Conselho de Administração, Fundação Calouste Gulbenkian; Conselho Editorial, Nova Cidadania
A atribuição do Prémio Fé e Liberdade 2023 a Dr. Pedro Roseta constitui um motivo de especial regozijo, uma vez que se trata do reconhecimento de um percurso exemplar de cidadania.
A atribuição do Prémio Fé e Liberdade 2023 a Dr. Pedro Roseta constitui um motivo de especial regozijo, uma vez que se trata do reconhecimento de um percurso exemplar de cidadania, relativamente a alguém que se notabilizou na defesa da fé cristã e da liberdade. Desde a primeira edição, ocorrida no ano de 2012, na qual foram galardoados D. Jaime Pedro Gonçalves, antigo Arcebispo da Beira, a Drª Maria de Jesus Barroso Soares, Presidente da Direção da Fundação Pro-Dignitate e Monsenhor João Evangelista, fundador da ACEGE e Pároco da Sé Velha de Coimbra, que o elevado reconhecimento é o sinal essencial desta distinção. Os nomes que se seguiram confirmaram a exigência e a qualidade do Prémio, definindo uma marca de referência e de especial elogio: do Prof. Doutor Mário Pinto, de Alexandre Soares dos Santos, do Padre Lino Maia, do Padre Roque de Aguiar Cabral, do Cónego Doutor João Seabra, do Engenheiro Fernando Magalhães Crespo, do Dr. José Alberto Pinto Basto e do Professor Doutor Jorge Miranda.
É para mim um motivo especial de orgulho poder fazer o elogio do premiado deste ano, velho amigo de cerca de cinquenta anos, com quem tive o gosto e a honra de trabalhar em vários momentos e diferentes experiências. Posso, assim, elogiar as excecionais qualidades de Pedro Roseta, de inteligência, de sensibilidade, de coerência, de generosidade, de conhecimento e de sabedoria. Desde os tempos da institucionalização da democracia, numa colaboração muito profícua que tivemos com Francisco Sá Carneiro, passando pelo Conselho Nacional de Educação, e por diversas oportunidades em que tive a honra de contar com a sua solidariedade e o indispensável conselho.
É para mim um motivo especial de orgulho poder fazer o elogio do premiado deste ano, e poder assim elogiar as excecionais qualidades de Pedro Roseta, de inteligência, de sensibilidade, de coerência, de generosidade, de conhecimento e de sabedoria.
A biografia do premiado começa por recordar as sólidas bases familiares católicas, com origem na Covilhã, com antepassados que foram industriais de lanifícios, fruto da transumância, e pequenos proprietários rurais. Filho de um Pai advogado, veio cedo viver para Lisboa, tendo frequentado a Escola Avé-Maria, fundada e dirigida por uma parente de sua família materna, Maria Alexandra Almeida Eusébio. Os exemplos familiares foram muito ricos em iniciativas de solidariedade e de apoio social da maior relevância, como o Lactário de Nossa Senhora da Covilhã. Na família e na escola recebeu os alicerces sólidos dos valores cristãos, prosseguidos em instituições paroquiais de responsabilidade social. Ainda adolescente foi presidente de uma Conferência de S. Vicente de Paulo, inspirado no exemplo de sua mãe e na memória de Frederico Ozanam, consciente da importância da ajuda aos mais carenciados, através de uma solidariedade ativa. Frequentou o Liceu Normal de Pedro Nunes, e é sempre bom, no meu caso pessoal, referir um colega mais velho de uma importante Alma Mater que o foi também para mim próprio. Aí beneficiou não só da experiência excecional da instituição, mas também do ensino de professores como Rómulo de Carvalho ou Sant’Ana Dionísio, o artífice do completamento do “Guia de Portugal” de Raúl Proença. Em virtude de não haver a alínea de Direito no Pedro Nunes, terminou o ensino liceal no Liceu de Passos Manuel, onde foi aluno aplicado de Joel Serrão, que considerou como inesquecível professor pelas qualidades científicas e pedagógicas inolvidáveis. Apaixonado pelos temas históricos, o jovem Pedro Roseta desenvolveu especialmente o conhecimento das raízes da cultura portuguesa, bem como as bases do cristianismo e da Antiguidade clássica grega e romana.
O culto da leitura e o amor do conhecimento levaram Pedro a aprofundar pela reflexão a sua relação com uma identidade cultural aberta e com a importância essencial dos direitos humanos e do respeito da eminente dignidade da pessoa humana. Às artes, à literatura, à curiosidade científica, somaram-se o desenvolvimento e aprofundamento da reflexão filosófica e a afirmação do compromisso do personalismo cristão ou da filosofia da pessoa, para usarmos a expressão de Paul Ricoeur – num tempo em que acompanhava o labor no sentido democrático de seu parente e amigo António Alçada Baptista, na Livraria Morais, no Círculo do Humanismo Cristão e depois na revista “O Tempo e o Modo”. O chamado personalismo comunitário, influenciado por Jacques Maritain e Emmanuel Mounier, motiva uma reflexão aprofundada que suscita uma militância cristã baseada na “Doutrina social da Igreja” e em especial nas Encíclicas de S. João XXIII, designadamente “Mater et Magistra” e “Pacem in Terris” – nas quais os conceitos de bem comum, de compromisso de justiça, de encontro e de dignidade humana se desenvolvem.
