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Portugal, a Europa e o Atlântico


 

Portugal, a Europa e o Atlântico

 

Este livro de João Carlos Espada é uma importante chamada de atenção para a encruzilhada em que se encontra a Europa, e para as opções que nos próximos tempos vai ter que tomar.

João Carlos Espada
Portugal, a Europa e o Atlântico

Alêtheia, Lisboa, 2014

por Manuel Braga da Cruz Manuel Braga da Cruz

Professor Catedrático e antigo Reitor (2000-2012) da Universidade Católica Portuguesa

AEuropa tem sido construída demasiadamente a partir de cima, por um processo conduzido pelas suas elites, sem correspondente acompanhamento e consentimento dos seus cidadãos que, ou se vão distanciando desinteressadamente das suas instituições, de que a grande abstenção nas eleições europeias é sintoma, ou vão exprimindo criticamente a sua decepção ou descontentamento por diversos modos.

Existe reconhecidamente um défice democrático na Europa, traduzido no afastamento desinteressado ou no cepticismo manifestado por grandes franjas da sua população.

Por outro lado, a Europa parece não ser capaz de dar resposta rápida e eficiente a problemas que se lhe vão pondo, uns de natureza económico-financeira, outros de índole geoestratégica, como ficou demonstrado com a crise do euro e, mais recentemente, com a anexação russa da Crimeia.

A Europa debate-se com a velha dicotomia da legitimidade e da eficácia, dependendo também aqui uma da outra. Perante esta situação, insistem uns, mais voluntaristas, no aprofundamento do processo de integração, avançando para mais Europa, ou seja, aumentando o processo de centralização comunitária, e preconizando a federalização acelerada dos Estados-membros, enquanto outros, mais pessimistas, vão clamando pela saída da moeda única, pelo regresso ao simples mercado comum, e pelo próprio fim da União Política instituída pelo Tratado de Maastricht.

Ao mesmo tempo, em matéria de alargamento, uns insistem na continuação do processo de extensão da União a novos membros, sem cuidar de definir os contornos do alargamento, enquanto outros vão defendendo abertamente a saída da União Política.

A Europa precisa de se repensar a si própria, para saber que caminho encetar, adquirindo consciência mais aguda dos contornos e limites do seu crescimento, e dos objectivos possíveis da sua integração.

A Europa é um conjunto de Estados- Nações, cuja história e memória não são apagáveis, bem como a diversidade geoestratégica que traduzem, e os diferentes interesses que preconizam. A Europa não se faz à força, com avanços sem recuo impostos às suas populações, sem a sua audição nem consentimento. A Europa não pode ambicionar tornar-se num Estado supranacional, com chefia própria, subordinando e sacrificando a esse desígnio a variedade de nações estadualizadas, com as suas diferentes tradições, identidades e culturas, não sendo a uniformização política, social e cultural da Europa exigida nem recomendada pela sua integração.

A Europa é, ela própria, feita de uma diversidade, que constitui a sua riqueza e valor, e que não deve, por isso mesmo, pretender ser varrida ou substituída por um uniformismo redutor. O projecto europeu é um mosaico de povos e países, de culturas e línguas, de raízes e histórias, que só ganha em ser defendido e promovido.

A Europa contém em si variadas dinâmicas geo-estratégicas, que não devem ser eliminadas nem reduzidas. A Europa atlântica e a Europa continental, a Europa nórdica ou báltica e a Europa mediterrânica, têm desiguais pulsões estratégicas, que não são incompatíveis mas complementares. Nem todos os países da União são europeus da mesma maneira. Há várias maneiras de ser europeu.

