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Apresentação do livro A Tradição Anglo-Americana da Liberdade Um Olhar Europeu


A Tradição Anglo-Americana da Liberdade Um Olhar Europeu - RECENSÃO

Bastante apropriado que João Carlos Espada esteja aqui hoje a apresentar o seu livro, para que nós pensemos juntos acerca das diferenças entre a tradição Anglo-Americana e a tradição Continental da Liberdade, num tempo em que as nossas democracias liberais estão a ser desafiadas.

UNIVERSIDADE PARIS-SORBONNE
14 de Dezembro de 2017 

João Carlos Espada
The Anglo-American Tradition of Liberty A View From Europe
O livro foi agora traduzido e lançado em húngaro pela editora Typotext

Catherine Marshall Catherine Marshall

Sciences Po Saint-Germain-en- Laye, Paris

O Professor João Carlos Espada é o director, e fundador, do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, onde lec- ciona ciência política. É ainda o muito ocupado editor da revista trimestral Nova Cidadania e membro do Conselho Editorial do Journal of Democracy

Hoje, temos a honra de o receber para falar sobre o seu mais recente livro - The Anglo-American Tradition of Liberty: A View from Europe – lançado no ano passado numa e publicado pela Routledge.

Eu gosto deste título porque descreve muito bem o Professor Espada.

Passo a explicar:

Ele tem um conhecimento profundo da Grã-Bretanha – onde realizou o seu Doutoramento, na Universidade de Oxford – e dos EUA, onde leccionou nas Universidades de Brown, Stanford, e Georgetown.

Tem ainda uma visão profunda da Europa, tendo em conta que entre 2011 e 2014 deteve a cadeira do Parlamento Europeu / Civilização Europeia Bronislaw Geremek no Colégio da Europa em Varsóvia.

E, finalmente, tem uma visão profunda de Portugal onde trabalhou enquanto conselhei- ro político de dois Presidentes portugueses, Mário Soares (1986-1990) e Aníbal Cavaco Silva (2006-2011).

Assim sendo, se o subtítulo deste livro indica que esta será uma “visão da Europa” [“A View from Europe”] no que diz respeito à Tradição Anglo-Americana da Liberdade, eu penso que seria mais justo dizer que é tanto uma visão de fora como de dentro desta especial tradição da liberdade.

Curiosamente, foi escrito nas Universidades de Oxford, Brown e Stanford, em Varsóvia e também em Portugal. E, como estamos prestes a descobrir, nem todos os autores estudados são anglo-americanos.

É verdadeiramente uma jornada intelectual pessoal sobre como uma distintiva tradição Anglo-Americana da liberdade – que é difícil de identificar - é o cerno do sucesso das nossas democracias liberais.

Acho que é bastante apropriado que João Carlos Espada esteja aqui hoje a apre- sentar o seu livro, para que nós pensemos juntos acerca das diferenças entre a tradição Anglo-Americana e a tradição Continental da Liberdade, num tempo em que as nossas democracias liberais estão a ser desafiadas por diferentes tipos de populismo (tanto da direita como da esquerda do espectro político).

Mas chegou agora a altura de deixar o nosso convidado apresentar o seu “maravi- lhoso livro”, para usar a expressão que usou Timothy Garton Ash para o descrever quando fez a sua crítica.

***

Isto permite-me iniciar a discussão de hoje, e assim farei, olhando para três aspectos importantes desta apresentação: primeiro, a metodologia que usou, segundo, o papel interligado da educação, discussão e religião e, em terceirro, a sobrevivência desta tradição Anglo-Americana de liberdade política nas nossas democracias liberais, especialmente no contexto do Brexit?

1 - METODOLOGIA
Primeiro, gostava de lhe perguntar acerca da metodologia usada para escrever o livro. Coloca-a em termos muito Burkeanos, quando afirma que o livro “surgiu” muito mais do que foi construído de uma forma racional.

Fiquei impressionada com a forma como esta expressão se adequava ao que estava a defender: essencialmente, que esta tradição da liberdade é complicada de analisar abertamente, que teve que se aproximar dela de várias formas diferentes através dos pensamentos de muitos autores e que teve que a ir recolhendo com muitas ferramentas diferentes.

Esta não é uma história da Liberdade Política Anglo-Americana; é muito mais uma história dos pensadores que defenderam o que significava ser politicamente livre no sentido Anglo-Americano.

Ficamos com a sensação que a jorna- da – a dos pensadores que analisa e a sua própria jornada – é quase tão importante como o objectivo. E é isto que lhe dá uma espécie de sabor romântico Oakeshottiano que é nostálgico numa certa forma de pensar em política.

Estava a pensar se, à medida que o livro ia surgindo, alguma vez se questionou a si mesmo, em alguma fase do processo, acerca da metodologia que queria adoptar ou se de- cidiu sentir-se totalmente livre desse tipo de constrangimentos sabendo que provavelmente seria questionado acerca da sua escolha de Leo Strauss, por exemplo. Se “questões eternas” são essenciais para o Strauss no seu amor pela sabedoria dos antigos, não encaixam muito bem com a forma como Raymond Plant faz história política, por exemplo – mesmo que mostre como revisitou a sua visão de Lord Plant no capítulo dele.

Isto é importante porque há uma liberdade de escrita no livro, que vai desde os autores que conheceu pessoalmente e que tiveram um grande impacto no seu pensamento àqueles que escolheu porque cada um deles tinha uma forma de defender uma vertente particular da tradição Anglo-Americana da liberdade.

