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Uma plataforma de articulação à escala global

António Costa

António Costa

Primeiro-Ministro de Portugal

Aquele que tem de ser o objetivo principal da Presidência Portuguesa é concretizar os instrumentos de resposta que as instituições europeias criaram para esta crise.

Senhora Reitora da Universidade Católica Portuguesa, Senhor Professor João Carlos Espada, Meu caro Dr. José Manuel Durão Barroso, Senhores Professores, Caros alunos,

Quero começar por agradecer este convite da Universidade Católica, uma instituição que muito tem feito ao longo de décadas pela formação, pela reflexão, pelo debate, e que tem sido incansável no esforço de continuamente se atualizar e contribuir para o reforço das capacidades de formação do País.

A mais recente iniciativa, a criação de uma Escola Médica em cuja consumação tive o gosto de poder colaborar é indiscutivelmente um dos contributos mais relevantes para podermos aumentar o esforço nacional de formação qualificada de recursos na área da Medicina.

É uma Universidade a que me liga, também, um laço pessoal, visto que tive oportunidade de aqui, no longínquo ano letivo de 1985/86, frequentar um dos primeiros cursos de Estudos Europeus, na vertente Jurídica, num momento empolgante e apaixonante quando estávamos a entrar, precisamente, para a então Comunidade Económica Europeia e em que o país via finalmente concretizar-se aquela esperança que tão bem estava caracterizada na canção dos GNR “Queremos ver Portugal na CEE”. Era um momento de abertura, de esperança e de convicção, não só da consolidação da nossa democracia, das nossas liberdades, mas também da abertura de uma senda de progresso.

E a verdade é que, todos estes anos volvidos, uns melhores, outros piores, é indiscutível a mudança que o País teve, fruto da sua participação no projeto europeu, em todos os domínios. Aqueles que não tiveram a oportunidade de viver esses tempos teriam mesmo dificuldade em reconhecer esse país, que já não era a preto e branco - porque a televisão já era a cores -, mas que era verdadeiramente um país muito distante do resto da Europa.

Em segundo lugar, queria agradecer muito as palavras quer da Senhora Reitora quer do Dr. José Manuel Durão Barroso, e agradecer a gentileza que teve em vir de Londres, até aqui, para poder participar nesta Conferência, neste diálogo e pelas palavras que aqui disse. Nunca será de mais recordar que o Dr. Durão Barroso é o português que mais se distinguiu, no conjunto das instituições europeias, pelas funções que desempenhou como Presidente da Comissão e aquele que, além de Jacques Delors, foi até agora o único Presidente da Comissão que foi reeleito para um segundo mandato. Em tempos que foram também muito difíceis, muito exigentes, em que ser Presidente da Comissão não foi seguramente tarefa fácil. E o facto de ter sido eleito e reeleito para um longuíssimo mandato de 10 anos diz muito das suas qualidades enquanto estadista, enquanto político e enquanto europeísta.

O momento desta Presidência é um momento, como aqui recordou o Dr. Durão Barroso, muito especial.

Esta Presidência vai ter duas diferenças muito importantes relativamente às anteriores presidências portuguesas.

A primeira decorre da alteração institucional profunda introduzida pelo Tratado de Lisboa, que faz com que a Presidência rotativa tenha agora de se compatibilizar com as funções de um Presidente permanente do Conselho Europeu. Tive oportunidade de participar na Presidência Portuguesa de 2000, enquanto Ministro da Justiça, e ainda de preparar a Presidência Portuguesa de 2007, enquanto Ministro da Administração Interna, e vejo bem a diferença em relação a este novo quadro institucional.

E, obviamente, uma segunda diferença, que se prende com o facto de estarmos a viver uma situação de pandemia, o que coloca todo o Programa da Presidência numa situação de contingência. Desde logo, quanto aos eventos, visto que tanto podemos ter uma Presidência essencialmente por videoconferência, como foi a última Presidência Croata, como uma Presidência intermitente entre os momentos presenciais e os momentos de videoconferência, como tem sido esta Presidência Alemã.

