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O Exército e a Ruptura da Ordem Política


Em O Exército e a Ruptura da Ordem Política em Portugal, Abílio Pires Lousada percorre cinco momentos históricos, caracterizados pela intervenção do Exército na vida política do país.

POR VICENTE DE PAIVA BRANDÃO

DOUTORANDO DO INSTITUTO DE ESTUDOS POLITÍCOS DA UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA E DOCENTE DA UNIVERSIDADE LUSÍADA

Nota-se que não se pretende fazer um levantamento exaustivo do tema, mas, em simultâneo, o autor, numa síntese feliz de 143 páginas, foca o essencial, dos períodos em análise.

Estes situam-se entre 1820 e 1974, e compreendem o pronunciamento liberal de Santo Ovídio, o pronunciamento “regenerador” de Saldanha, a insurreição armada de 5 de Outubro de 1910, o levantamento de Braga de 1926, e o 25 de Abril de 1974.

O estudo é acompanhado pela resenha biográfica das figuras militares que, no critério do Major Lousada, mais contribuíram para as mudanças assinaladas.

Na análise dos acontecimentos sobressai, desde logo, certos traços comuns, onde releva a incapacidade de regeneração do sistema; o rompimento com a ordem estabelecida; a participação do Exército; e “a mística castrense, que se sobrepôs às ideologias prevalecentes na sociedade, na preparação das acções de ruptura da Ordem”. Este último aspecto é, aliás, eloquentemente sublinhado pelo General Pinto Ramalho no prefácio da obra.

Após a inevitável introdução, o autor retrata o conceito estratégico nacional no inicio do século XIX. Ainda com resquícios de ideias dominantes no século anterior, evidencia-se a neutralidade portuguesa nos assuntos europeus, a dependência da Inglaterra e a importância económica do Brasil.

Com as guerras napoleónicas, Portugal vê-se obrigado a fazer escolhas e a quebrar a neutralidade continental. O bloqueio marítimo francês dirigido à Inglaterra, precipitou a resolução do dilema nacional: uma aliança com a França implicava a guerra com a Grã-Bretanha e a consequente ameaça de desagregação do império português; a manutenção dos tradicionais laços com a “velha aliada”, conduziria à invasão do território luso pelas forças combinadas de França e Espanha.

Na análise dos acontecimentos sobressai, desde logo, certos traços comuns, onde releva a incapacidade de regeneração do sistema; o rompimento com a ordem estabelecida; a participação do Exército; e “a mística castrense, que se sobrepôs às ideologias prevalecentes na sociedade, na preparação das acções de ruptura da Ordem”. 

A escolha incidiu sobre o segundo cenário, o que se traduziu na sua verificação. Isto é, os franceses invadem o país por três vezes, desde 1807 até 1810.

Com as tropas napoleónicas às portas de Lisboa, a Corte chefiada por D. João VI decide estabelecer-se no Brasil. Em breve, os ingleses iriam exercer um forte ascendente no país.

Em 1820, o monarca encontra-se ainda no Rio de Janeiro. É visitado, em Julho, por Beresford que lhe solicita poderes mais alargados. Em conformidade, é passada uma carta-patente ao militar inglês que o faz Marechal-General do Exército português e lhe atribui poderes de Pró-Cônsul.

Em Portugal, o descontentamento face ao domínio britânico no país e no Exército subia de tom. Há algum tempo que estava em marcha uma conspiração que reunia militares e elementos civis ligados ao Sinédrio.

No essencial, visava-se o seguinte: o afastamento de Beresford do comando castrense e a anulação da influência inglesa na orientação do Reino; o regresso do Rei à metrópole; a redacção do texto constitucional; e a eleição de um Governo sintonizado com a Nação.

Segundo Lousada, “estas linhas programáticas contaram com o apoio dos militares envolvidos, porquanto satisfazia as suas reivindicações de classe e corporativas e, com a mudança de regime e o regresso do soberano, permitiam-lhes colocar a espada ao serviço directo do Monarca”.

