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Democracia é moderação

Marcelo Rebelo de Sousa

Marcelo Rebelo de Sousa

Presidente da República Portuguesa

A democracia tem a virtude de se ajustar às diferentes situações económicas, sociais, culturais e políticas. É por isso que lutamos pela democracia. É por isso que estamos tão agradecidos à Universidade Católica e ao seu Instituto de Estudos Políticos.

Magnífica Reitora da Universidade Católica Portuguesa, Senhor director do Instituto dos Estudos Políticos da Universdade Católica Portuguesa, Senhora vereadora Joana Balsemão representando o presidente da Câmara Municipal de Cascais, Carlos Carreiras, Senhores embaixadores, professores, convidados, caros alunos.

Caros alunos, senhoras e senhores. É para mim um prazer fazer este discurso na Sessão de Abertura deste Estoril Political Forum, que conta com o patrocínio da Presidência da República. O facto de não estar fisicamente presente e sim a falar com vocês através das tecnologias que nos per- mitem manter um mínimo de normalidade, ilustra de uma forma muito impressionante os tempos difíceis que vivemos, em tantos países do mundo, por tanto tempo.

O Fórum, organizado pelo professor João Carlos Espada, chega agora às 28 edições. Uma jornada que começou em 1993, sempre em renovação, trazendo valor ao debate sobre política e relações internacionais. A pandemia que mudou nossas vidas – que está a mudar as nossas vidas – incita uma reflecção urgente sobre a forma do mundo em que viveremos pós- -pandemia, tanto a nível internacional como nacional. Este encontro é, portanto, mais oportuno do que nunca.

Permitam-me saudar a professora Isabel Capeloa Gil por esta nova prova da vitalidade da Universidade Católica. Quero agradecer sobretudo ao professor João Carlos Espada, um notável professor, pensador e mentor, e artífice do Instituto e destes Encontros. À vereadora Joana Balsemão, presente em nome do presidente da Câmara de Cascais Carlos Carreiras, uma palavra de agradecimento. Tenho muito orgulho de morar em Cascais. E estou muito orgulhoso que Cascais seja o anfitrião deste Fórum há dez anos. Obrigado. Estoril e Cascais são uma zona de grande beleza e potencial.

Obrigado também aos professores e investigadores, alguns vindos de longe. Enriquecem com a sua presença o debate e reflexão que nestes dias terão lugar.

Nada disto, porém, faria sentido sem os alunos.

Como disse na semana passada em Bruges, no Colégio da Europa, inauguran- do o ano de Mário Soares como “patrono académico”, a construção de um mundo melhor está nas nossas mas sobretudo nas vossas mãos, através de uma maior união e solidariedade.

O tema deste ano aborda as ameaças às democracias liberais, sublinhado si- multaneamente a importância da coope- ração entre a União Europeia e as nações liberais. Seja internamente, nos seio dos nossos países, onde o Estado de Direito é ameaçado todos os dias, seja no panorama internacional com a ideologia soberanista ou anti-globalização em ascensão, ou en- frentando o poder das chamadas potências iliberais. Apenas uma forte aliança dos antigos valores de liberdade, democracia e dignidade humana nos permitirá resistir aos perigos iminentes. A forma como a demo- cracia liberal responde aos novos desafios autoritários dependerá da resiliência e da coerência de cada um de seus elementos.

No que diz respeito ao caso português, começaria por dizer que temos de reforçar a dimensão europeia nas nossas relações internacionais, preservando os valores e princípios que sempre guiaram o processo de integração europeia. Nunca devemos esquecer que as chamadas democracias iliberais não são democracias. Tal coisa não existe. As democracias ou são liberais ou não são democracias.

Isso deve ser feito, integração euro- peia em liberdade, mas sem prejudicar as relações com o Reino Unido, o nosso mais antigo aliado de há séculos, e que se encontra numa situação compreensível. Agindo no seu legítimo direito, decidiu sair da União Europeia. No entanto ainda é, e mais do que nunca, um membro valioso das democracias liberais. Um aliado em termos geopolíticos, militares, económicos, financeiros e sociais.

