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As sete estações da democracia


Capa do Livro As Sete Estações da Democracia

As estações de Maria João Avilez são pessoas que marcaram períodos da vida política nacional, líderes que suscitaram seguidores, e formaram correntes políticas.

Maria João Avilez
As Sete Estações da Democracia
Sete Testemunhos Decisivos
D. Quixote, 2021

Manuel Braga da Cruz

Manuel Braga da Cruz

Professor Catedrático e antigo Reitor (2000-2012) da Universidade Católica Portuguesa. Membro do Conselho Editorial de Nova Cidadania

As sete estações da democracia portuguesa são sete entrevistas, conduzidas pela mestria de Maria João Avilez a sete políticos ou analistas, sobre sete antigos primeiros-ministros e presidentes que marcaram o curso da democracia: Sérgio Sousa Pinto sobre Mário Soares; Pedro Santana Lopes sobre Sá Carneiro; Durão Barroso sobre Aníbal Cavaco Silva; Marcelo Rebelo de Sousa sobre António Guterres; Francisco Assis sobre Pedro Passos Coelho, José Miguel Júdice sobre António Costa; e Paulo Portas sobre Marcelo Rebelo de Sousa. Uma espécie de “história oral”. O resultado excede as expectativas.

Só Maria João Avilez - que Vasco Pulido Valente disse, um dia, ser a melhor entrevistadora do jornalismo português -, seria capaz de convocar este leque tão qualificado de analistas para nos ajudarem a compreender cada um destes grandes fazedores da democracia portuguesa. Só ela reúne o consenso, a admiração, a competência e a confiança profissional de todos os quadrantes, para produzir este notável cruzamento de perspectivas políticas.

As sete estações da democraciaEstas estações não são as estações do ano, que retornam ciclicamente. São antes marcos de um itinerário, paragens de uma viagem ou de uma via crucis. O que insinua, desde logo que esse percurso não se fez sem dificuldades e resistências, ameaças e obstáculos, que continuam a condicionar o desenvolvimento e o progresso do país. A nossa é ainda uma transição inacabada.

As estações de Maria João Avilez são pessoas que marcaram períodos da vida política nacional, lideres que suscitaram seguidores, e formaram correntes políticas. A história é feita delas, e são essas pessoas que a conduzem, apesar dos con- dicionamentos estruturais e conjunturais.

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Maria João Avilez começa, obviamente por Mário Soares, explicado por Sérgio Sousa Pinto, que com ele se identifica. O Soarismo foi o primado da liberdade, onde a igualdade entrava para criar as condições materiais, as oportunidades, de viver melhor num país livre e democrático. Soares era um homem de princípios e convicções, mas subordinava a ideologia à realidade dos problemas concretos. Não hesitou por isso, no contexto pos-revolucioionário, em meter o socialismo na gaveta, em defesa da democracia. Separava o essencial do acessório. A sua tarefa, naquele primeiro período da sua governação, era a reconstituição do Estado, o regresso dos militares aos quarteis, o regresso dos agentes económicos, forçados a abandonar o país com a revolução.

“O soarismo é uma versão do socialismo que assenta na ideia de que a manutenção das condições de uma sociedade democrática, livre, tolerante, pluralista, liberal, inspirada nos modelos das democracias ocidentais, exige prosperidade.” Soares detestava o “socialismo de miséria”. Não aceitava “sacrifícios políticos”, nem “a compressão da liberdade”, nem dos valores fundamentais da civilização”, em nome de uma sociedade igualitária, fundada em “princípios distributivos”. “Gostava de dizer – e defender – que só a prosperidade, o bem estar material, a melhoria das condições de vida das pessoas, constitui a base firme de uma sociedade civilizada e livre. Este seu entendimento – fundamental – talvez seja, afinal, a melhor definição do soarismo”.