Ocorre, porém, num momento também muito especial que esperamos ser auspicioso no quadro de oportunidade para um novo relacionamento transatlântico.

Sobretudo no que diz respeito a voltarmos a ter um aliado determinante no combate às alterações climáticas, visto que o Presidente-eleito Biden assumiu o compromisso de, no primeiro dia da sua Presidência, fazer com que os Estados Unidos regressem ao Acordo de Paris.

Mas indiscutivelmente também numa nova visão sobre o multilateralismo e a sua importância, através da valorização do papel de organizações como as Nações Unidas, ou como a Organização Mundial de Saúde, e esperemos que também de um novo relacionamento em duas áreas mais difíceis: a segurança e a defesa, particularmente o relacionamento no quadro da NATO, e também, como aqui referiu o Dr. Durão Barroso, na área comercial. Estamos cientes que as Presidências democratas não têm sido particularmente cooperantes no âmbito do relacionamento comercial com a Europa. É natural que cada bloco económico tenha os seus interesses próprios e os queira defender, mas esperemos que o quadro de relacionamento que vier a existir seja mais favorável, menos conflituoso, que permita avançar e retomar um diálogo comercial que é absolutamente imprescindível.

Uma plataforma de articulação à escala globalAquele que tem de ser o objetivo principal da Presidência Portuguesa é concretizar os instrumentos de resposta que as instituições europeias criaram para esta crise

Outro elemento muito importante tem que ver com aquilo que hoje começa a poder ser um quadro de confiança de que no primeiro semestre do próximo ano o mundo passará a dispor de uma vacina para responder à atual pandemia.

O Dr. Durão Barroso, agora na sua nova capacidade de Presidente da Aliança Global para a Vacinação, tem hoje responsabilidades importantes em todo este processo, que será seguramente um desafio da maior relevância e muito exigente, desde logo do ponto de vista logístico, no que se refere à distribuição da futura vacina, a todo o plano de vacinação e ao seu efetivo sucesso.

Vai ser um processo difícil, seguramente incerto, mas apesar de tudo podemos hoje corrigir um pouco os tempos verbais da formulação de Winston Churchill de novembro de 1942, e dizer hoje que a vacina não é seguramente, não será ainda, o fim desta pandemia, pode até não ser sequer o princípio do seu fim, mas é, seguramente já o fim do princípio desta crise pandémica.

Estas pequenas alterações verbais expressam no fundo a confiança reforçada que podemos ter. Essa confiança é chave para podermos enfrentar não só a crise pandémica, mas também as suas consequências económicas e sociais. Porque mesmo antes de atingirmos o grau de imunização de 70%, que é necessário para termos uma imunização coletiva, a verdade é que o facto de existir a vacina e de ela provar a sua eficácia devolve a toda a humanidade uma confiança e uma segurança relativamente às perspetivas de que há, efetivamente, uma luz ao fundo do túnel e que o túnel tem mesmo um fim.

O próximo mês vai ser, por outro lado, também decisivo, ainda para podermos clarificar o quadro em que se iniciará a nossa Presidência.

Iniciaremos esta nossa Presidência já com o novo Acordo com o Reino Unido e, portanto, com um pós-Brexit menos traumático, ou iniciaremos a nossa Presidência com um momento dramático logo no primeiro dia com um bloqueio de fronteiras entre a União Europeia e o Reino Unido?

Iniciaremos a nossa Presidência já com o novo Quadro Financeiro Plurianual e o Mecanismo de Recuperação e Resiliência devidamente aprovados? Ou ainda perante o impasse da divergência e de um bloqueio, infelizmente não por dois, mas por três Estados-Membros - porque para além da Hungria e da Polónia também a Eslovénia se juntou a esse bloco que impede a aprovação final desses instrumentos?

Creio que temos boas razões para ter confiança no trabalho que a Presidência Alemã está a desenvolver. Temos sobretudo boas razões dada a enorme experiência e capacidade da Chanceler Merkel para poder levar a bom porto estas duas negociações finais, e podermos entrar na Presidência Portuguesa também com estas duas peças fundamentais já devidamente consolidadas.

