defesa concisa e rigorosa do livre comércio no mundo contemporâneo – sejam especialmente importantes.

Segundo o autor, New Frontiers in Free Trade foi escrito tendo em mente dois objectivos principais. Primeiro, tornar acessível de forma clara e resumida a um público não especializado as grandes tendências da economia política do comércio internacional. O segundo objectivo foi o de dotar essa análise de considerações não ocidentais, em particular asiáticas, aproveitando a larga experiência de trabalho de Razeen Sally na Ásia Oriental e do Sul. Na prossecução de ambos os objectivos, sobressaem ao longo do livro não só o rigor e a solidez teórica que fi zeram de Razeen Sally um dos mais influentes estudiosos da economia política internacional, mas também o enquadramento da análise na tradição do liberalismo clássico de David Hume e Adam Smith. Para descrever a abordagem aplicada no livro – uma combinação de aplicação de resultados de investigação académica, análise de políticas públicas e formação de opinião – Razeen Sally usa a designação de “straddler” no sentido utilizado por Ralf Dahrendorf para caracterizar alguém cujo trabalho compreende essas três vertentes.

A parte inicial do livro contém um breve resumo da história intelectual do confronto entre livre comércio e proteccionismo desde a antiguidade até aos dias de hoje. Ainda que privilegiando o período que vem desde o mercantilismo, é interessante notar que Sally considera que o principal e mais antigo argumento não económico a favor do comércio livre – a relação entre o comércio e a paz a nível internacional – tem a sua origem mais fi rme no pensamento cristão. Vale a pena assinalar a referência dada aqui aos escolásticos ibéricos Francisco de Vitoria e Francisco Suárez pelos seus argumentos em favor do comércio internacional. Uma referência que será certamente surpreendente para muitos leitores em Espanha, mas mais ainda em Portugal,onde, infelizmente, o riquíssimo pensamento político e económico da Escola de Salamanca continua a ser largamente ignorado. Na parte relativa aos séculos mais recentes, o livro não traz grandes novidades relativamente à literatura conhecida, mas mesmo assim fornece um bom resumo dos principais argumentos historicamente utilizados a favor e contra o livre comércio que é útil para enquadrar os capítulos seguintes.

O principal e mais antigo argumento não económico a favor do comércio livre – a relação entre o comércio e a paz a nível internacional – tem a sua origem mais firme no pensamento cristão.

Os três capítulos que abordam a economia política do comércio internacional no mundo contemporâneo, a acção da Organização Mundial de Comércio (OMC) e os acordos preferenciais de comércio (APC) constituem os pontos mais fortes do livro, talvez por serem os que mais benefi ciam da experiência profi ssional do autor. Não sendo possível elencar neste espaço todas as interessantes reflexões de Razeen Sally sobre estes temas, há duas ideias que importa salientar. A primeira é que, depois de alguns passos positivos (mas limitados) no sentido da liberalização nos anos 1980 e 1990, o actual contexto internacional, tanto a nível político como intelectual, apresenta difi culdades acrescidas para a defesa do livre comércio. A segunda é que tanto a OMC como os APC, apesar de serem muitas vezes apresentados como instrumentos de liberalização do comércio, nem sempre contribuem da melhor forma para esse objectivo. A relevância futura da OMC talvez venha a depender da possibilidade de se atribuirem à organização objectivos mais realistas e circunscritos à aplicação multilateral de regras gerais de enquadramento do comércio internacional. Já no que se refere aos APC, os seus objectivos pecam por serem quase sempre excessivamente limitados e parciais, abrindo muitas vezes caminho a actividades de rent-seeking. Face às limitações da OMC e dos APC, Razeen Sally dedica o penúltimo capítulo desta sua obra à defesa da liberalização unilateral do comércio como a melhor solução, quer para países desenvolvidos quer para países em desenvolvimento. Defendendo, com argumentos persuasivos que são os países mais pobres quem mais tem a ganhar com a abertura à globalização e que o palco decisivo para o comércio internacional no século XXI será a Ásia.

No capítulo final, o autor usa as conclusões das análises anteriores para justificar a necessidade de integrar a defesa do livre comércio internacional num enquadramento político-institucional mais vasto e estruturado de acordo com os princípios do liberalismo clássico. O que significa dizer que os argumentos puramente económicos a favor do comércio livre, embora sejam sólidos e devam ser utilizados, raramente são suficientes. Daí que uma defesa eficaz do comércio livre não possa prescindir da tradição do governo limitado e direitos individuais, nem deixar de frisar a sua importância para a promoção de uma ordem internacional estável e pacífica.


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