É quase tão extraordinário como tudo o que sabemos de Winston Churchill, que sobre uma figura tão inspiradora, apaixonante e controversa, não se tenha escrito praticamente nada sobre as suas ideias políticas |
|
Teoria Política de Winston Churchill: Duas Mudanças de Partido e o problema da Consistência Política |
Alumnus IEP, Mestre, IEP-UCP
Permitam-me tecer algumas palavras sobre este livro que apresento intitulado “Teoria Política de Winston Churchill: Duas Mudanças de Partido e o problema da Consistência Política”, Na altura esta tese nasceu do desejo de conhecer melhor esta personalidade incontornável da História do século XX, que todos conhecem como um dos maiores políticos britânicos, mais amplamente citados, cujas palavras e ações estiveram na base de muitos livros e documentários. Porém, é quase tão extraordinário como tudo o que sabemos de Winston Churchill, que sobre uma figura tão inspiradora, apaixonante e controversa, não se tenha escrito praticamente nada sobre as suas ideias políticas. O facto, de existirem muito poucos ou apenas um título que busca conhecer a sua filosofia política aguçou, ainda mais, a minha vontade e reforçou a ideia de que esta tese seria pertinente e poderia acrescentar algo ao estudo da teoria política de Winston Churchill.
É claro que à partida sabia que seria um trabalho árduo, visto tratar-se de uma figura tão incontornável quanto polémica, acusado de ter sido um liberal radical, por uns, e um conservador reacionário, por outros, com um grande legado escrito onde, em nenhuma das 43 obras, se encontra uma sistematização das suas ideias, e por fim, porque um estudo objetivo e imparcial de uma vida tão apaixonante poderia tornar-se uma tarefa bastante arriscada.
Não optei por estudar o período da vida de Winston Churchill que à primeira vista pareceria o mais rico em termos políticos, os anos de 1940 a 1945, quando foi primeiro-ministro, uma vez que, estes foram também os anos da 2ª Guerra mundial. E uma guerra é sempre um momento critico, de emergência, de extremos que apenas nos daria uma leitura enviesada ou parcial das suas ideias políticas que teriam, possivelmente, mais enfoque no que atacava e em medidas de emergência política. Seria apesar de tudo um período menos interessante do ponto de vista do estudo das suas ideias políticas.
Assim optei por estudar os períodos em torno das suas duas mudanças de partido, em 1904 e 1924, por se tratarem de momentos-chave na vida de um político, sobretudo de um político britânico, e por considerar que as suas palavras e ações nesses momentos, poderiam mais facilmente fazer-me chegar ao que Churchill defendia e atacava, àquilo que ele não permitia que lhe fosse tirado e àquilo com o qual ele jamais compactuaria.
Desta forma a pergunta que encabeçou este estudo foi a de saber se seria possível encontrar princípios políticos consistentes que tenham orientado a ação política de Winston Churchill e que, simultaneamente, expliquem as duas mudanças de partido.
Assim, com este estudo pretendia, em primeiro lugar, compreender as razões que o levaram a mudar duas vezes de partido, depois, identificar princípios e ideias políticas que Churchill defendeu nesses períodos tão importantes para compreender o seu pensamento político. Por fim, perceber se esses princípios orientadores da ação eram os mesmos ou se eram pelo menos compatíveis e consistentes com a decisão de mudança de partido. Estes constituem precisamente os três níveis de análise desta tese. O estudo das mudanças foi utilizado como uma fonte de análise das razões, causas e ideias pelas quais Churchill lutou nesses períodos, mas por outro lado, também teve a dupla função de testar ou de pôr à prova a sua consistência, após a confrontação das várias razões ou princípios encontrados anteriormente.