Em qualquer dos casos, aquele que tem de ser o objetivo principal da Presidência Portuguesa é concretizar os instrumentos de resposta que as instituições europeias criaram para esta crise.

Gostava de salientar que a resposta inicial das instituições Europeias a esta crise foi exemplar. Desde logo, o Banco Central Europeu, que não hesitou em tranquilizar o mercado em relação à estabilidade financeira necessária para todos os Estados-Membros. Mas também a forma como a Comissão respondeu rapidamente, flexibilizando o Pacto de Estabilidade e Crescimento, flexibilizando as regras em matéria de política de concorrência, e a iniciativa de lançar um novo Programa de Recuperação e Resiliência, que permitiu ao Conselho Europeu em julho dar um passo histórico e autorizar a Comissão a fazer uma emissão conjunta de dívida para financiar um programa que desse uma resposta robusta a esta crise.

Este é o quadro. Foi assim que começámos. Agora há que concretizar.

Não gostaria de vos maçarNão gostaria de vos maçar com todas as prioridades da Presidência Portuguesa e com a apresentação exaustiva do Programa da Presidência Portuguesa. Há, contudo, quatro aspetos fundamentais que me parece importante sublinhar, porque, não obstante o novo quadro institucional, é indiscutível que é dever de cada uma das Presidências procurar deixar uma marca relativamente àquilo que é o trabalho e a orientação estratégica definida pela União Europeia. É nesse âmbito que os Trios da Presidência se organizam e que nós nos organizámos com a Presidência Alemã e com a próxima Presidência Eslovena, e também com o próximo Trio, a quem temos de ir começando a preparar a transmissão de testemunho.

O primeiro aspeto a que a nossa Presidência dará prioridade é pôr em execução o conjunto de instrumentos que a União criou para a recuperação económica. Isto tem, em primeiro lugar, uma dimensão muito exigente ligada à da aprovação dos “N” Regulamentos que são essenciais para lançar os diferentes programas do próximo Quadro Financeiro Plurianual e também do novo Mecanismo de Recuperação e Resiliência, sejam os Programas já mais conhecidos no âmbito do Fundo Social Europeu, ou no âmbito do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, mas também os novos Programas nas áreas da Saúde, da Ciência, da Educação e da Cultura. Seguir-se-á a aprovação do conjunto desses mesmos Programas. Temos de ter o conjunto da regulamentação pronto ao longo do primeiro semestre de 2021, para que possamos efetivamente começar a executar este Programa muito forte de recuperação económica e social da União Europeia.

Temos também de aprovar o conjunto dos diferentes Programas Nacionais de Recuperação e Resiliência. Este é um novo mecanismo, muito interessante e exigente, que considero ser um teste fundamental àquela que será a necessidade de modernizar todo o quadro orçamental e de financiamento comunitário dentro de sete anos. Corresponde, no fundo, a um novo modelo em que a União Europeia não se limita a definir os objetivos gerais no quadro regulamentar e o envelope financeiro correspondente a cada um dos Estados-Membros, mas pelo contrário, o que se pretende é um grau suplementar de integração e de coordenação de diferentes políticas para termos não só objetivos comuns, mas também um desenho contratualizado do conjunto das reformas e dos investimentos a realizar por cada Estado-Membro.

Este novo mecanismo não segue uma lógica de imposição externa, de que foi exemplo o programa da Troika, nem uma lógica na qual cada um dos países define por si os investimentos, como é a lógica tradicional dos fundos comunitários, mas uma lógica contratualizada, com objetivos concretos, calendarizados e em que cada tranche de financiamento depende da execução desses compromissos que cada Estado-Membro assume para com os outros.

O segundo aspeto refere-se a toda a estratégia que a União Europeia definiu para reforçar a autonomia estratégica da Europa no quadro das cadeias de valor globais.

Este é um debate anterior à crise da COVID-19, mas que esta crise claramente tornou prioritário. A Europa não pode estar totalmente dependente do fornecimento de bens essenciais produzidos fora do seu território. O Mundo não pode estar dependente de cadeias de valor tão extensas cujo risco de interrupção aumenta significativamente e, portanto, terá de reforçar essa sua capacidade de autonomia estratégica. Trata-se de um debate muito exigente.