Surpreendentemente, no entanto, e embora os mencione um pouco, John Stuart Mill e Walter Bagehot não estão tão presentes como seria de esperar enquanto defensores desta liberdade, e estava a também a interrogar-me porque seria.

2 - O PAPEL DA EDUCAÇÃO NA DISCUSSÃO POLÍTICA, CONVERSAÇÃO E RELIGIÃO NA TRADIÇÃO ANGLO-AMERICANA?
Isto leva-me à segunda parte. Se mostra que uma certa educação liberal fortalecida pela religião permite discussão política adequa- da – e governo através do debate – aqueles que o conhecem, sabem que este tem sido o espírito da sua vida.

A sua educação liberal – no seu sentido mais nobre, à século XIX – foi-lhe dada prin- cipalmente na Grã-Bretanha e na América, e usou-a para criar o Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica em Lisboa, onde duas gerações de jovens académicas seguiram a mesma educação liberal que lhe foi dada a si.

Foi ainda mais longe, com o agora famo- so Estoril Political Forum, que toma lugar no mês de Junho no Estoril, e reúne mais de 200 cientistas políticos, historiadores, filósofos, economistas, líderes de think tanks, políticos e estudantes do Instituto para debater os assuntos mais quentes do nosso tempo durante 3 dias numa atmosfera muito civilizada – mesmo que as pessoas discordem umas das outras – que propicia as melhores trocas.

Sente-se que há um desejo de transmitir a outras gerações a experiência do benefício de tal educação liberal, mas eu também senti uma espécie de nostalgia ao lê- lo, como se algo se tivesse perdido ao longo do século XX

Como surgiram os seus sonhos de ensinar liberdade política em Lisboa? Como mantém viva esta tradição Anglo-Americana da Liber- dade – que é fundamentalmente pluralista, adaptável, que aceita diferenças e favorece sempre passos incrementais – nos nossos sistemas universitários bastante dogmáticos, em que é esperado que crie valor racional?

A leitura do seu livro foi como que uma janela para a sua educação e a conversação que teve com todos estes pensadores desde os anos 80. Fiquei também surpreendida pelo papel da Providência, por falta de melhor palavra – de um certo caminho orientado – que o levou a onde era suposta estar mesmo que tenha tido livre arbítrio ao fazê-lo.

Assim sendo, questiono-me sobre a ligação entre educação liberal, fé e capacidade de conversação. Aceitar diferentes pontos de vista, debater de forma distante dos ideais utópicos – que podem levar a surtos revo- lucionários – significa que as conversações políticas acerca da natureza da liberdade política devem ser levadas a cabo por pessoas que falam a mesma linguagem.

Pressupõe que tenham uma mesma edu- cação política para falar um com o outro, não ultrapassar um ao outro. Também significa que têm fé de que uma conversa verdadeira pode resolver qualquer problema – porque esse devia ser o propósito da política – não que todos os problemas possam ser resolvidos, mas que a imperfeição e soluções adaptáveis podem ser descobertas através de uma dis- cussão esclarecedora.

Fundamentalmente, a tradição Anglo- -Americana da liberdade é melhor a promover o bem-estar dos seus cidadãos porque é mais honesta em relação às suas falhas e à sua crença de que ir lidando com as coisas pode ser muito mais útil do que um planeamento racional coerente. Mas isto levanta um novo conjunto de questões e...

3- A SOBREVIVÊNCIA DA TRADIÇÃO ANGLO-AMERICANA DA LIBERDADE HOJE EM DIA NO CONTEXTO DO ESTADO DE DEMOCRACIAS LIBERAIS?
Leva-me à terceira parte. Por quem deve o livro ser lido? Sente-se que há um desejo de transmitir a outras gerações a experiência do benefício de tal educação liberal, mas eu também senti uma espécie de nostalgia ao lê-lo, como se algo se tivesse perdido ao longo do século XX.

Por isso a minha última pergunta é: onde é que correu mal esta educação de indivíduos livres em favor desta tradição de Liberdade? A transmissão deste espírito não está muito viva, e as democracias liberais actuais são desafiadas tanto por populismo como por regimes totalitários (hoje em dia, as redes sociais podem até ser consideradas uma forma de despotismo auto-imposto).

A ideia de ter tempo para ter uma discussão liberal, sob a regência da lei – e ainda menos “perder” tempo a ser educado sobre ela – não é exactamente o prato do dia.

Como é que isto pode ser feito hoje em dia, quando o mundo globalizado divide as responsabilidades e quando as democracias liberais já não são vistas como a melhor maneira de lidar com desigualdades exacerbantes?

Por fim, o que eu retiro do seu último capítulo é que a saída disto é infundir nobreza (alguns diriam uma disposição aristocrática) no espírito democrático em declínio: mas isto é problemático. Isto implica reconhecer que alguns deviam ser treinados numa educação liberal de forma meritocrática, que fé em tal nova geração de líderes geraria uma forma de deferência igualitária, e que essa imper- feição deveria ser aceite como uma jornada a caminho de uma solução.

Isto também pressupõe o espírito Con- tinental da liberdade – que é muito mais racionalmente planeado e utopista – precisa de se adaptar a tal maneira de pensar.

E questiono-me acerca do que fazer do Brexit?

Por fim, e esta é a minha última questão, pode a “constituição” continental dos povos aceitar tal mudança, não estando esta nem na sua natureza nem na sua história? Não é – como eu e certamente muitos outros dos presentes – um alien liberal no lado errado do canal, ou no lado errado do Atlântico?


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