As sete estações da democraciaMaria João Avilez evidencia de novo neste livro uma invulgar capacidade de seguir e interpretar a vida política portuguesa

Sergio Sousa Pinto lamenta que o soarismo não tenha qualquer utilidade para a nova narrativa. Foi contra os novos aliados do Partido Socialista – comunistas e esquerdistas – que, com ele, “o PS afirmou a sua fortíssima identidade de partido socialista e democrático”. Hoje – critica Sérgio Sousa Pinto - em vez de se combaterem o atraso, as desigualdades, a pouca produtividade, a pobreza endémica, o medíocre desempenho económico do país, “uma sociedade tutelada pelo Estado, uma economia onde o Estado tem um peso brutal, famílias com rendimentos modestos que contribuem para o Tesouro de uma forma desproporcionada e cujo esforço fiscal é o maior da União Europeia”, hoje, o combate da “esquerda concentrada” é contra “a direita, padroeira de todas as desgraças”. Outrora, “a política era feita por personalidades e hoje é feita por grupos, por amálgamas, que têm de ter uma cultura que não premeia a diferença, o valor intrínseco, o mérito.” Hoje “só há coros”, em torno dos chefes, uma “subversão das coisas”. Ao pôr em perigo “a liberdade e as instituições que a garantem”, a alternativa é “o socialismo de miséria, o estatismo, as cestas básicas e as tarifas sociais. Tudo acompanhado por indecentes e mentecaptas proclamações, a explicar que a realidade está errada e que a ideologia é que está certa”.

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A segunda pessoa que se segue, da segunda estação, é Francisco Sá carneiro, explicado por uma dos seus íntimos colaboradores e sucessores: Pedro Santana Lopes. Sá Carneiro era a coragem, a coerência, a clareza, a convicção a capacidade política. Directo e frontal, rejeitava a tutela militar, a “revolução institucionalizada”, em defesa de uma “democracia plena”. A sua intransigência, de que tantos o acusaram, era por princípios e valores. Não admitia confusões no rumo, e por isso se opôs à coligação PS-CDS e à intenção de Eanes fazer algo por cima dos partidos. Era preciso acabar com o “poder militar”. Reconhecia não ter esse poder sozinho, e por isso avançou com a candidatura presidencial de um militar – Soares Carneiro. Tentou puxar para o seu lado Mário Soares, que se afastou da orientação do PS, para não votar na recondução de Eanes na presidência. Bateu-se pela eliminação do Conselho da Revolução, a cuja eliminação da Constituição já não assistiu. No entanto, sendo do centro, sempre preferiu aliar-se à direita e não à esquerda. Sá Carneiro tinha pressa e a vertigem do risco, para ultrapassar o cerco que lhe faziam o poder militar, os media nacionalizados. Desapareceu tragicamente e cedo, mas o seu legado ficou e deu resultados nas revisões constitucionais que se seguiram, e no cavaquismo.

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O cavaquismo, analisado por José Manuel Durão Barroso, que o acompanhou em toda a sua duração, é a “estabilidade política, o crescimento económico e a justiça social”.

Cavaco foi “um político acidental, que só depois se revelou um grande político”. O carisma de Sá Carneiro transferiu-se para ele. Foi por isso dos líderes mais carismáticos da democracia. Não foi do partido para o Estado, mas do Estado para o partido. Quem mais gostava dele eram as bases e não as cúpulas do partido. Nunca fez concessões ao partido, antepondo sempre os interesses do Estado e do país. Foi por isso mais um estadista do que um líder partidário. Estabeleceu uma ligação directa aos portugueses, por cima dos mediadores, numa espécie de “populismo racionalizado”. Cavaco, que conhecia como poucos a situação económica e financeira do país, desde os tempos de director do Gabinete de Estudos do Banco de Portugal - que teve papel importante no acordo com o FMI -, e depois como Ministro das Finanças de Sá Carneiro, era – segundo Durão Barroso – “o método, a organização, a preparação”, na acção e na decisão, em que era firme.

A vontade reformista do seu primeiro governo minoritário era travada na Assembleia da República, e na comunicação social estatizada. Quando caiu no parlamento, por uma moção do PRD, apresentou ao Presidente Mário Soares um memorando favorável à dissolução do parlamento, que este concretizou com coragem. As duas maiorias absolutas que se seguiram constituíram um período de grande crescimento da economia, de grandes reformas, de abertura à iniciativa privada, na economia e na comunicação social, de privatização das nacionalizações, de grandes iniciativas culturais (o CCB em Lisboa, a Fundação de Serralves no Porto ) de crescente europeização, de leis de bases fundamentais (ambiente, educação), de grande preocupação pela justiça social e pela justiça redistributiva. Criou o IRS e o IRC, incluiu os trabalhadores rurais na Segurança Social.