A leitura de um manifesto na praça de Santo Ovídio (Porto) pelos chefes da insurreição, marcou o inicio do pronunciamento que percorreu o país até Lisboa e derrotou as autoridades associadas à Regência.

Em breve, o rei regressaria do Brasil e seria formalizada a Constituição. O livro avança, então, para o levantamento militar de 1851, que resulta, ao nível da causa mais próxima, da tensão entre Costa Cabral e Saldanha.

Em meados do século XIX, aquele chefiava o governo, com o apoio de alguns notáveis do Exército e o beneplácito régio. Pelo seu lado, o Marechal Saldanha encontrava-se agastado pelo facto de ter sido substituído na direcção do executivo e haver perdido influência junto de D. Maria II, ao contrário de Cabral.

Entretanto, este recuperou uma orientação autoritária e reformista, geradora de resistências diversas, e desfasada da evolução política dominante na Europa. Saldanha, motivado a lutar contra a situação, empreendeu, de inicio, uma luta errática que o levou a refugiar-se em Espanha. Contudo, após um volte-face no Porto, onde passou a contar com apoios relevantes, conseguiu a adesão de várias unidades nortenhas e marchou em direcção a sul.

exercito2.jpg A oposição de forças leais ao governo, preparada em Coimbra, desmobilizou, e as forças do Marechal puderam alcançar Lisboa. O próprio chegou à capital, por via marítima, desde o Porto, em 15 de Maio. Passados dois dias, é empossado como Presidente do Conselho. Começava o período da Regeneração.

O capítulo seguinte trata da “insurreição armada republicana”. Antes de se analisar a transformação política operada em 5 de Outubro de 1910, o autor esclarece o conceito estratégico da época e aborda a situação do Exército no ocaso da monarquia.

No elencar das circunstâncias que animaram a causa republicana, são sublinhadas a “crise económica da década de setenta”, a “partilha de África na de oitenta e o Ultimatum, em 1890”.

Os republicanos, prontamente, denunciaram a incapacidade das autoridades em afirmar os interesses portugueses em África e criticaram a subserviência em relação à Inglaterra. Em simultâneo, tiraram partido do descontentamento que vigorava em determinados estratos militares, nomeadamente no seio da classe dos sargentos.

Daí, à sublevação no Porto, em 31 de Janeiro de 1891, foi um passo. A iniciativa foi debelada pelas forças fieis ao governo, mas conforme conclui Lousada, “a repressão agudizou a situação e deu aos republicanos os primeiros mártires”.

A acção da maçonaria e da carbonária; o assassínio de D. Carlos e D. Luís Filipe; as clivagens sócio-profissionais entre os militares; e a imaturidade política de D. Manuel II, compuseram as condições que estão na origem dos acontecimentos de 5 de Outubro de 1910. “Na verdade, o Rei tornara-se inócuo e ambíguo, perdeu a estima da direita conservadora e não obteve a consideração da esquerda anti-monárquica”.

Naquele dia, a refrega não começou bem para o lado republicano. Os líderes da revolta morreram e a confusão apoderou- se das forças republicanas. No entanto, graças, em parte, à iniciativa do Comissário Naval Machado Santos e de unidades navais posicionadas no Tejo, a situação inverteu-se e acabou por ser favorável aquelas.

A República era, em seguida, proclamada na Câmara Municipal de Lisboa e anunciada ao resto do país através do telégrafo.

Com a implantação da República, o leitor é conduzido à parte mais contemporânea da História lusitana.

O período da I República é dividido entre a época anterior ao final da Grande Guerra e após esta. O primeiro é apresentado como um tempo de grandes causas, onde pontuam, a título de exemplo, “a laicização do Estado”, a “alfabetização da sociedade” e a tentativa de se alcançar o desenvolvimento económico.

