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Edmund Burke A virtude da consistência


Edmund Burke A virtude da consistência

Na história do pensamento político existe aquilo a que se convencionou chamar “o problema dos dois Burkes”.

João Pereira Coutinho
Edmund Burke
A virtude da
consistência
Universidade Católica
Editora, 2017

João Pereira Coutinho João Pereira Coutinho

Professor IEP-UCP; Cronista, Folha de São Paulo

O presente ensaio retoma argumentos já tratados na tese de doutoramento defendida no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa em 2008 e aprofundados durante a minha estadia como Academic Visitor no St. Antony’s College da Universidade de Oxford em 2014-15. Uma versão preliminar deste estudo foi apresentada no European Studies Centre do mesmo colégio a 11 de Março de 2015.

Na história do pen- samento político existe aquilo a que se conven- cionou chamar “o problema dos dois Burkes”. Esse problema consiste em saber se Edmund Burke (1730 – 1797), como parlamentar e pensador político, revela uma coerência teórica ao longo da sua vida pública; ou se, pelo contrário, Burke seria um mero “utilitarista” (no sentido prosaico do termo), limitando-se a reagir aos acontecimentos do seu tempo sem radicar as suas posições numa particular filosofia política intemporal.

Esta questão adquire uma especial importância quando nos ocupamos de Reflections on the Revolution in France (1790)1, o poderoso tratado contra a Revolução de 1789 e que inaugurou, pelo menos na cultura política anglo-saxónica, uma tradição conservadora moderna. Aos olhos dos seus críticos, o desafio passava por saber como seria possível conciliar o opositor da Revolução Francesa com o mesmo Burke que, anos antes, apoiara a causa independentista americana. Se a Revolução Francesa se fizera em nome da liberdade e contra o absolutismo régio, não estaria Burke, um perene defensor da liberdade, no lado errado das barricadas?

Joseph Priestley constitui apenas um exemplo dessa desilusão face à atitude anti-revolucionária de Burke. “Que um declarado amigo da Revolução Americana fosse um inimigo da Francesa”, escreve o autor, “é para mim inexplicável.”2 Para Priestley, a posição de Burke era tanto mais incompreensível quanto a Revolu- ção Francesa não apenas partilharia os mesmos princípios da Revolução Ameri- cana como, mais importante ainda, fora impulsionada por esta.3

A atitude de Burke constituia, assim, uma traição – ou, no mínimo, uma imper- doável incoerência intelectual. Para muitos dos seus críticos, e usando as palavras de Gertrude Himmelfarb, passavam a existir dois Burkes, não apenas um: “o Burke pró-americano e o Burke anti-francês”4. O primeiro capaz de compreender e aplaudir “as virtudes ‘suaves’ do Speech on Conciliation – liberdade, compromisso, tolerância religiosa”. E o segundo, tomado pelas “virtudes desagradáveis” da “autori- dade, tradição, instituição religiosa”.5 No fundo, e como resumiu John Morley para caricaturar “o problema dos dois Burkes”, o revolucionário de 1770 era agora o re- accionário de 1790.6

Edmund Burke A virtude da consistência Aos olhos dos seus críticos, o desafio passava por saber como seria possível conciliar o opositor da Revolução Francesa com o mesmo Burke que, anos antes, apoiara a causa independentista americana

GUIA DE LEITURAS
1 A titulatura completa da obra é Reflections on the Revolution in France, and on The Proceedings in Certain Societies in London Relative to that Event (1790). Neste ensaio passaremos a designá-la, apenas, como Reflections on the Revolution in France. (Burke, «Reflections on the Revolution in France,» in Works, 3: 231-563.)
2 J. Priestley, Letters to Burke, 1791 (Washington, D.C.: Woodstock Books, 1997), p. iv.
3 Ibid.
4 G. Himmelfarb, The Roads to Modernity: The British, French, and American Enlightenments (New York: Alfred A. Knopf, 2004), p. 84.
5 Ibid.
6 J. Morley, Edmund Burke: A Historical Study (London: Macmillan, 1867), p. 54.


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