Cavaco era um democrata social e não um liberal, nem um conservador. Atribuía ao Estado importante papel – por isso não privatizou a Caixa Geral de Depósitos, nem a televisão pública – mas não o queria a monopolizar a economia, a vida social e cultural. Tinha á sua direita um partido conservador, o que favorecia a sua identificação com o centro, e à sua esquerda um socialismo moderado e democrático, que amortecia a opo- sição comunista.

Abriu o governo a gente nova e a mulheres que se afirmaram na vida pública. A sua cultura, mais do que literária e humanista, era económica e financeira. Reservado, homem de família, um tanto avesso à vida social e mundana, tinha uma certa “gravitas”, que o tornava respeitável e admirado.

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A Cavaco seguiu-se Guterres, explicado por um dos seus amigos de juventude, que liderou a sua oposição: Marcelo Rebelo de Sousa, que interrompeu os seus encargos presidenciais de hoje, para falar da sua personalidade e da sua obra.

Guterres e Marcelo foram amigos íntimos de juventude. Actuavam sempre juntos, num grupo de católicos sociais, preocupados com as pessoas, que partilhavam ideais de democracia, de desenvolvimento económico, de descolonização e de integração europeia. Separaram-se politicamente no 25 de Abril: um para o centro esquerda, outro para o centro direita. Marcelo pensou que Guterres se iria sentir só na área socialista. Na realidade porém, foi Guterres o grande responsável pela desmarxização do programa do partido. Vieram a encontrar-se: um, primeiro-ministro, o outro líder da oposição.

Sustenta Marcelo que não houve um guterrismo ideológico, apenas capacidade de reunir pessoas diferentes em torno de si. Situou o PS ao centro, privilegiou as questões sociais (o rendimento mínimo garantido, o pré-escolar). Mas cedo percebeu que na administração pública nada funciona. Não conseguia fazer o que sonhava.

Não conseguiu a maioria absoluta para o segundo mandato, que obrigou a constante negociação, e o deixou desalentado e cansado. A essa ausência de condições chamou “pântano” quando, após uma derrota nas autárquicas, se demitiu.

Guterres foi político por causa das suas convicções religiosas morais e éticas, e não por ambição de poder. Ao constatar que não conseguia realizar o que queria, afastou-se. “As expectativas subiram muitíssimo, mas concretizá-las sem maioria tornava-se muito difícil”, explica Marcelo.

Conseguiu fazer-se eleger Secretário Geral das nações Unidas, em cuja reforma se empenhou: a promoção das mulheres e dos jovens, a defesa dos direitos humanos, particularmente dos refugiados, a agenda das alterações climáticas e da transição energética. Encontrou adversidades: Trump e o seu anti-multilateralismo; a tendência para o proteccionismo; a desvalorização das relações internacionais, o bloqueio comercial à escala mundial.

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De Guterres, Maria João Avilez salta para Passos Coelho, sobre quem vai entrevistar um opositor político singular, porque isolado na área socialista: Francisco Assis. Para ele não houvera “passismo”, apenas Passos Coelho, a “liderança forte, a união da direita, determinação e serviço” – reconhece – mas, ao mesmo tempo, “obstinação, teimosia, desatenção às aflições de alguns sectores da sociedade portuguesa”, o que considera ter sido um “erro crasso”.

Fernando Assis não conhecia Passos Coelho. Apresentaram-nos na recepção da reeleição presidencial de Cavaco Silva. Enfrentou-o como deputado, embora “sentado na última fila”. Per- cebeu que era um “homem sério”, “com características que superavam muito a impressão inicial”, “concentrado nos seus deveres, com grande determinação naquela altura difícil”. Surgia depois de um tempo de “exaustão política” impossível de enfrentar com um governo minoritário.