Exigente porque implica uma nova visão sobre a política industrial, sobre a política económica, sobre a política comercial. E temos de ser capazes de, simultaneamente, ter esta visão de autonomia estratégica, sem comprometer aquilo que é a visão tradicional da Europa sobre o conjunto destas políticas. Em primeiro lugar, queremos autonomia estratégica, mas ela não pode assentar numa visão protecionista e de rutura com aquilo que deve ser o comércio à escala global. Deve significar que a Europa tem de fazer um esforço suplementar para ser mais competitiva e depender menos dos outros, mas não numa lógica protecionista.

Adicionalmente, a Europa tem de ter uma política de concorrência mais ágil. Uma política de concorrência que não pode assentar na criação de grandes campeões europeus que reforçam e acentuam as assimetrias e a falta de coesão no interior da União Europeia, mas, pelo contrário, que compreende que sendo esta uma união de Estados, tem tudo a ganhar com a valorização de cadeias descentralizadas de inovação e de produção, não permitindo a criação e a fusão de dois ou três grandes grupos industriais para cada um das áreas fundamentais, mas, pelo contrário, desenvolvendo missões ou redes que funcionem à escala europeia, quer no domínio da I&D, quer no da produção. E é por isso é muito importante que países como Portugal recuperem a sua centralidade no contexto europeu, inserindo-se nestas redes ao nível da investigação e como da produção.

Uma plataforma de articulação à escala globalSe queremos combater com eficácia esta deriva populista temos de atacar o problema na sua raiz e isso significa reforçar a confiança das pessoas para combater o medo e aí, a dimensão social da Europa é absolutamente fundamental

Estas duas visões marcarão aquilo que será o futuro da Europa. Passaremos a ter, por exemplo, um grande produtor de comboios, para assegurar a prioridade dada à ferrovia à escala europeia, ou deveremos conseguir mobilizar o conjunto das indústrias europeias, o conjunto de Centros de Investigação na Europa para poder multiplicar os centros de produção de comboios? O mesmo se pode dizer relativamente à transição para a mobilidade elétrica, ou relativamente à investigação fundamental na área da Saúde. Estas duas visões não são inócuas nem fáceis de conciliar e seguramente marcarão um debate importante ao nível europeu.

O terceiro aspeto refere-se à necessidade de criar as condições para que a Europa assegure a liderança na dupla transição que definiu como devendo ser o vetor-motor desta recuperação económica: a transição climática e a transição digital. Nesse contexto, existe um conjunto de instrumentos de política que visam concretizar estas duas prioridades que terão de ter um avanço significativo durante a nossa Presidência.

É esse o caso da execução do Pacto Ecológico Europeu e da discussão e desejável aprovação da nova Lei do Clima, que reforce a ambição europeia para as metas a alcançar até 2030 na área da descarbonização.

É, também, o que se passa no domínio da Transição Digital, com o Plano de Ação para a Educação Digital, a Estratégia Eu- ropeia de Dados e o desenvolvimento do Livro Branco sobre a Inteligência Artificial. Se a Europa quer efetivamente ter uma posição liderante nesses domínios, não se pode distrair.

Portanto, a regulamentação dos próximos instrumentos financeiros, a definição das políticas fundamentais para afirmar a estratégia e o desenvolvimento da política que permita à Europa ser liderante nos dois vetores que definiu como motores da sua recuperação económica, assente no combate às alterações climáticas e na aceleração da transição digital, são a primeira marca da nossa Presidência. Uma Presidência de ação para concretizar os objetivos estratégicos da União.