Os anos seguintes são caracterizados pela gestão precária de um dia-a-dia caótico. Nas palavras do autor, trata-se de um período em que a “crise política agravou-se, a sociedade anarquizou-se e os pronunciamentos militares tornaram-se uma recorrência quotidiana”.

Pelo meio, é destacada a participação portuguesa na I Guerra Mundial. Era, desde logo, um gesto de solidariedade para com o aliado britânico, a possibilidade de credibilizar o regime republicano a nível internacional, unir a Nação num “grande desígnio externo” e, sobretudo, garantir a manutenção do império.

Na realidade, os objectivos ficaram muito aquém das intenções dos republicanos. Conseguiu-se a salvaguarda do “status quo” colonial. Mas as restantes pretensões não obtiveram a satisfação pretendida. Pior, as finanças do país atingiram a exaustão e o “país, em face da falência da autoridade do Estado, anarquizou-se”.

O Exército, mais uma vez, não se alheou do destino político do país. Depois de uma revolta falhada, em 18 de Abril de 1925, os conspiradores não desmobilizaram. A procura de um militar “antigo” e respeitado, resultou num certo consenso, em torno da figura do General Gomes da Costa.

As unidades estacionadas em Braga, fieis ao General, aceitaram a missão de despoletar o levantamento. Como é notado na obra em apreço, “o golpe que conduziu à queda da Primeira República tem a sua génese na mais católica e conservadora das cidades portuguesas, para onde confluíram Exército e Padroado, os dois inimigos grados da República”.

Após a adesão de diversas unidades no trajecto até Lisboa e resolvidas algumas peripécias decorrentes de rivalidades de protagonismo, Gomes da Costa, entra em Lisboa a 6 de Junho, e o novo governo é empossado no dia seguinte. Os militares alcançam o poder e, em breve, iriam dar uma oportunidade política a um jovem professor de Coimbra. Este, agradecido, tomou-lhe o gosto e ficou; Durante cerca de 42 anos.

A última parte do livro - que encerra com uma “análise conclusiva” e as já referidas “resenhas biográficas” – compreende o período do Estado Novo.

A preocupação inicial, assenta no encadeamento dos principais desafios externos que se apresentavam ao país. Entre estes, releva a Guerra Civil de Espanha, a II Guerra Mundial, a criação da OTAN e as iniciativas de integração europeia.

A partir de 1945 ocorrem uma série de independências que estão na origem de uma multiplicidade de novos Estados. O continente africano não escapa a esta tendência. Em 1955, a Conferência de Bandung, ajudou a consciencializar a opinião pública mundial para essa aspiração.

O ano do encontro na Indonésia é, igualmente, o da adesão de Portugal à Organização das Nações Unidas (ONU), entretanto, criada em 1945. Nesta sede, o governo português vai enfrentar a maior contestação, ao nível do debate internacional, com o fim de desencadear a emancipação das colónias tuteladas por Lisboa.

O inicio da guerra em Angola, e que posteriormente alastrou à Guiné e a Moçambique, provocou, progressivamente, um enorme desgaste em alguns sectores das Forças Armadas, nomeadamente, naqueles que mais contribuíam para o esforço operacional do conflito.

O problema ultramarino, sem uma solução política aprazada, está, inequivocamente, na origem mais próxima dos acontecimentos que conduziram ao fim do Regime. É, aliás, aquela questão que suscita dois desafios directos ao governo provenientes da esfera militar: a insatisfação resultante da equiparação entre oficiais oriundos de quadros diferentes; e a divisão na hierarquia das Forças Armadas, despoletada pela publicação do livro “Portugal e o Futuro” de Spínola.

Não foi preciso esperar muito para se dar início à “Operação Fim-Regime”, que derrubou o governo chefiado por Marcello Caetano, em 25 de Abril de 1974.

Mas, como sublinha o autor, vão decorrer ainda dois anos de incertezas e indefinições até existir a garantia de que a democracia tinha ganho a partida.

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