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Nem Todos Somos Keynesianos


The Guide to Reform

Num tempo em que se fala da quase inevitabilidade de o Estado regressar em força ao centro da economia, este livro recorda como foi longo, difícil mas bem sucedido o caminho das reformaseconómicas das últimas décadas.

The Guide to Reform - How policymakers can pursue real change, achieve great results and win re-election
Johnny Munkhammar

Timbro, Estocolmo, 2007

POR HENRIQUE BURNAY

Consultor em Assuntos Europeus e Mestrando no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica POrtuguesa

Apesar de ter sido escrito em 2007, a leitura deste livro de Johnny Munkhammar faz hoje mais sentido e mais falta. Numa altura em que o discurso keynesiano se volta a impor no debate público, quando quase parece não haver alternativas à ideia do regresso do Estado à economia, é tempo de ler um improvável autor europeu - escandinavo, mais precisamente - e recordar porque razão é que as soluções estatizantes não foram, nem serão, um sucesso. E porque razão foram necessárias algumas décadas para reformar as economias, depois do estatismo que o keynesianismo da primeira metade do século passado impôs e generalizou durante muitos anos. Como Munkhammar recorda, Nixon chegou a afi rmar que “agora somos todos keynesianos”. Não somos, responde Munkhammar, e essa é a primeira virtude desta sua obra. A outra está em não ser exactamente aquilo que o título promete.

A ideia de um “guia das reformas” é, como a leitura do próprio livro acabará por revelar, um contra-senso, apesar de haver uma ideia central e unifi cadora nesta obra: a ideia de que pelo mundo fora são necessárias reformas que abram os mercados, agilizem os procedimentos, respeitem e promovam a propriedade privada, facilitem o empreendedorismo, libertem as forças criativas, assegurem as liberdades e, de um modo geral, fortaleçam o mercado, o capitalismo e o Estado de Direito. Ainda assim, Portugal e a Nova Zelândia não necessitam das mesmas reformas, Espanha e o Brasil não têm os mesmos problemas, a História, as tradições e a cultura dos Estados Unidos e da Hungria não se coadunam com soluções idênticas. Nem no conteúdo, nem sequer na abordagem, pelo que o livro de Munkhammar é muito mais um estímulo ou, mais exactamente, um argumentário, do que um guia para reformistas. E nos tempos que chegaram com a crise financeira, isso é mais importante.

Para quem creia que o aparente unanimismo keynesiano é indesejável tanto por aquilo que afirma (o próprio keynesianismo) como por aquilo que impede de ser dito (o unanimismo), a leitura desta obra, enquanto exercício de memória do esforço reformista das últimas décadas e dos resultados alcançados, é um verdadeiro argumentário em defesa das reformas empreendidas desde a década de setenta em diante. Em vez de sugerir uma profi ssão de fé no mercado, na iniciativa privada e na desregulação, Johnny Munkhammar recorda-nos o caminho seguido por países tão diferentes como Espanha e a Nova Zelândia, o Reino Unido de Thatcher e a Islândia, e os resultados alcançados. Um exercício necessário quando o único resultado presente no debate político actual parece ser a crise financeira e a necessidade de socorro da economia privada, em especial do sistema financeiro, pelo Estado. Pelo meio perde-se a memória do quanto melhorámos nas últimas décadas. E do porquê dessa evolução. É desse percurso que Munkhammar nos fala.

O que Munkhammar diz é o que Hayek e outros já disseram: “uma sociedade livre leva a um desenvolvimento espontâneo cujo resultado não pode nunca ser previsto”. Mas tem sido claramente positivo; “a maioria das pessoas vive hoje melhor do que os reis da Idade Média”. E tal acontece quando se permite o tal desenvolvimento espontâneo que apenas as sociedades livres asseguram. É este o pressuposto de A Guide to Reform. O problema desta evidência, no entanto, argumenta Munkhammar, é que este progresso “exige mudança, e a mudança tem sempre muitos inimigos”. Daí a necessidade de reformas. “Reformar é deitar abaixo barreiras à mudança e ao progresso”. Note-se que, como seria de esperar, Munkhammar não cai no erro de confundir a necessidade de reformar para permitir a mudança e o progresso com a mudança planeada, central e dirigida. Entre libertar a capacidade de inovar e impor mudanças a partir do centro, há uma enorme diferença que Munkhammar não ignora nem confunde.