Em 1953, Winston Churchill afirmou que o país estava com a Europa, mas não depen- dia dela. Que estava interessado e associado, mas não absolvido. Assim o seja, para o bem da prosperidade e da segurança de milhões de europeus. Tentemos fazer o que for pos- sível e necessário para construir acordos que evitem a tentação do distanciamento, e a não convergência dos caminhos geopolí- ticos, económicos e militares. Trabalhamos juntos, estamos juntos, devemos estar juntos na luta pela liberdade. A Aliança Atlântica é outro elo dessa Liga Liberal. Representa o compromisso da Europa, dos Estados Unidos e das povos livres do mundo com a liberdade, o Estado de direito e a dignidade humana. Esperemos que os próximos anos nos permitam fortalecer laços que se fazem de valores e ideias, mas também de empatia e compreensão mútua entre povos e líderes. É muito importante que essa empatia, essa cooperação, não sejam apenas sobre estados, mas sobre pessoas. Sobre universidades. Sobre actividade económica e social. Sobre cultura. Sobre líderes.

Democracia é moderaçãoEste é também um mundo em que não posso esquecer o lugar especial que a Lusofonia tem para Portugal. Estamos presentes enquanto comunidade nos dois lados do Atlântico. Estamos presentes um pouco por todo o mundo, e fico feliz que esta dimensão tenha um lugar nos debates que se seguem. Que se pense numa estraté- gia Atlântica mais ampla - não apenas no Atlântico Norte, mas também no centro e no Sul. Da mesma forma, ao falarmos da NATO, estamos a falar sobre o flanco Norte e Este, mas também sobre o flanco Sul. Sobre o Mediterrâneo. Sobre o este próximo. Sobre o Médio Oriente. Sobre o Norte de África.

A forma como a democracia liberal responde aos novos desafios autoritários dependerá da resiliência e da coerência de cada um de seus elementos

Mas há uma inquietação que passa por este Forum, e irei abordá-la para concluir:

Estará a nossa democracia, aquela em que acreditamos, em perigo neste início de século XXI? A resposta não é nem muito optimista nem muito sombria. Estará, sim, se nada fizermos. Mas a democracia é o resultado de um processo, de uma evolução que levou séculos para amadurecer, num confronto constante entre novas ideias e temperamentos e o sofrimento e sacrifícios de muitos seres humanos. A democracia é prezada por milhões de pessoas que sabem que esta pode entrar em colapso na vertigem de um ano preenchido por desafios autoritários, uma pandemia global e propostas e soluções radicais aparentemente milagrosas. Precisamos de uma abordagem moderada à democracia. Democracia é moderação.

A democracia é, por definição, não radical. Pluralista, mas nunca radical. Isto exige, naturalmente, que trabalhemos e lutemos por mudanças nas nossas democracias. Mudanças em sistemas partidários desactualizados e parceiros económicos e sociais. Mudanças na capacidade de lidar com as formas mediáticas e inorgânicas de democracia. Mudanças na evolução das gerações mais jovens. A democracia é sobre o futuro, não do passado. É preciso que o passado esteja reflectido no presente, no futuro. Mas democracia significa futuro, não passado. Significa enfrentar as necessidades concretas de tantos cidadãos, tentar não adiar decisões e cumprir promessas sérias. Se queremos fortalecer a democracia, devemos fortalecer os sistemas de partidos políticos, parceiros económicos e sociais, instituições políticas, diálogo, participação, compreensão mútua, moderação - é disso que precisamos.

E depois então abordar os os sonhos de tantos milhões em todo o mundo. Precisamos de fazer isso, e de o fazer depressa. Independentemente de tudo eu sou por essência optimista relativamente à democracia. Porque qualquer forma de democracia - não a iliberal porque essa não é democracia -, mesmo uma democracia liberal com imperfeições, é sempre melhor do que a melhor ditadura. Uma ditadura depende de um homem, de um partido, de um grupo de homens e mulheres e de um regime totalitário ou autoritário - não durará para sempre. Não vai durar para sempre! A democracia tem a virtude de se ajustar às diferentes situações económicas, sociais, culturais e políticas. É por isso que lutamos pela democracia. É por isso que estamos tão agradecidos à Universidade Católica e ao seu Instituto de Estudos Políticos, assim como aos oradores e estudantes por esta oportunidade única de debater as condições que permitirão que a democracia liberal perdure. Obrigado cara Reitora, obrigado caro Professor João Carlos Espada, obrigado Cascais. Vale a pena morar no concelho que recebe este fórum. Muito obrigado.


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