A segunda marca importante da nossa Presidência tem que ver com o desenvolvimento e a consolidação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

Em 2017, a Suécia organizou, com a participação das instituições europeias e dos parceiros sociais de todos os Estados-Membros, uma grande cimeira em Gotemburgo para a aprovação dos princípios gerais do Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

A nós, enquanto Presidência, cabe-nos dar o passo seguinte. O passo seguinte é, em primeiro lugar, em concertação com a Comissão Europeia, a apresentação já em fevereiro pelo Comissário Nicolas Schmit do Plano de Ação para o desenvolvimento do Pilar Social. O objetivo é passar dos princípios para um verdadeiro plano de ação, cujo debate e consolidação queremos que se desenvolva na nossa Presidência. Para isso vamos organizar a 7 e 8 de maio, na cidade do Porto, o evento central da nossa Presidência: a Cimeira Social e o Conselho Informal sobre o Pilar Social.

No dia 7 iremos juntar – esperemos que haja condições para o poder fazer – na cidade do Porto, os parceiros sociais europeus, a sociedade civil europeia, os diferentes Estados-Membros, as diferentes instituições europeias, para assinar, em conjunto, um compromisso político sobre o desenvolvimento do Pilar Social. E no dia seguinte, no Conselho Europeu Informal, que terá lugar também no Porto, aprovar a Declaração do Porto sobre o Pilar Social.

Qual a visão que temos sobre o Pilar Social?

Uma plataforma de articulação à escala globalA primeira é a seguinte: é que indiscutivelmente o modelo social europeu é o fator de distinção da Europa à escala global. Foi decisivo na recuperação do pós-guerra, mostrou ser vital na forma como a Europa tem enfrentado esta pandemia da COVID e tem de ser a base da confiança do conjunto da sociedade na transição climática e na transição digital. Todos acreditamos nestas transições, mas convém não ignorar que estas têm custos. Têm custos económicos e sociais que implicam mutações efetivas na sociedade e nas vidas dos cidadãos. Todos vimos como as primeiras medidas que o Presidente Macron adotou, em França, em matéria fiscal, para alterar o paradigma daquilo que é a força motriz da mobilidade tiveram o efeito de desencadear todo o movimento dos coletes amarelos.

Sabemos bem que há uma enorme angústia sobre o futuro do trabalho tendo em conta a transição digital. Nesta revolução industrial, mais uma vez, vamos ter mais postos de trabalho criados do que destruídos, mas seguramente os novos postos de trabalho não serão os mesmos que aqueles que serão destruídos e porventura não serão destinados às mesmas pessoas que ocupavam os postos de trabalho que deixarão de existir. Esta nova realidade suscita na sociedade uma profunda angústia e o medo que tem sido um pasto importante para o florescimento do populismo e das novas correntes geradas nas suas vertentes

Se queremos combater com eficácia esta deriva populista temos de atacar o problema na sua raiz e isso significa reforçar a confiança das pessoas para combater o medo e aí, a dimensão social da Europa é absolutamente fundamental e pode ser decantada em três objetivos muito importantes:

  1. reforçar as qualificações para capacitar todos para a participação neste processo de transição climática e digital;
  2. investir mais na inovação para melhorar a competitividade das empresas e assegurar a sua participação, em particular das pequenas e médias empresas em toda a Europa, nesta transição digital e climática;
  3. reforçar a proteção social para garantir a todos que ninguém fica para trás neste processo de transformação climática e digital. Por isso, vemos o Pilar social sobretudo como uma base de confiança social para podermos acelerar e impulsionar estas duas transições climática e digital e essa será seguramente a terceira marca importante desta Presidência.

O quarto aspeto refere-se ao contributo de Portugal para uma Europa global. Portugal caraterizou-se sempre na Europa por não deixar de ser na Europa aquilo que a sua História permitiu ou o forçou a ser: uma plataforma de articulação à escala global. É curioso aliás que este ano de 2020, em que a COVID nos marcou e impôs o encerramento global das fronteiras, era também o ano em que iríamos celebrar o quinto centenário da primeira viagem de circum-navegação. Mas a verdade é que essa é uma marca da nossa identidade histórica, da nossa identidade nacional, que temos emprestado com sucesso à União Europeia.

