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A questão nacional em tempos de Globalização


Capa do livro A Globalização, Portugal e a Europa

Os espaços globais ou transnacionais requerem identidades próprias, que só poderão ser reforçados se assentarem nas identidades inferiores, entre as quais avultam as identidades nacionais.

Manuel Braga da Cruz
A Globalização, Portugal e a Europa
UCP, 2022

Manuel Braga da Cruz

Manuel Braga da Cruz

Professor Catedrático e antigo Reitor (2000-2012) da Universidade Católica Portuguesa. Membro do Conselho Editorial de Nova Cidadania

Os textos que aqui se reúnem resultam de conferências ou artigos, proferidas ou escritos nos últimos anos em torno da questão nacional em tempos de globalização e de europeização.

A questão nacional em tempos de GlobalizaçãoOs processos de transnacionalização – globais ou regionais – não podem prescindir de sólidas bases nacionais, sob risco de se tornarem em processos de desorganização e de atomização, propícios aos centralismos despóticos. As identidades nacionais não podem ser vistas como estorvos a desejáveis internacionalizações. Pelo contrário, os espaços globais ou transnacionais requerem identidades próprias, que só poderão ser reforçados se assentarem nas identidades inferiores, entre as quais avultam as identidades nacionais.

As sociedades, sejam elas nacionais ou internacionais, devem assentar nos “corpos intermédios”, nas estruturas e grupos básicos que lhe servem de suporte. As sociedades precisam de alicerces e de patamares, sob risco de se esboroarem e desfazerem. As sociedades organizam-se não apenas em torno de indivíduos, mas em torno de instituições, entre as quais avultam, como base, as famílias.

As identidades transnacionais, não só não são incompatíveis com a existência de identidades nacionais e sub-nacionais, como precisam delas, para se afirmarem e susterem. As identidades globais, em emergência, assentam nas identidades inferiores, não podendo, por isso, prescindir delas para se formularem e reforçarem.

Acusam-se por vezes os sentimentos nacionais, e até os regionais, como sendo tacanhos e impeditivos de maior universalização, como contrários à integração em espaços e consciências mais vastas. O nacionalismo e o bairrismo, são apontados como entraves ao alargamento de perspectivas mais vastas. Ora as identidades, distribuídas por níveis distintos, não só não são incompatíveis entre si, como requerem mesmo bases de constituição onde devem assentar. Em vez de lineares, excluindo-se à medida que se progride para patamares superiores, são concêntricas, reforçando-se com a existência de bases identitárias inferiores. A identidade europeia não pode prescindir de identidades nacionais fortes para o ser também. Do mesmo modo, a identidade nacional será tanto mais consistente, quanto mais tiver e assentar em fortes identidades regionais ou locais.

De acordo com o princípio da subsidiariedade, a função das sociedades superiores é o serviço às sociedades inferiores e não a sua substituição

Globalização, europeização e nacionalização não são, pois, processos de integração incompatíveis, mas necessariamente articuláveis. O globalismo é compatível com o nacionalismo, se foram entendidos ambos numa perspectiva de conjugação, e não de oposição.

A europeização e a globalização constituem seguramente desafios incontornáveis para as nações, que se devem adaptar sem se perderem nesses novos espaços mais vastos. Mas, por outro lado, a europeização e a globalização devem não só respeitar como promover a consolidação dos espaços nacionais, se não querem diluir-se em realidades fluidas e instáveis, prontas a soçobrar aos próximos contratempos.

A Europa é um conjunto de nações não apagável. Os cidadãos europeus são, antes disso, cidadãos nacionais. Querer construir uma cidadania europeia não assente nas cidadanias nacionais é sonho inconsistente e impossível. A lealdade à Europa pressupõe lealdades inferiores, nacionais e locais.

A questão nacional em tempos de GlobalizaçãoO princípio básico desta compatibilização é a subsidiariedade. Deixou-o dito, de forma clara e magistral o Papa Pio XI na encíclica Quadragesimo anno: “Assim como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem efectuar com a própria iniciativa e trabalho, para o confiar à comunidade, do mesmo modo, passar para uma sociedade maior e mais elevada o que comunidades menores e inferiores podiam realizar, é uma injustiça (…) O fim natural da sociedade e da sua acção é coadjuvar os seus membros, e não destruí-los nem absorvê-los”.

De acordo com o princípio da subsidiariedade, a função das sociedades superiores é o serviço às sociedades inferiores e não a sua substituição. Da mesma maneira, assim como os corpos intermédios, entre as quais as associações de que fala Tocqueville na democracia na América, desempenham uma função essencial entre a sociedade e o Estado, assim também a intermediação dos Estados-Nações é fundamental para o bom funcionamento das instâncias supranacionais.

Os últimos textos referem-se a três países que tem reagido contra processos de centralização e de diluição das soberanias. A Grã-Bretanha, que é reconhecidamente a mais antiga democracia do mundo, abandonou infelizmente a União Europeia, para defender a sua democracia contra processos e ideias de centralização e uniformização. De nada serviram os sinais que foi dando, ao longo dos tempos, sobre o modelo de integração europeia em que podia entrar, qual o que aceitava e qual o que rejeitava. Foi forçada, lamentavelmente, a afastar-se. A Polónia e a Hungria são, pelo contrário, democracias recentes, saídas do jugo soviético que lhes retirou a soberania. Chegaram à democracia pela reaquisição da soberania. Daí que não desejem perder a soberania, garantia que foi da sua democracia.


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