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Conquistadores - Lembrança necessária


Conquistadores - Lembrança necessária

Roger Crowley (1951) é um historiador britânico, de Cambridge, experimentado na história das expedições marítimas, tendo escrito obras importantes sobre o Mediterrâneo, sobre a queda de Constantinopla de 1453, sobre Veneza e sobre os Impérios do Mar.

Roger Crowley
Conquistadores - Como Portugal criou o Primeiro Império Global
Editorial Presença, 2016

Guilherme d’Oliveira Martins

Membro do Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian.
Membro do Conselho Editorial de Nova Cidadania

Conquistadores - Lembrança necessária A divulgação histórica tem sido uma tarefa desempenhada com sucesso por Crowley, sobretudo, porque procura basear-se na leitura da melhor bibliografia e no conhecimento dos fatores relevantes. Mais do que a originalidade na investigação, o motivo do sucesso das suas obras deve-se a uma ligação inteligente de elementos, que são apresentados ao público com clareza e vivacidade. Ora, acaba de ser dada à estampa a tradução portuguesa do livro «Conquistadores – Como Portugal criou a Primeiro Império Global», lançado em língua inglesa no ano passado e agora publicado em português (Editorial Presença, 2016 - com tradução de Jorge Freire e revisão técnica de José Manuel Garcia).

O autor começa por referir como é bastante desconhecida no mundo a gesta marítima dos portugueses, ao contrário do que acontece, por exemplo, com Cristóvão Colombo. A partir daí, Roger Crowley procura, numa narrativa escorreita, bem documentada e com um ritmo muito atraente, contar como Portugal pôde construir um grande império marítimo, dando mesmo origem à primeira globalização económica. Com a descoberta do caminho marítimo para a Índia, Vasco da Gama abre novos horizontes nas relações entre continentes e no conhecimento do planeta Terra. E a verdade é que o autor do livro confessa, na prática, que ele próprio ficou surpreendido com o alcance de uma ação conjugada, que não poderia ter sido possível sem um grande rigor científico, sem uma tecnologia apurada e sem uma vontade determinada da governação de Portugal e o empenhamento dos portugueses. «Durante a exploração (diz o autor), os portugueses iniciaram infindáveis interações mundiais, tanto benignas como malignas. Trouxeram armas de fogo e pão para o Japão e astrolábios e feijão-verde para a China, escravos africanos para as Américas, chá para Inglaterra, pimenta para o Novo Mundo, seda chinesa e medicamentos indianos para todo o continente europeu e um elefante para o Papa. Pela primeira vez, os povos de lados opostos do planeta puderam ver-se, tornando-se alvo de descrições e de espanto. Pintores japoneses representaram estes visitantes estranhos em imagens, usando calças de balão enormes e chapéus coloridos»… O escritor refere no início e no fim da sua obra dois aspetos singulares. Por um lado, lembra, que durante trinta anos, no início do século XV, o imperador chinês Yongle, da recém-estabelecida dinastia Ming, enviara armadas pelos mares ocidentais, apenas para afirmar o poder do Império do Meio. As expedições foram seis em vida de Yongle e sete entre 1431 e 1433. Não houve tentativas de ocupação militar nem empreendimentos económicos, apenas uma afirmação de poder e influência. Em 1433, na sétima expedição, Zheng He, o mítico almirante muçulmano, morreu, talvez em Calecute, na costa da Índia e depois da sua morte as «jangadas estelares» não voltaram a navegar. A orientação política no Império da China mudara e, em lugar da abertura ao mundo, prevaleceu o isolamento e foi reforçada a Grande Muralha. «As viagens marítimas foram banidas e os registos destas destruídos». Neste primeiro caso, dá o autor nota de que aquilo que os portugueses fizeram ao abrir caminho para o conhecimento do planeta, poderia ter acontecido a partir da China. E a verdade é que os navios de Vasco da Gama caberiam num só dos juncos magnificentes de Zheng He. O segundo ponto que merece destaque é a nota final, algo irónica, em que Crowley refere o sucesso dos «Pastéis de Belém» nos dias de hoje. A esse propósito, estando em causa um lugar de atração em Lisboa para milhares de turistas, que vêm à praia de onde Vasco da Gama partiu e ao monumento que invoca esse momento único e heroico – os Jerónimos -, o escritor refere esse exemplo culinário como um verdadeiro símbolo do que foi a importante gesta dos «Conquistadores»: «as multidões acorrem aí para provar a sua especialidade, os pastéis de Belém (...). Comem-se salpicados de canela, acompanhados por café escuro como pez. Canela, açúcar, café: os sabores do mundo que ali chegaram em veleiros».

A obra agora traduzida em português é destinada essencialmente a quem esteja longe do conhecimento do grande tema da obra magna do épico Luís de Camões. Nesse sentido, revela-se de grande pertinência. No entanto, também o público português ganha em ler, uma vez que se trata de um relato da autoria de alguém que tem estudado a história marítima do mundo e que, por isso, está em condições de abrir pistas para a compreensão da complexidade de uma gesta como aquela que os portugueses protagonizaram. E a leitura atenta da narração permite compreender-se que tudo só foi possível graças a uma convergência de fatores de vária índole – económicos, políticos, sociais, culturais e tecnológicos. Nada dependeu de um mero acaso ou de uma qualquer improvisação. Houve informação, conhecimento, ponderação, planeamento, determinação e convergência de esforços – e houve ainda dificuldades a superar, carência de recursos, efeitos de uma profunda crise e ecos da tremenda peste negra… «O destino e a sorte de Portugal foram não ter acesso ao Mediterrâneo, a arena movimentada do comércio e troca de ideias. Na orla da Europa e periféricos ao Renascimento, os portugueses podiam apenas olhar invejosamente para a riqueza de cidades como Veneza e Génova, que tinham assumido posições dominantes no mercado dos bens de luxo vindos do Oriente: especiarias, seda e pérolas, comerciando com as cidades islâmicas de Alexandria e Damasco e vendendo os produtos a preços monopolistas. Portugal, porém, estava virado para o mar». Roger Crowley vai conduzir os seus leitores a partir dessa singular circunstância – uma costa marítima aberta e um modo novo de pensar, que Jaime Cortesão liga aos fatores democráticos e ao franciscanismo… A parte I trata do reconhecimento, ou seja, da identificação da rota marítima para as Índias. A parte II fala-nos de um conflito que envolve os monopólios do comércio mundial e a guerra santa. A parte III refere-se à conquista, invocando o «Leão dos Mares » - é Afonso de Albuquerque de quem aqui se fala, como figura contraditória, portadora de uma vontade férrea e de uma visão estratégica fundamental. Aqui notam-se as contradições políticas do reino. D. Manuel terá tido consciência do que estava em causa -. Entre a lógica nacional e a descentralização mercantil. Goa, Ormuz e Malaca são centros cruciais, que Albuquerque define… E há um sonho providencial, que se vai desvanecer perante a distância e a ilusão dos ganhos fáceis dos «fumos da Índia». Uma história de claros e escuros a merecer atenção prospetiva!


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