Diferentes momentos de estudo poderiam ter sido escolhidos, como já referi, numa longa vida de 91 anos dos quais 55 foram passados enquanto parlamentar. Diferentes abordagens de estudo poderiam ter sido escolhidas. Gostaria apenas de referir porque não optei por fazer um estudo baseado na discussão se Churchill foi Liberal ou Conservador. Talvez fosse mais desejável e apelativo, mas também mais erróneo, em primeiro lugar porque o que estaria no centro do estudo seria a história parlamentar britânica, os conceitos de Conservador e Liberal, mas também os de Whig e Tory, e não propriamente a ideias políticas de Winston Churchill. A acrescentar a isto, trabalhar dentro de enquadramentos pré-definidos, se pode simplificar o estudo, pode também dificultar una análise profunda e exata, pois o objetivo passa a ser o de encaixar as ideias em enquadramentos, de as rotular, de lhes dar um nome em vez de as conhecer em verdade.
Começando pelas razões que levaram Churchill a mudar de partido em 1904, a principal e inegável é a defesa do comércio livre despoletada, claramente, pela introdução de uma visão protecionista no Partido Conservador. Esta defesa acérrima do comércio livre baseava-se em argumentos de eficiência, liberdade, de boas relações internacionais, mas também de preservação da tradição Britânica. A esta questão fundamental juntam-se outras como a luta contra o aumento da despesa com o exército e a defesa da liberdade individual, quer na Guerra dos Bóeres, quer nas suas crescentes preocupações sociais.
Na segunda mudança de partido, em 1924, é muito interessante que a defesa do comércio livre apareça novamente encabeçada por Churchill quando os Conservadores planeavam a reintrodução do protecionismo, ideia que depois abandonaram. Porém, a razão que o fez voltar ao Partido Conservador, foi somente a luta contra o Socialismo, ou melhor, a decisão do Partido Liberal de se coligar com o Partido Trabalhista para formar governo. Churchill desde os seus primeiros dias no Partido Liberal distinguiu sempre fervorosamente o Liberalismo e o Socialismo e, jamais, pactuaria com uma tal ameaça à liberdade individual, aos valores e à tradição britânica.
Em 1904, o Partido Conservador queria introduzir o protecionismo e aumentar a despesa com o exército, quebrando uma tradição de uma Inglaterra forte, mas pacificadora e benevolente assente em valores de moderação e contenção na sua economia. Churchill encontrou nos Liberais, sobretudo nos Liberais Imperialistas, a vontade de preservar essa ideia da antiga Inglaterra, de defender e promover a liberdade individual através de uma política social mais ativa que trabalhasse para a clara e real melhoria das condições de vida dos cidadãos Britânicos. Churchill chegou mesmo a afirmar que o programa Liberal de 1904 continha tudo aquilo em que um Conservador Democrata acreditava.
Em 1922, o sistema de partidos britânico sofre grandes alterações, com o Partido Trabalhista como segundo maior partido. O sistema bipartidário parece ameaçado e o equilíbrio passa a ser determinado por Conservadores e Trabalhistas. Em 1923 os Conservadores perdem a maioria e uma coligação de Trabalhistas e Liberais bastou para formar o primeiro governo trabalhista britânico. Churchill denunciava publicamente o socialismo desde 1906, era a principal voz na luta contra a tirania e jamais compactuaria com o Governo soviético da Rússia.
Em ambas as mudanças, Churchill começou por tentar sempre uma solução intermédia, como a criação de um novo partido, de uma coligação Liberal-Conservadora, ou a adoção pelo Partido Conservador de princípios liberais. É muitíssimo interessante observar que antes da mudança de partido, pelas duas vezes, Churchill tentou primeiro encontrar uma solução de compromisso.
Em 1904, ainda sob a memória do seu pai, esteve muito presente a ideia de uma ala democrática ou progressista no partido Conservador, da criação gradual de um partido de centro reunindo conservadores e liberais, de uma coligação de centro que infundisse e restaurasse no Partido Conservador o seu espírito liberal.