O culto da leitura e o amor do conhecimento levaram Pedro a aprofundar pela reflexão a sua relação com uma identidade cultural aberta e com a importância essencial dos Direitos Humanos
Quer o Concílio Vaticano II, através da Constituição Pastoral “Gaudium et Spes”, que a encíclica de S. Paulo VI “Populorum Progressio” motivaram o desenvolvimento de um rico pensamento político que se aproximou, de modo natural, da social-democracia que Pedro Roseta estudou e desenvolveu abundantemente – na linha do Programa de Bad Godesberg do SPD alemão. Na Juventude Universitária Católica (JUC), como aluno da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, recebeu a influência de Adérito Sedas Nunes, Maria de Lourdes Pintasilgo, Carlos Portas, Manuela Silva e João Salgueiro. O encontro na JUC ocorreu ainda com António Luciano de Sousa Franco, João Bosco Mota Amaral, Adelino Amaro da Costa, diretor do jornal “Tempo”, João Lobo Antunes ou Amílcar Theias. Pedro Roseta foi presidente diocesano e presidente nacional da JUC e diretor do jornal “Encontro”, bem como presidente do Conselho Fiscal da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa (1967-68). Devo salientar ainda que na JC foi muito claro o empenhamento no apoio à iniciativa do Cardeal-Patriarca de Lisboa D. Manuel Gonçalves Cerejeira para a criação da Universidade Católica Portuguesa. E permitam-me que refira especialmente a iniciativa da JUC, com António Cavaco, Isabel Pinto Correia e João Duarte Cunha, de propor às Associações Académicas, uma grande mobilização dos estudantes para ajudarem as populações que sofreram as consequências das inundações de novembro de 1867, que causaram centenas de mortos e imensas destruições e que a censura procurou abafar. Neste ponto, permitam-me uma palavra especial para a Helena Roseta, também amiga de todas estas cinco décadas – militante permanente, entusiasta das causas justas, cuja presença e exemplo tenho de destacar neste elogio fraterno ao Pedro, mas também a ela mesma.
Já referi o meu encontro em domínios educativos, por isso recordo a competente intervenção de Pedro Roseta como técnico superior do Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Educação, aquando da reforma do Professor Veiga Simão, com Fraústo da Silva, Alberto Ralha, Roberto Carneiro e Adelino Amaro da Costa. Na Universidade Católica Portuguesa desempenhou funções muito relevantes como secretário-geral e secretário da Faculdade de Ciências Humanas, antes de desempenhar funções de chefia da Divisão de Estudos da Direção Geral de Ensino Superior. E assim nunca baixou os braços na defesa intransigente da liberdade de ensinar e aprender, da liberdade religiosa e do direito ao desenvolvimento humano.
Na vida Política, além da já referida colaboração na fundação do Partido Popular Democrático com Francisco Sá Carneiro, interveio ativamente na produção de textos fundadores essenciais, designadamente na fixação da simbologia do novo partido e na adoção das três setas da “Frente de Ferro”, organização alemã antinazi, criada no início dos anos trinta. As três setas do PPD significavam ainda três influências: branca, de origem cristã, assumida em Bad Godesberg (1959), vermelha, referida ao movimento operário e negra, como referência libertária.
Em 1981, Pedro Roseta foi nomeado Embaixador de Portugal junto da OCDE, permanecendo em Paris até 1988. Na Assembleia de República, depois de ter sido deputado constituinte (1975-76), foi presidente das Comissões parlamentares dos Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, bem como da de Educação, Ciência e Cultura. Foi membro da Assembleia Municipal da Covilhã, membro da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, onde teve papal relevante na presidência das Comissões de Cultura e Educação e de Ciência e Tecnologia. Foi ainda membro e Vice-Presidente da Assembleia da União da Europa Ocidental (UEO). No PPD-PSD foi membro da Comissão Política Nacional, do Conselho Nacional, Presidente da Comissão Política Distrital da Área Metropolitana de Lisboa, bem como diretor do “Povo Livre”, onde tive o gosto de ser seu subdiretor, bem como subdiretor de Helena Roseta. Foi ainda presidente do Conselho Geral do IPSD – Instituto Francisco Sá Carneiro, de que é membro.
A partir de abril de 202 passou a exercer funções de Ministro da Cultura do XV Governo Constitucional, liderado pelo Doutor José Manuel Durão Barroso, até julho de 2004. É difícil pormenorizar mais o notável currículo, no qual se inclui ainda a docência na Universidade Católica Portuguesa, a qualidade de membro do Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa (CEPCEP) em 1989-2000, a participação no Conselho Nacional de Educação, a presidência do Conselho Coordenador do Ensino Particular e Cooperativo (1989-1995), a pertença ao Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, e na cidade de Lisboa, a presidência do Conselho de Administração da SRU da Baixa Pombalina em 2007 e 2008. Recentemente, sucedeu a Gonçalo Ribeiro Telles como Presidente da Assembleia Geral do Centro Nacional de Cultura.
Pedro Roseta é uma referência de cidadania e de exemplo. Poderei citar em sua homenagem Walter Benjamin, que afirmou: “Há um encontro misterioso entre as gerações desaparecidas e aquela de que fazemos parte. Fomos esperados na Terra”. Acabo de evocar a demonstração disso mesmo. O nosso homenageado de hoje tem ao longo da sua vida e pelo seu percurso, designadamente na linha de pensamento de Hans Jonas e do princípio da responsabilidade, afirmado com determinação que temos no horizonte do serviço dos outros de fazer tudo o que for possível para que as sucessivas gerações que nos seguirão possam ser esperadas nas melhores condições como fatores de liberdade, de criação do bem comum e da dignidade humana. Bem haja, por isso, querido amigo Pedro, por tudo o que tem feito e pelo que continuará a dar-nos em nome da cidadania, da democracia, dos direitos humanos, do serviço público, da defesa da liberdade de ensinar e aprender e da dignidade da pessoa humana.
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