Quando Passos Coelho apresenta o primeiro orçamento, o PS, apesar do receio de ser ultrapassado pela extrema-esquerda, acaba por se abster, posição para a qual se empenhou Assis.

No entanto, Assis reconhece que Passos Coelho se revelou “um homem excepcionalmente determinado, com imensa preocupação de garantir a aplicação daquele programa [da Troica] – e, porventura, com um grau de obstinação que o terá até levado, por vezes, a não ter compreendido algumas das reacções que se iam gerando no país”. Dá o exemplo do “erro gravíssimo” da TSU, “primeiro grande momento da ruptura com o seu governo”.

Passos Coelho não ocultou ao país as “dificuldades sérias”, “nunca as trocando pela oferta de um caminho fácil”, “não semeou esperanças vãs”: o seu “mérito”, mas também o seu “grande limite”. “Agiu com grande seriedade, ocupando-se com libertar o país da situação em que estava, em vez de passar o tempo a criticar o governo anterior”, o que é pouco comum em política. Cumpriu, o “país teve uma saída limpa”, e ganhou as eleições subsequentes, apesar de ter produzido “políticas demasiado austeras”. Reconhece que alguns excessos que houve são mais de responsabilidade europeia, e que não é verdade que tenha “desmantelado o Estado Social”. O investimento público nas questões sociais foi até maior em termos percentuais do que nos tempos subsequentes.

Uma grande variedade de protagonistas e de correntes que a democracia portuguesa conheceu

Para tudo isso, Passos Coelho manteve a direita unida, liderou-a. No entanto, reconhece Assis o “grande falhanço da direita portuguesa”, a seguir, foi o não “conseguir construir um discurso político de oposição ao da geringonça”. A direita manteve-se “envergonhada”, “incapaz” de responder ao “discurso estigmatizante [da “geringonça”] face ao governo anterior que suscitou adesão de grande parte do país e ao qual a direita, repito, nunca soube responder”.

Passos Coelho revelou “serenidade, sangue-frio, fortíssima capacidade de liderança”, ao pôr “serenamente na ordem” Paulo Portas, no episódio da demissão “irrevogável”. Ganhou com isso uma generalizada “respeitabilidade”, além da determinação. A “saída limpa”, e o recomeçado crescimento da economia, eram armas poderosas que justificavam a vitória nas eleições.

Em suma, para Assis, Passos Coelho é um “homem que respeita as instituições, o pensamento dos outros, a diversidade”, apesar de divergir dele na presença do Estado no PIB, e na resolução de “ainda fortes desigualdades”, e na desatenção a alguns sectores da sociedade, em grande frustração e desânimo. Passos Coelho é “convicção e determinação intransigente”, a quem o país deve alguma coisa, pela “serenidade e seriedade” com que o serviu: “uma personalidade que deveria ser muito mais “respeitada e valorizada”.

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A Passos Coelho sucedeu Costa, “o melhor político português da sua geração, e o mais implacável e o mais violento”, no dizer de José Miguel Júdice, que Maria João Avilez foi ouvir. Costa aproveitou a sua “oportunidade”, sendo por isso o “oportunista-mor do reino”, o “político português com maior sentido de oportunidade e a maior maleabilidade para se adaptar a ela”, com uma “capacidade de negociação”, de “retirar todos os entraves ao que o rodeia, mudando o que fosse necessário”. Implacável com os seus seguidores, “é talvez um dos mais violentos políticos da história contemporânea portuguesa”, que não admite divergência ou crítica. Quebrou a barreira que separava o PS dos seus inimigos históricos de esquerda, e coligou-se com eles, mas agora prepara-se para se aliar ao PSD. Uma das características que o tornam melhor dos que os outros é a “elasticidade”.

“Homem muito emocional”, com um grande auto-controlo”, “é um temperamental, com grandes emoções que depois controla bem”, tem por objectivo central o poder. Homem de esquerda, com grande capacidade de dialogar à direita, não tem qualquer sentido de culpabilidade perante os comunistas. “Nunca o PS teve um político tão à esquerda a chefiar um governo”. “É um homem de partido e de poder estatal”, mas não um estadista.