Em 1922-24, essa opção é ainda muito mais latente. Foi em 1922 um acérrimo defensor da continuidade da coligação existente desde 1915, como única forma de defender o comércio e de lutar contra o Comunismo e Socialismo. De novo, em 1923 depois das eleições gerais convocadas pelo Partido Conservador para reunir o partido sob a bandeira do protecionismo, este acaba por perder a maioria e Churchill advoga a coligação de Liberais e Conservadores numa aliança antissocialista. Já durante o ano de 1924 ansiou por um Partido Conservador com uma ala liberal, que se concretizaria na incorporação da preocupação social com os mais pobres, doentes, sem-abrigos e desempregados.
Winston Churchill condenou quer o Partido Liberal quer o Partido Conservador por terem tantas vezes mudado as suas políticas. Como afirmou em 1924 conhecia já 7 posições diferentes do Partido Conservador em relação à reforma aduaneira. Relativamente ao Partido Liberal, acusou-o de obrigar e empurrar liberais convictos como ele para os conservadores para lutarem contra uma emergência nacional, que os próprios líderes liberais tinham causado, a instauração do primeiro governo trabalhista.
A ideia que esteve sempre presente no pensamento de Winston Churchill foi a de juntar os princípios liberais do comércio livre, da liberdade individual e da preocupação social com os mais carenciados com o sentido Conservador da preservação do legado das instituições e tradições Britânicas e da luta contra qualquer ameaça ideológica, revolucionária e tirânica a essa herança.
É, portanto, possível afirmar com toda a certeza que Churchill foi consistente com os seus princípios ao mudar duas vezes de partido, nunca tendo negado ou entrado em conflito com as suas ideias anteriores. Mais, inconsistente teria sido se permanecesse nos partidos enquanto estes mudavam os seus programas, se permanecesse estático à mudança dos acontecimentos, se permanecesse Conservador ou Liberal enquanto estas próprias conceções se alterassem.
Por último, é possível encontrar uma teoria política, mesmo que pouco ou nada sistematizada, mas com princípios fortes e imutáveis ao longo do tempo.
No topo dos princípios defendidos por Winston Churchill, encontramos claramente, a liberdade individual. Daqui emerge todo o seu pensamento político, ora, por um lado, o que preserva essa liberdade, todos os restantes princípios, práticas e tradições, ora o que a ameaça e contra o qual Churchill lutou toda a sua vida.
Desta forma a tradição Britânica foi para Winston Churchill a que melhor soube preservar a liberdade e fez da Grã-Bretanha a nação mais livre de sempre. Aqui inclui-se o comércio livre, a iniciativa privada, o capitalismo, mas também todo o enquadramento político, a monarquia constitucional, o parlamentarismo e o império da lei. Churchill tinha um gosto especial pela liberdade de opinião e expressão de que dependem uma vida partidária saudável e uma imprensa livre, além de ser uma ferramenta importante contra a tirania ao permitir criticar os governantes. O Parlamento, sobretudo a Câmara dos Comuns constituía um reservatório da tradição britânica e era o expoente máximo da manifestação da liberdade de expressão e de opinião, além de ser o maior e melhor defensor da liberdade individual, essencial em qualquer sociedade livre. No fundo, Churchill defendia todas as práticas e instituições criadas, gradual e progressivamente, como repositório da tradição ocidental dos povos de língua inglesa, que pretendiam, num só princípio, preservar a liberdade individual.
Acrescentada a esta visão esteve sempre presente também a necessidade e a desejabilidade de uma política social dinâmica e ativa que permitisse aumentar a expressão real da liberdade e da dignidade humana. Segundo Churchill o estado moderno tinha a obrigação de ajudar os mais necessitados, por um lado, porque o próprio estado era o responsável por gerar situações de pobreza e miséria devido às características da concorrência independentes dos indivíduos e, por outro, porque o estado possuía todos os meios para fazer frente à situação da pobreza.
