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French kissing


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Um político francês defende maior integração europeia e uma aliança com os Estados Unidos para fazer face à emergência de um mundo pós-ocidental.

Pour une Union Occidentale entre l’Europe et les Etats-Unis
Edouard Balladur

Fayard, Paris, 2007

POR HENRIQUE NURNAY

CONSULTOR EM ASSUNTOS EUROPEUS E MESTRANDO NO INSTITUTO DE ESTUDOS POLÍTICOS DA UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

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Em cento e dez páginas com formato de livro de bolso dificilmente se consegue lançar as bases de uma proposta para as relações internacionais que consiga surpreender pela novidade ou arrojo, no entanto Edourd Balladur, antigo primeiro-ministro francês do tempo de Mitterand, consegue pelo menos surpreender desde a primeira página do seu último livro ao dar-lhe como título: Pour une Union Occidentale entre l’Europe et les Etats-Unis. Ler um político francês, é certo que com fama de ter sido um ministro e primeiro-ministro com políticas liberais - e até mesmo de se ter inspirado em Thatcher e Reagan - , sugerir que o futuro do Ocidente passa pelo aproximar dos Estados Unidos e da Europa é suficientemente inusitado para atrair a nossa atenção. E, no entanto, cedo se perceberá que aquilo que Balladour sugere é, no essencial, virar o argumento tradicional (a existência de diferenças enormes entre americanos e europeus - em particular franceses) ao contrário e fazer das razões de afastamento motivos para a sua aproximação. Tudo passa por uma leitura da História que vê no presente a ameaça de construção de um Mundo pós-ocidental, - quando não mesmo anti-ocidental - e que considera o confronto entre a Europa e os Estados Unidos um factor de aceleração desse Mundo. Apresentado o problema desta forma, a resposta que encontra pede cooperação entre as duas margens do Atlântico, mas para tal exige o reforço da “Europa” enquanto unidade política, para que possa falar “de igual para igual” com os Estados Unidos da América e sobre estes exercer uma influência benigna. Se, dos pressupostos às conclusões, Edouard Balladur tem razão ou não, cabe a cada um avaliar, mas que há aqui motivo de reflexão (seja pelo tema em si, seja pelo facto de ser um autor francês a lançá-lo), tal parece inegável.

O Ocidente, segundo Balladur, nasce do somatório do pensamento da Antiguidade e da fé cristã, desenvolve-se na separação entre a religião e o poder e distingue-se pelo reconhecimento da individualidade e da igualdade, que são as pedras basilares da Liberdade. É esta civilização, que o autor identifica, essencialmente, com a Europa e a América do Norte (Estados Unidos e Canadá), que está, crê, ameaçada pela emergência de novos actores mundiais com princípios e valores diferentes dos nossos e onde se associa a crescente preponderância económica aos ressentimento por séculos de domínio europeu. É, então, deste caldo que Balladur crê resultar a ameaça à civilização ocidental. E daqui conclui que a resposta deve ser dada em conjunto pela civilização ocidental, que se deve unir com esse propósito, porque as graves questões que a emergência de um “mundo mais próspero mas mais desequilibrado” coloca não podem ser enfrentadas pela Europa ou pelos Estados Unidos isoladamente. Estes novos actores revelam uma vitalidade económica e demográfica que a Europa já não tem e que os americanos têm, mas em menor escala, o que lhes confere um poder suficiente para se poder falar na emergência de um mundo pós-ocidental. Ou, mais grave, fruto de ressentimentos passados e erros presentes, um mundo anti-ocidental. Entre os erros presentes Balladur refere, antes de mais, a agressividade, como a que, considera, se revelou na intervenção no Iraque.

O Ocidente tem de abandonar a sensação de paranóia, de estar rodeado de inimigos por todos os lados e procurar responder a este novo Mundo de outra forma, que não militarmente, defende. E tem de o fazer unido, é este o pressuposto.

Inovando muito para lá das sugestões mais comuns, que passam pela construção de um verdadeiro mercado integrado, Balladur pede a nomeação de um coordenador europeu para as relações transatlânticas, a instituição de um secretariado permanente comum com vista à aproximação de posições nas relações bilaterais e nos diferentes fora internacionais, a par da instauração de um grande mercado comercial comum e, sem defender a criação uma moeda comum, é favorável à criação de uma política monetária harmonizada, ao estabelecimento de margens de flutuação do Euro e do Dólar controladas pelos bancos centrais e a políticas económicas e orçamentais coordenadas. No capítulo das políticas internacionais, matéria particularmente sensível, propõe que cada uma das partes “se obrigue a não tomar iniciativas importantes sem se concertar com o seu parceiro”. Aqui é que a questão se pode complicar, cremos. Mas é também aqui que está muita da sua originalidade.