Uma plataforma de articulação à escala globalUma Europa que quer ter maior autonomia estratégica, mas que não acredita no protecionismo e que, pelo contrário, valoriza a regulação do comércio livre à escala global

Foi por isso que nas Presidências anteriores de Portugal se fizeram as duas primeiras cimeiras União Europeia-África, a primeira Cimeira União Europeia-Índia e a primeira Cimeira com o Brasil. Essa é uma marca fundamental da nossa visão de estar na Europa e da nossa visão sobre a forma como a Europa deve estar no mundo.

Simbolicamente, haverá um momento muito importante, que será a amarração em Sines do novo cabo submarino, o EllaLink, que ligará o continente europeu ao continente sul-americano, um evento que será presidido pela Presidente da Comissão Europeia, em junho. A amarração marcará simbolicamente aquela que é e tem sido sempre a função tradicional de Portugal como plataforma de articulação com os outros continentes.

Mas para além destes elementos simbólicos há uma visão que a Europa tem de ter. A Europa tem de ajudar a contrariar um novo mundo bipolar.

A Europa tem de ajudar a valorizar um mundo que seja multipolar e, por isso, as relações da Europa com a América Latina, seja nas difíceis negociações com o Mercosul, seja com a assinatura do Acordo comercial com o México ou do Acordo de Associação com o Chile são elementos fundamentais.

O desenvolvimento das relações e, espero, a conclusão dos acordos comerciais com a Austrália e com a Nova Zelândia, ou a abertura de negociações para um primeiro acordo comercial com Marrocos serão momentos importantes para afirmar esta visão de uma Europa que quer ter maior autonomia estratégica, mas que não acredita no protecionismo e que, pelo contrário, valoriza a regulação do comércio livre à escala global.

Reconhecemos o facto, e a visão também, de que a Europa tem de ter uma política de vizinhança. Por isso, a Cimeira da Parceria Oriental é essencial para sinalizar que mesmo um Estado do Sul da Europa, como Portugal, não ignora que a Europa tem outras fronteiras e vizinhanças com quem temos de estabelecer e desenvolver um bom relacionamento.

Temos também a assinatura do novo acordo de parceria com África, Caraíbas e Pacífico, o primeiro acordo pós-Cotonou, que será assinado durante a nossa Presidência.

No que respeita às relações externas da União Europeia, deparar-nos-emos, ainda, com dois momentos, um incerto e um certo. O momento incerto é que, se até lá não for possível concretizar, iremos, espero, realizar no próximo semestre um encontro presencial alargado entre os líderes da União Africana e da União Europeia, dos diferentes Estados Africanos e dos diferentes Estados da União Europeia, que não se pôde realizar até agora na Presidência Alemã. Temos uma relação não só de vizinhança geográfica, mas também de proximidade cultural e um relacionamento histórico muitas vezes traumático com os países africanos, mas seguramente este eixo euro-africano é fundamental para o mundo do futuro se não quisermos que esse mundo seja um mundo exclusivamente bipolar.

Temos aqui uma oportunidade de reforçar essas relações, especialmente agora que a União Africana assinou um acordo de comércio livre no continente africano que gera novas oportunidades de relacionamento entre estas duas zonas comerciais, o nosso Mercado Interno e o futuro mercado interno do continente africano.

E, por fim, o evento que será a joia da coroa da nossa Presidência em matéria de política externa, a realização da Cimeira de todos os Líderes europeus com o Primeiro-Ministro Narendra Modi, a 8 de maio, também no Porto, sendo o primeiro encontro de todos os Líderes europeus com o Primeiro-Ministro indiano. É um encontro que considero da maior importância para que a Europa enfatize a importância do relacionamento com toda a região do Indo-Pacífico, mas também para que esse relacionamento possa ser diversificado entre as diferentes potências que existem nessa região. A China, indiscutivelmente, mas também as demais. O Japão, com quem já temos um importantíssimo acordo comercial, mas seguramente a Nova Zelândia e a Austrália, com quem nos encontramos a negociar acordos comerciais. E ainda a Índia, que é seguramente um dos grandes países do futuro e a maior democracia à escala global que temos de valorizar e com quem temos de ter um relacionamento cada vez mais estreito, designadamente pelo contributo que podemos dar em conjunto a todas as componentes fundamentais do processo de transição digital e climático, em particular tudo o que tem que ver com o desenvolvimento da inteligência artificial, da ciência de dados, da supercomputação e todos os outros domínios em que a Europa e a Índia podem desenvolver uma aliança muito estreita para o futuro.

