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A Tradição Anglo-Americana da Liberdade Um Olhar Europeu - RECENSÃO


A Tradição Anglo-Americana da Liberdade Um Olhar Europeu - RECENSÃO

Epítome de um guia gentlemanly e experiente, o Professor Espada, que viveu e ensinou na Europa Continental, Grã-Bretanha e América, leva o leitor numa rica viagem de descoberta intelectual através da tradição anglo-americana da teoria política liberal moderna.

João Carlos Espada
The Anglo-American Tradition of Liberty A View From Europe
O livro foi agora traduzido e lançado em húngaro pela editora Typotext

Amichai Magen Amichai Magen

The Interdisciplinary Center, Idc, Herzliya, Israel

A Tradição Anglo-Americana da Liberdade Um Olhar Europeu - RECENSÃOOs últimos tempos têm sido difíceis para aqueles de nós que estão ligados aos valores e instituições liberais, políticas e económicas. A crise financeira e a estagnação económica, o medo da afluência de migrantes (principalmente muçulmanos), e as crescentes ameaças do terrorismo têm, em conjunto, erodido a confiança pública em sociedades abertas e democracia capitalista, e alimentado o apoio popular de forças iliberais, inclusivamente no coração do próprio Ocidente. De facto, o número de votos em partidos ou candidatos antissistema nos principais países desenvolvidos encontra-se num dos níveis mais elevados desde os negros anos do início dos anos 30. Até agora, os desafios mais organizados à ordem liberal têm emanado não do Islamismo ou de outras ideologias abertamente autoritárias, mas de várias formas de populismo, que surgem tanto da ala esquerda como da ala direita do espectro político, no âmago do mundo democrático. Apesar de diferenças significativas, todas elas partilham uma amálgama de estatismo, proteccionismo, anti-pluralismo, autoritarismo e muitas vezes instintos conspirativos que são funda- mentalmente anti-liberais, e corrosivos dos valores e instituições de sociedades livres.

Face a este contexto – de Hugo Chávez, Jeremy Corbyn, Bernie Sanders, Mari- ne Le Pen, Alexander Gauland, Viktor Orbán, e Donald Trump – estamos a precisar seriamente e repensar e renovar. Aqueles que procuram de alguma forma andar para a frente ficariam muito bem sustentados se lessem o importante livro de João Carlos Espada The Anglo- American Tradition of Liberty: A View from Europe.

Epítome de um guia gentlemanly e experiente, o Professor Espada – que viveu, ensinou, e aconselhou líderes nacionais na Europa Continental, Grã- -Bretanha e América – leva o leitor numa rica viagem de descoberta intelectual através da tradição anglo-americana da teoria política liberal moderna. De facto, a experiência de ler este livro é análoga à de um prazeroso passeio por um glorioso jardim inglês da mente, guiados por um mentor sábio e simpático. Viajar pela história das ideias com Espada é como eu imagino que ir num safari com o Sir David Attenborough deve ser.

Com tópicos que vão desde os gigantes do liberalismo clássico do século dezoito e dezanove – Edmund Burke, James Ma- dison, e Alexis de Tocqueville (J.S. Mill é mencionado, mas não lhe é dedicado um capítulo inteiro) – aos grandes opo- nentes da Guerra Fria do totalitarismo e socialismo – Isaiah Berlin, Friedrich Hayek, Michael Oakeshott, Karl Popper, Leo Strauss – a figuras menos celebradas como Ralf Dahrendorf e Raymond Plant, o autor teça uma tapeçaria colorida e original de ideias, experiências e lições históricas que acabam por providenciar uma base intelectual para a democracia liberal. Ao longo do livro, Espada é muito generoso com os autores, e dá ao leitor referências dos mais relevantes académicos da área.

The Anglo-American Tradition of Liberty: A View from Europe está organi- zada em cinco secções. A primeira parte, reflectindo a crença apaixonada de espada na importância da educação, conversação, e debate para o crescimento de indivíduos livres, é dedicada a determinadas figuras – Popper, Dahrendorf, Plant, Gerturude Himmelfarb e Irving Kristol – com quem Espada interagiu, enquanto estudante e colega, e que influenciaram profunda- mente a sua vida.

A segunda parte do livro “Cold Warriors” é dedicada a cinco homens – Raymond Aron, Hayek, Berlin, Oakeshott, e Strauss – que Espada identifica como tendo, através de argumentos meticulosos e persistentes, lutado ao longo de décadas a guerra das ideias, contra o planeamento central económico, o totalitarismo Soviético, e as mais difusas formas de niilismo que foram ganhando espaço no Ocidente ao longo do último século. Juntamente com o capítulo sobre Karl Popper, estes cinco capítulos deviam ser leitura obrigatória para educadores e estudantes que procuram entender melhor e responder à ressur- gência do autoritarismo (Russa, Chinesa e Islâmica), populismo de esquerda, e a auto-aversão prevalente entre as elites ocidentais contemporâneas.