Churchill defendia todas as práticas e instituições criadas, gradual e progressivamente, como repositório da tradição ocidental dos povos de língua inglesa
É muito interessante verificar que os primeiros discursos que proferiu advogando a necessidade de uma reforma social, de uma maior intervenção estatal, foram também os primeiros em que sentiu a necessidade de explicar a extrema importância de preservar a concorrência e a iniciativa privada.
É precisamente logo em 1906 no primeiro discurso em que defendeu uma intervenção estatal na criação de emprego e na criação de um sistema social de proteção social, que afirmou também que a livre concorrência era indissociável da existência de um sistema de proteção. Churchill neste campo sempre lutou pela existência de padrões mínimos de vida e trabalho que progressivamente fossem elevados. Padrões mínimos que possibilitassem a vida digna abaixo da qual ninguém vivesse, que servisse para mitigar as consequências do fracasso que resultassem naturalmente da livre concorrência extremamente necessária. Porém acima dessa linha ninguém devia interferir para impedir a livre concorrência de funcionar pois estava consciente dos perigos de uma intervenção excessiva para os instrumentos descentralizados como o mercado mas sobretudo para a própria liberdade individual.
Do outro lado, encontramos o ataque de Churchill a tudo o que poderia ameaçar a preservação desta liberdade e, consequentemente, dessa tradição. Assim encontramos todos os princípios e práticas despóticas, totalitárias e tirânicas. As ideologias revolucionárias, como o Socialismo e o Comunismo, eram fortemente atacadas por Churchill. Na sua opinião todas as tiranias deviam ser derrubadas e ninguém, nunca deveria ter tal poder quer fosse sob a forma de um governo imperialista, republicano, militarista ou soviético.
Acima de tudo Churchill declarou-se inimigo não de uma ideologia ou regime, mas de tudo aquilo que fosse despótico, autoritário, absoluto, discricionário e iliberal. Compreendia que as ideologias revolucionárias e a sua dinâmica estavam sempre correlacionadas com os regimes e sistemas tirânicos por profetizarem uma sociedade perfeita e racional, absolutamente livre e igual. O seu método seria, porém, a completa destruição de todas as instituições sociais, políticas e económicas existentes e a edificação pela imposição, pelo medo e pela violência de uma Nova Ordem Mundial. Isto era o que Churchill mais temia, pois no fim não restaria pedra sobre pedra, e o destino da sociedade seria a igualdade na escravidão, na miséria e na total falta de liberdade.
A luta contra a tirania foi o principal bastião da sua vida, por um lado porque representava tudo o que mais odiava e, por outro, porque apenas por essa luta poderia ser preservado o que mais amava, a liberdade e a tradição da sua nação britânica.
Deixem-me terminar apenas com uma nota sobre a ideia de universidade, que para mim foi integralmente passada pelo IEP. Tentando também falar para os mais novos que se poderão encontrar aqui hoje.
Faço questão de colocar esta menção pois na sociedade em que vivemos hoje, a quantidade de estímulos, a fugacidade dos momentos e das vivências, e o imediatismo da informação banalizaram completamente muitas dimensões da nossa vida, e uma delas é o ensino.
Permitam-me dizer que é urgente manter o espírito da universidade, de um ensino de rigor que fomente sempre o amor à sabedoria, que os alunos entendam que o processo é muito mais importante do que o resultado, pois todo o exercício irá revelar-se uma mais valia na aquisição de competências técnicas (como a interpretação, o raciocínio, a síntese), de competências sociais (como o diálogo, a empatia, a convivência) e de competências emocionais (gerir emoções como a frustração, a ser persistente, desenhar metas e ser focado).
Por tudo isto agradeço a esta instituição que me equipou com todas estas valiosas armas de combate essenciais para os dias que vivemos, e acima de tudo agradeço por me terem sempre instruído neste amor à liberdade de que Winston Churchill é personificação.
Subscribe
Report