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EPF 2002 - As virtudes das democracias liberais

Marcelo Rebelo de Sousa

Marcelo Rebelo de Sousa

Presidente da República Portuguesa

Há um traço indelével, uma preocupação constante que as atravessa: a defesa e a militância pelos valores da democracia liberal e do Estado de Direito democrático.

Sr. Presidente da Câmara Municipal de Cascais, Magnífica Reitora da Universidade Católica Portuguesa, Sr. Director do Instituto de Estudos Políticos, Ilustres oradores, Distintos convidados, Carissimos docentes, Caríssimas e caríssimos alunos,

Não é todos os dias que se assinala a 30ª edição de um encontro académico internacional.

Estão por isso de parabéns a Universidade Católica Portu- guesa, o seu Instituto de Estudos Políticos e nele o seu notável mestre e churchilliano emérito, o Professor João Carlos Espada, que há 30 anos promove este evento.

EPF 2002 - As virtudes das democracias liberaisTendo presentes os temas abordados nas edições anteriores, há um traço indelével, uma preocupação constante que as atravessa: a defesa e a militância pelos valores da democracia liberal e do Estado de Direito democrático. Não é por isso de estranhar o tema da edição deste ano, “Confronting the Authoritarian Challenge”. Não se trata de uma opção conjuntural, de momento, mas de uma opção natural e consistente com aquele que já é o legado do Instituto de Estudos Políticos. Estudar e debater de que forma devemos fazer face aos desafios dos chamados autoritarismos, ou populismos autoritários, e promover as virtudes das democracias liberais e a sua afirmação no mundo em mudança, o que constitui um dos maiores desafios do nosso tempo para nós, democratas.

Já o era antes da pandemia e da guerra, por razões internas e por razões externas.

Por razões internas, e vou apenas referir rapidamente algumas, a crise óbvia em inúmeros sistemas partidários e de parceiros sociais europeus; a crise, também óbvia, na legitimação e na representação política nalguns deles; a crise ainda mais óbvia no enquadramento dos novos meios de comunicação social de massas, nomeadamente os digitais; a crise na percepção e enquadramento das novas formas de contestação social inorgânica que não cabem nos parceiros existentes.

Mas há também razões externas ou, se quiserem, semi-internas e semi-externas. A conjugação destas crises europeias com os sinais de crise no sistema político norte-americano, e sobretudo no seu relacionamento com os aliados europeus durante a anterior administração presidencial. A convergência objectiva entre esse afastamento entre a administração presidencial norte-americana anterior e a União Europeia e os sistemas políticos europeus e mesmo acções de conforto a populismos europeus por parte de sectores americanos, a convergência disso com a atenção russa na ciber-intervenção e no apoio a posições anti-sistémicas na Europa marcou quatro anos da vida que todos nós vivemos, e com efeitos até hoje. A confluência das causas políticas com as crises económicas e sociais de 2008 a 2015. A diluição da visão do adversário estratégico principal na NATO, passou a ser mais depressa ISIS ou DAESH e não Federação Russa. A lentidão a integrar a China e o seu papel no Conselho Estratégico da NATO. Tudo isto, e mais uma lentidão em assumir, mas assumir mesmo, a relevância do flanco sul da NATO e das relações com outros continentes, começando por África, criou o contexto em que ocorreram a pandemia, primeiro, e a eclosão da guerra na Ucrânia por virtude da invasão pela Federação Russa. Tudo isto permitiu ainda à China prosseguir a sua estratégia económica global, e à Federação Russa precipitar a sua reafirmação como potência mais do que regional como aconteceu com a invasão violadora da ética e do Direito na Ucrânia.

O que é o essencial? A nossa resistência, como democracias, perante desafios longos, complexos, desgastantes, de grande exigência ética

EPF 2002 - As virtudes das democracias liberaisA pandemia revelou fraquezas globais, mas também os limites das autocracias e das ditaduras para as prevenirem, dominarem e rearrancarem economicamente. A guerra tem testado a capacidade de unidade europeia, de unidade transatlântica, de partilha com outros continentes, de persuasão nas opiniões públicas, de superação da fadiga, da lassidão, da indiferença, perante os valores e princípios, a capacidade de resposta e a sustentada legitimação nas democracias em que vivemos. Este teste, e nomeadamente o teste da guerra, teve resultados iniciais muito promissores. Mas ainda está em curso, em curso militar, curso político, curso diplomático, curso económico, financeiro e social. O mais difícil provou bem, mas o essencial ainda está por provar. O que é o essencial? O essencial é a nossa resistência, como democracias, perante desafios longos, complexos, desgastantes, de grande exigência ética e institucional, de legitimação sustentável, de não desmobilização em face dos custos económicos, financeiros e sociais. Este é o teste mais difícil, e é aquele que temos ainda por diante. Maior teste não poderia existir para todos em todo o mundo, mas sobretudo para todos os que vivem no mundo democrático que é o nosso. Defender e promover a democracia agora é muito mais do que teorizá-la, estudá-la, reforçá-la institucionalmente, travar as ofensivas imediatas, conter as subsequentes, ir mais longe na ciberdefesa ou nos proxys. É tudo isso, mas muito mais. É lutar para não perder nas armas a luta pelos valores. Mas também é não perder nas almas, porque só ganha verdadeira e sustentadamente nas armas quando se ganha nas almas. E tudo isto em tempo útil, e sabendo que há mais mundo do que aquele que nos habituámos a ter como definitivamente conquistado.

Em democracia, como em tudo na vida, nada está definitivamente conquistado. Por isso este vosso encontro de hoje é, permito-me dizer-vos, talvez um dos mais importantes dos últimos 30 anos. Tenho a certeza de que o sabem. Agradeço que o tenham tido, como sempre, em Portugal. O oceano e os seus horizontes inspirarão certamente o limiar da vossa ambição.


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