A Tradição Anglo-Americana da Liberdade Um Olhar Europeu - RECENSÃOO autor está especialmente preocupado com a propensão da Europa Ocidental para o estatismo, burocratização excessiva e utopianismo destrutivo

Espada pode ser um anglófilo ardente, mas é também um cidadão português, e, por isso, está especialmente preocupado com a propensão da Europa Ocidental para o estatismo, burocratização excessiva e utopianismo destrutivo. Ao longo do livro, Espada exorta os europeus continentais a internalizarem e exercerem aquilo que ele vê como as principais virtudes políticas anglo-americanas: governo limitado e descentralizado; esferas de vida privada protegidas e imunes da intervenção do estado, e guardadas pela regência da lei; mudança incremental respeitadora dos modos de vida existentes; o evitar de racionalismo dogmático; e o aceitar das políticas de imperfeição. Assim, ele dedica a terceira secção do livro a Burke, Madison e Tocqueville, cujas filosofias políticas, de acordo com Espada, incorporam a ideia de “liberdade ordenada” e que não são suficientemente conhecidas ou apreciadas na Europa continental.

Aquilo a que Popper chamou “O Mistério Britânico” – o enigma de como a conseguiu a Grã-Bretanha evitar de forma geral o absolutismo real, sucessivas mudanças de regime violentas, e ideologias totali- tárias – fascina Espada, e este vê-o como um milagre moderno a ser reconhecido e seguido. O autor regressa várias vezes à observação de Elie Halevy, de que o ver- dadeiro “milagre da Inglaterra moderna” não é o de ter evitado revolução, mas o de ter sido capaz de assimilar tantas revolu- ções – industriais, económicas, políticas, culturais – sem recurso a Revolução violenta (com R maiúsculo). Uma vez mais, além do valor histórico inerente, esta visão incita o leitor a reflectir acerca de como podem as democracias liberais contemporâneas acomodar melhor as disrupções tecnoló- gicas e culturais, enormes e cada vez mais rápidas, que moldam as nossas vidas no século XXI.

A escrita de The Anglo-American Tradi- tion of Liberty, é-nos dito, foi originalmente inspirada por uma conversa entre Espada e Karl Popper em 1988, sobre a cultura política dos povos falantes de inglês, e, em particular, sobre Winston Churchill. Na penúltima sec- ção do livro, Espada regressa a essa mesma conversa e presta tributo ao grande homem que, de forma bastante literal, salvou a civili- zação Ocidental da extinção sob o jugo Nazi. No capítulo sobre Churchill, encontramos aspectos valiosos da vida e dos tempos de um grande homem, mas, além disso, uma consideração pensada acerca da forma como as suas experiências incutiram nele um conjunto de crenças políticas, económicas e sociais definidas. Espada conta-nos, por exemplo, que o que chocou tanto Churchill acerca do Nazismo e Comunismo foi a sua ambição de reorganização da vida humana a partir de cima e de imposição, sob os modos de vida existentes, de um plano totalitário dedutivo baseado numa ideologia abstracta e abrangente. Churchill, conclui Espada, entendia a liberdade e a democracia prin- cipalmente como um arranjo institucional de protecção dos modos de vida privados e espontâneos das diferentes pessoas.

A Tradição Anglo-Americana da Liberdade Um Olhar Europeu - RECENSÃOO verdadeiro “milagre da Inglaterra moderna” não é o de ter evitado a revolução, mas o de ter sido capaz de assimilar tantas revoluções – industriais, económicas, políticas, culturais – sem recurso a Revolução violenta (com R maiúsculo)

Se há causa para lamento em The Anglo- -American Tradition of Liberty: A View from Europe, é que Espada passe a maioria do livro a analisar os pensamentos de outros, e apenas se aventure a desenvolver os seus próprios pensamentos na quinta e última secção, de nome “Politics of imperfection: the Anglo-American tradition of liberty”. É uma pena, e um pequeno posfácio sobre a Grã-Bretanha e a União Europeia (escrito antes do Referendo do Brexit) serve apenas para acentuar esse lamento, e aguçar o apetite. Esperamos então que Espada [no original, em inglês, aqui o autor refere que em português Espada – sword – significa literalmente espada (n.t)] se aventure a avançar pela confusão actual e proponha formas em que o espírito e as instituições da liberdade possam ser rejuvenescidas.


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