Faz bem por isso, João Carlos Espada, em sublinhar a indispensabilidade do pluralismo para o futuro da Europa, e em avisar que as pretensões monistas para a Europa acabarão por destrui-la. Querer impor um modelo uniforme à Europa, significará a sua desagregação. A diversidade e o pluralismo são condições necessárias da sua integração. O Estado-Nação que configura, em graus diferentes mas muito difusamente, os vários Estadosmembros da Europa, não está destinado a desaparecer, nem deve ser desprezado, mas antes encarado como elemento fundamental de uma construção organizada da Europa, fundada na subsidiariedade.

Quer isto assim dizer que não precisamos de abdicar da nossa singularidade e identidade, para sermos europeus, não temos que renunciar à nossa nacionalidade para sermos cidadãos da Europa. Somos portadores de tradições diferentes, de culturas e passados variados, que não precisam de ser diluídos nem substituídos para sermos europeus.

A Europa não deve impor o reducionismo da diversidade a uma uniformidade. A Europa é feita de cooperação e não de conflito, mas essa cooperação pressupõe pluralismo

O que tem feito a Europa, por cima desta diversidade plural, é um conjunto de valores políticos, que consubstanciam a democracia liberal e o Estado Direito, traduzidos nos vários Estados membros.

A Europa não deve impor o reducionismo da diversidade a uma uniformidade. A Europa é feita de cooperação e não de conflito, mas essa cooperação pressupõe pluralismo.

Da mesma maneira, a razão de ser da cooperação é o desenvolvimento de todos e do conjunto, de forma sustentada. Ora a moeda única não deve igualmente ser imposta a todos, nem deve ser transformada em condição de participação no processo de construção da unidade europeia. A integração europeia está longe de se identificar com uma única moeda, antes deve admitir a possibilidade de várias situações e soluções monetárias, coexistindo entre si. O euro não deve ser factor de divisão mas sim de unidade. O que significa que a urgência de unidade antecede a uniformidade monetária. Uma moeda única exige um único centro de decisão política, sobretudo para a política monetária e para a política fiscal e orçamental. Ora a Europa não deve centralizar-se nem uniformizar- se a esse ponto.

Tal como o projecto europeu está longe de se equacionar em termos de alternativa à opção atlântica. O diálogo atlântico não é incompatível com o diálogo europeu.

Portugal é uma porta atlântica da Europa, e não tem que renunciar a nenhum dos lados de abertura dessa porta. Durante séculos fomos a cara da Europa pelo mundo que descobrimos. Levámos a Europa, de que éramos parte, aos quatro cantos do mundo. E trouxemos o mundo novo à Europa. Nunca tivemos que abdicar do mar para sermos europeus, nem abdicámos de ser europeus para sermos marítimos e marinheiros. No entanto, o atlântico configura-nos especificamente como europeus. Pertencemos à Europa Atlântica e, como tal, estamos vocacionados para desempenhar no interior da Europa, uma especial missão. O rosto com que a Europa fita o mundo é Portugal, na expressão conhecida de Fernando Pessoa. A Europa, ao longo de séculos falou português pelo mundo. A nossa maneira de ser europeu é atlântica, como a de outros será continental, ou mediterrânica, ou báltica.

Não há pois alternativa irredutível entre a opção europeia e a opção lusófona. Somos uma perspectiva europeia para os nossos parceiros da CPLP, e uma dimensão lusófona para os nossos parceiros europeus. Os vários desafios que se colocam à continuação da construção europeia devem ser perspectivados a esta ideia básica de que não há um povo, mas povos europeus, de que não há um Estado europeu, mas vários Estados europeus, de que não há uma geo-estratégia europeia, mas várias geo-estratégias coexistentes e complementares na Europa, cuja unidade não é confundível com a uniformidade mas com a diversidade que fomos no passado e que queremos continuar a ser no futuro. O que nos une é, isso sim, uma identidade comum, feita de valores, de tradições históricas e culturais, onde o cristianismo ocupa um lugar incontornável, e onde pode e deve continuar a ser uma fonte inspiradora e distintiva.

Os textos de João Carlos Espada aqui reunidos ajudam seguramente a compreendê- lo melhor.


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