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A terminar, Maria João Avilez pede a Paulo Portas que analise o “marcelismo” de Rebelo de Sousa. Faz dele um retrato muito favorável e positivo. Começa com a candidatura. Na altura, os membros da coligação governamental – Paulo Portas era um deles – acordaram numa candidatura comum, que não prejudicasse as legislativas de 1915. Marcelo impôs-se como “candidato atípico”, independente do apoio de partidos. Se algum dos partidos se lhe opusesse, haveria fraturas indesejáveis do eleitorado.

Marcelo preparou-se durante muitos anos para ser Presidente, para ser uma instituição. Pessoa informada, inteligente, hiperactiva, com flexibilidade táctica, é previsível e confiável, para além de ter sentido de Estado.

Paulo Portas reconhece que Marcelo tem representado bem o país: culto e poliglota, deixa boa impressão onde vai, actuando sempre com “fidelidade aos eixos principais da política externa portuguesa”. O que, com um governo de geringonça, apoiado por partidos anti-Nato, não é coisa pouca. Sabe distinguir aliados de amigos. “Foi capaz de equilibrar os nossos deveres de aliados com os Estados Unidos, a nossa fidelidade à União Europeia com a atenção às nossas parcerias, por saber que precisamos de manter os mercados com a China”. A Europa não pode ter dúvidas sobre quem é o seu aliado, mas não pode fazer de conta que a China não existe na ordem económica e internacional”.

Marcelo, como Presidente “hiperactivo”, permite que se confunda por vezes a “forma” e o “fundo”. Ora a sua hiperactividade tem muito a ver com a protecção da sua “independência face aos partidos políticos”. Marcelo tem sido unificador, não parte da divisão, mas da união, para construir a sua força. Teria sido perigoso ter outro chefe de Estado que não ele. Um Presidente “não vir da esquerda e a esquerda radical não se sentar no conselho de ministros, contribuíram para evitar uma guinada demasiado radical, que teria prejudicado o país”. Ora a sua independência dos partidos políticos, das forças sociais e dos interesses, tem-lhe conferido legitimidade própria.

Para além disso, tem sido um factor de estabilidade, funcionando como travão das ameaças de crise. Contribuiu para que o Primeiro Ministro percebesse que há regras na União Europeia que são para cumprir, em matéria orçamental, e não hesitou em declarar o estado de emergência para enfrentar a pandemia, quando o governo achava que bastavam as regras da Protecção Civil.

Reconhece embora que Marcelo deveria ter cultivado uma relação mais franca e próxima com os sectores da direita, que se considera pouco representada nele, e que o país teria beneficiado se o Presidente tivesse explicado mais frequentemente que em 2011 tínhamos caído numa situação de insolvência, com o vexame de ter de pedir ajuda externa.

Deixou, no entanto uma marca de estabilidade e de convergência, em contexto muito diferente do dos seus antecessores, como é o da “democracia digital”. Recebeu uma “geringonça”, e não pediu acordos escritos para evitar uma coligação formal de governo. Percebeu que a sua independência das forças políticas em campo seria tanto maior quanto maior a sua maioria.

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São notórias as ausências, seguramente motivadas por razões bem diversas. A selecção de nomes a analisar e de analistas obedece a um critério jornalístico, própria da autora.

O que ressalta destas entrevistas é, antes de mais, uma grande variedade de protagonistas e de correntes que a democracia portuguesa conheceu, e que o seu percurso não se fez sem sobressaltos, avanços e recuos. Mais: a transição democrática portuguesa, se superou muitas limitações que a sua origem castrense e revolucionária lhe colocou, se conseguiu expurgar a Constituição de enviesamentos colectivistas e estatistas com que o esquerdismo dominante a marcou, está longe de ser uma transição acabada, muito havendo ainda a superar e a rever, para termos uma Constituição plenamente democrática e livre.

Maria João Avilez evidencia de novo neste livro uma invulgar capacidade de seguir e interpretar a vida política portuguesa, de entender os seus personagens de eleição, e de os fazer falar e explicar os protagonistas com que se cruzam na agitação e no combate políticos.


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