• +351 217 214 129
  • This email address is being protected from spambots. You need JavaScript enabled to view it.

Pombal contra Roma


Capa do Livro Pombal Contra Roma

Um livro fundamental sobre o regalismo pombalino e o seu despotismo «esclarecido».

João Seabra
Pombal Contra Roma
Tenacitas, Coimbra, 2021

Manuel Braga da Cruz

Manuel Braga da Cruz

Professor Catedrático e antigo Reitor (2000-2012) da Universidade Católica Portuguesa. Membro do Conselho Editorial de Nova Cidadania

Pombal contra Roma. Este é o título bem adequa- do, escolhido pela Tenacitas para, em boa hora, publicar a tese de licenciatura em Direi- to Canónico do P. João Sea- bra, na Universidade de Sala- manca. Defendida há mais de trinta anos, tinha como título original O Poder do Papa e o Poder dos Bispos na Tentativa Teológica do Padre António Pereira de Figueiredo.

Pombal contra RomaTrata-se de um livro sobre o regalismo pombalino, ou seja, sobre a tentativa de emancipação da tutela romana e cor- respondente afirmação da emancipação da Igreja nacional em relação à Igreja universal de Roma, bem como a pretensão de influenciar politicamente o papado. E nada melhor do que ana- lisar uma das obras fundamentais do seu mais importante “teo- rizador” e “defensor” - o Padre António Pereira de Figueiredo, “plumitivo a soldo” de Pombal -, a saber, a Tentativa Teológica, que teve impressão não apenas portuguesa mas também euro- peia. Defensor do poder do Rei sobre o património eclesiástico e também sobre a disciplina eclesiástica, apologeta do poder dos bispos e da supremacia do Concílio sobre os Papas, negando a ju- risdição pontifícia sobre as Igrejas nacionais, sustentava o poder do Rei nas nomeações episcopais e no governo da Igreja.

No fundo, é a questão do primado papal sobre as Igrejas na- cionais de todo o mundo e também a das ordenações episcopais sem mandato pontifício. Pombal, como bem demonstra o autor, teve uma enorme intervenção na Igreja portuguesa, acabando por convertê-la em instrumento dócil da realeza absoluta: matou o P. Malagrida e expulsou os jesuítas (que não estavam, como o clero secular, na dependência dos bispos), e levou os governos borbóni- cos a pressionar o Papa para os suprimir, chegando a propor às po- tências da Europa uma invasão dos estados pontifícios para desti- tuição do Papa Clemente XIII, que defendia os jesuítas; reformou os estudos teológicos, na Universidade e nos seminários; dividiu dioceses, que reordenou politicamente, substituindo bispos “aris- tocratas” por bispos “iluminados”, que domesticou facilmente, prendendo os que se lhe opunham, como D. Miguel da Anuncia- ção, Bispo de Coimbra; sujeitou politicamente a Inquisição, e exi- lou o Inquisidor-Mor; cortou relações diplomáticas com a Santa Sé, durante dez anos (1960 a 1970). Através do beneplácito régio condicionava a liberdade da Igreja, e a comunicação de Roma com a Igreja portuguesa.

Pombal encontrou no oratoriano P. António Perei- ra de Figueiredo o teorizador teológico de que precisava, a quem encomendou obras de- fendendo o poder régio sobre os clérigos, a autonomia da Igreja portuguesa em relação a Roma, para a nomeação de bispos, a quem seria de atri- buir o poder das dispensas ma- trimoniais, reservado ao Papa. Algumas das suas obras foram colocadas no Index por Roma.

ImprescindÍvel para uma cabal compreensão da cultura política portuguesa

Pombal contra RomaJoão Seabra debruça-se na primeira parte sobre a vida e obra do P. António Pereira de Figueiredo, o “teólogo da corte de Oeiras”, considerado o “Febrónio português”, deixando para a segunda parte a análise crítica, muito detalhada e especializada, da sua Tentativa Teológica, e as influências nela do jansenismo e do galicanismo. Aí percorre as questões de direito matrimonial canónico, as relações do poder dos bispos e do Papa, a defesa do “conciliarismo”, o poder dos príncipes sobre a Igreja, para con- cluir que a eclesiologia do P. António Pereira de Figueiredo não pode deixar de se considerar heterodoxa, “por comportar uma expressa negação do primado romano. Contudo, os seus livros desempenharam um papel fundamental na justificação do rega- lismo pombalino, muito contribuindo para a sujeição da Igreja ao poder político, regalismo esse que “perdurará durante mais mais de um século em Portugal, na legislação eclesiástica do Estado e na mentalidade teológica da Igreja”. A síntese da sua tese está, porém, magistralmente exposta no Prefácio e na Apresentação.

O regalismo é uma dimensão fundamental do pombalismo e do seu despotismo “esclarecido”, tal como o anti-papalismo é essencial ao absolutismo. Pombal, com o seu anti-jesuitismo e a supressão dos seus colégios espalhados pelo país, foi um precur- sor do anti-congreganismo do liberalismo, e da destruição por ele operada do ensino generalizado das “escolas conventuais”. Foi igualmente precursor, e inspirador, de Afonso Costa, que exilou todos os bispos, quis subjugar o clero, e cortou relações diplomá- ticas com o Vaticano. Pombal é o iniciador do regalismo, que terá expressões continuadas no cartismo liberal, e no republicanismo jacobino e maçónico, regalismo esse que submeteu não só a Igre- ja, mas também a sociedade civil, ao Estado.

A importância deste livro não é apenas teológica e jurídico- -canónica, mas também cultural e política. Esta tese é impres- cindível para uma cabal compreensão da cultura política por- tuguesa, e muito particularmente do estatismo controlador da sociedade civil, e ainda fundamental para perceber como entrou o despotismo em Portugal, na sua primeira expressão pombali- na, e nas subsequentes traduções liberal e republicana, e como ele se estabeleceu contra o catolicismo romano. A submissão da Igreja ao Estado, própria do absolutismo pombalino, antecede o proteccionismo sufocante da Igreja pelo Estado no liberalismo, e a tentativa de eliminação do catolicismo em duas gerações de Afonso Costa.


1000 Characters left


Please publish modules in offcanvas position.