Sem conseguir demonstrar a necessidade desta União para os Estados Unidos sem ser pelo apelo à lógica do aumento da força pela via da união - “Os Estados Unidos devem convencer-se de que terão mais sucesso na manutenção do equilíbrio mundial se estiverem associados a uma Europa enfim organizada. E devem romper com a sua tendência para decidirem sozinhos” e de reagir por via da força - Balladur defende que do lado europeu é ainda necessário superar a desarmonia política e forçar a integração, numa solução de Europa a várias velocidades, de forma a que o Velho Continente possa, efectivamente, falar a uma só voz, sem o que não haverá parceiro do lado de cá do Atlântico. E para tal estabelece um projecto de Europa a três velocidades, ou círculos. Um, o do mercado interno, mais ou menos tal como o temos actualmente, agrupando a União Europeia na sua totalidade, ainda que, a seu tempo, reorganizado institucionalmente, de forma a terminar com a igualdade entre os Estados Membros (uma realidade já bastante perdida). Outro, um círculo externo, que agruparia os Estados vizinhos da União Europeia, que não querendo ou não podendo (leia-se Turquia incluída) fazer parte da “Europa”, seriam seus parceiros privilegiados. Finalmente, o das cooperações especializadas, mais fechado, reservado aos Estados membros que assim o desejassem - e aqui está a base da instituição de uma versão mais unida, mais integrada da União Europeia, factor indispensável para a realização da União do Ocidente, onde Balladur coloca França, Reino Unido, Alemanha, Itália e Espanha. A Europa dos grandes transmutada em voz da Europa, portanto.

“Assim o objectivo (a União Ocidental) poderia ser alcançado: tornar-se, para os Estados Unidos, num parceiro da mesma importância, dotado da mesma coerência, sólido, fiável, escutado, sem o acordo do qual nenhuma acção comum seria concebível”.

Mas, será esta apenas uma reformulação da ideia estafada da grandeza da França e da necessidade de recuperar o seu legítimo lugar no Mundo, utilizando a “Europa” como meio e não como fim? Balladur afirma que não. “Trata-se de ter uma ambição para a Europa por si mesma”. Admitindo que sim, será desta forma que se evita o choque de civilizações, que Balladur crê evitável mas possível? Mas que utilidade tem esta Europa para os Estados Unidos?

“Uma vez reorganizado, quer dizer reequilibrado, o Ocidente, mais consciente dos seus limites, menos imbuído da sua superioridade, tendo renunciado a impor o seu domínio como remédio para o sentimento de vulnerabilidade que actualmente o habita, será olhado com outros olhos pelos povos do mundo”. A Europa, unida, seria, então, um factor de contenção do belicismo americano, ao mesmo tempo que seria um parceiro económico e capaz de assumir as suas responsabilidades nomadamente os custos, com a defesa. Entre a utopia (imaginar que os grandes países da UE, os mesmos que recusam ceder o lugar no G8 ou no Conselho de Segurança à União Europeia enquanto tal, irão compatibilizar as suas prioridades, alianças e opções estratégicas internacionais), a presunção (o paternalismo de acreditar que a Europa tem por missão exercer uma influência moderadora sobre os americanos e ignorar a relevância estratégica da aproximação entre os Estados Unidos e o Brasil ou a Índia) e o realismo (reconhecer a inexorabilidade da globalização e a existência de uma proximidade real entre a Europa e os Estados Unidos e as vantagens em reforçá-la), Edouard Balladur tem, com este texto, a enorme virtude de nos fazer uma proposta que vai muito para lá da recusa da globalização, do reforço do proteccionismo ou da rejeição da América, de Bush ou de outro qualquer presidente. Por essas razões, e porque pode ser uma pista para lermos os próximos trajectos da França - Balladur foi incumbido por Sarkozy de presidir ao comité de reflexão sobre a modernização e o reequilíbrio das instituições - vale a pena ler, com atenção, esta proposta de União Ocidental entre a Europa e os Estados Unidos. E desejar que outros, com outras visões, contribuam também.

 


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