Por ter sido escrito antes da actual crise financeira, o livro de Munkhammar tem a virtude de não se perder na discussão da mera actualidade. Pelo contrário, ao procurar as linhas constantes das últimas décadas, ao recordar os enormes avanços em termos de qualidade de vida das populações dos países que empreenderam a via das reformas, Munkhammar é ainda mais actual. Por um lado, porque nos recorda aquilo que foram os bons resultados alcançados e agora obnubilados em muitos debates. Por outro lado, aquilo que afirma pode, e deve, ser confrontado com a realidade e, desse modo, melhor avaliado.

Regressando ao Livro, Munkhammar recorda o enorme progresso a que assistimos nas últimas décadas, citando diversas obras e estatísticas disponíveis que permitem contrariar muitas das ideias feitas sobre o percurso percorrido. “A percentagem da população mundial que vive com um dólar por dia, ou menos, caiu de 40,4% em 1918, para 18,4% em 2004”. Em termos absolutos são cerca de 500 milhões menos, recorda Munkhammar. E este processo tende a manter-se. Segundo um estudo da PricewaterhouseCoopers citado por Munkhammar, a economia do G7 é hoje 25% maior do que a do E7 (o conjunto das economias emergentes). Mas, segundo esse estudo, em 2050 o E7 será 75% maior do que o G7. A isto se chama, com propriedade, globalização. Outro dado que Munkhammar recorda prova como as sociedades estão mais heterogéneas e não menos. A globalização não nos tornou todos iguais, apenas nos deu a todos mais oportunidades idênticas, o que é substancialmente diferente. Outras falsas verdades, sobre igualdade, despesa pública, saúde ou emprego são reveladas (ou recordadas) por Munkhammar antes daquele que é o capítulo central do livro: a evocação do processo reformista levado a cabo por diversos países da OCDE ao longo das últimas décadas (quase sempre na senda do do impulso das reformas de Margaret Thatcher ainda na década da setenta).

 Nem Todos Somos Keynesianos

O reformismo no sentido da abertura dos mercados, da promoção da livre iniciativa e da libertação das forças criativas tem valido a pena mas ainda tem um longo caminho a percorrer.

Os caminhos seguidos pela Irlanda, Austrália, pelos países ex-comunistas da Europa central e de leste (em particular a Estónia), pela Islândia, Dinamarca, Espanha, Reino Unido, Nova Zelândia, Suiça e Suécia são recordados, destacadas as suas principais reformas, os resultados alcançados e, central para o argumento do livro, sublinhadas as ideias-chave deste “guia”: as reformas tanto são desencadeadas por governos de esquerda como de direita; apesar da oposição que inicialmente geram, uma vez lançadas, raramente voltam atrás ou são desfeitas pelos governos subsequentes; a maioria dos governos que desencadeou reformas foi reeleita, provando que se pode reformar contra os interesses e ainda assim obter o apoio do eleitorado; tanto se podem reformar grandes como pequenos países, países já desenvolvidos e países em fases incipientes de desenvolvimento, países regionalizados ou com regimes mais centralistas. Em suma, há sempre espaço para introduzir reformas, as reformas nunca são iguais e nunca se lançam, executam ou desenvolvem da mesma forma. No entanto, têm algumas características comuns: uma vez lançada uma reforma com sucesso é mais provável que outras se sigam; as reformas no comércio, impostos, macroeconomia e mercados de produtos têm sido mais profundas. E há sempre espaço para melhorar o ambiente económico de todos os países. No fundo é essa a ideia central: o reformismo no sentido da abertura dos mercados, da promoção da livre iniciativa e da libertação das forças criativas tem valido a pena mas ainda tem um longo caminho a percorrer. Uma ideia que faz falta nos dias que correm.


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