Por fim, e porque cada Presidência naturalmente dá sequência às Presidências anteriores e prepara as seguintes, terá início na nossa Presidência uma iniciativa que se irá desenvolver até à Presidência Francesa, já no próximo Trio, que é a Conferência sobre o Futuro da Europa. Existe já um grande debate sobre o que deve ser a Conferência sobre o Futuro da Europa. Deve focar-se sobretudo na revisão de tratados ou na definição daquilo que deve ser a ambição coletiva dos Estados-Membros para o futuro da União Europeia?

Julgo que o Tratado de Lisboa não será seguramente o ponto final da nossa União, mas é sem dúvida uma base suficientemente versátil para permitir evoluções diversas, sem necessidade de profundas reformas institucionais no quadro dos Tratados. Creio que os Europeus precisam menos de reformas de Tratados e mais de respostas em função dos Tratados aos problemas reais que temos pela frente.

Há hoje, também, um debate de fundo no seio da União Europeia que penso que temos de incentivar e não evitar que exista. E esse grande debate é, na minha opinião, menos um debate em que devamos ter uma visão regionalizada, como no passado se fez erradamente entre Norte e Sul e agora se quer reabrir entre Leste e Oeste ou outras caracterizações regionais.

A verdadeira dicotomia que hoje existe na União Europeia, e que se expressa em debates como o do Estado de Direito, da política de migrações ou das formas como se desenvolve e traduz a solidariedade em momentos de crise económica e social, como aquela que estamos a viver, é no fundo o debate entre duas visões que hoje perpassam nos diferentes países da União Europeia e que não devemos desvalorizar por se tratar de um debate essencial sobre saber se a União Europeia é sobretudo uma União de valores, que se funda em valores fundamentais ou se, pelo contrário, a União Europeia é sobretudo um instrumento económico para gerar valor económico.

Esta distinção é muito importante porque foi a incompreensão da mesma que levou em grande medida à saída do Reino Unido, que via na União Europeia sobretudo uma plataforma económica de geração de valor, mas não propriamente um projeto do qual resultasse uma partilha comum de valores fundamentais, e hoje, temos que o assumir, muitos Estados-Membros interrogam-se sobre o futuro da União à luz dessas duas visões para a Europa.

Alguns são até fundadores do projeto europeu, mas eram menos visíveis ou menos vocais, porque seguiam na onda do Reino Unido e hoje, sem o Reino Unido, estão mais expostos porque têm de ser eles agora a assumir essa visão que o Reino Unido anteriormente tinha no seio do Conselho Europeu. De facto, com a saída do Reino Unido deixámos de ter um Reino Unido a defender aquelas posições e passámos a ter vários Estados-Membros a defender as posições que antes só o Reino Unido defendia, aparentemente de forma isolada.

E estes países não são nem mais nem menos democráticos do que os outros, não são mais nem menos europeístas do que os outros. Alguns são países fundadores, outros são países membros muito ativos da União Europeia e dificilmente conceberíamos a União sem eles. Mas a verdade é que têm hoje uma visão sobre o futuro do que deve ser a União porventura distinta da que tinham quando avançámos para a criação desta União Europeia e temos de nos interrogar se a melhor forma é a rigidez da sua implementação ou se devemos efetivamente olhar para a União Europeia com um espírito de maior flexibilidade e assumindo que, tal como Schengen não é para todos, tal como o euro não é para todos, temos de porventura ter geometrias variáveis sobre o futuro da União Europeia.

Uma plataforma de articulação à escala globalMuito seria impossível sem a União Europeia e por isso, temos de acreditar que esta União tem futuro e trabalhar para assegurar um futuro de prosperidade partilhada com base nesta União

Mas a dicotomia expressa-se também, aí de uma forma mais dramática, relativamente a valores que são fundamentais, o que leva a compreender que de facto a diversidade cultural da Europa é uma realidade. Eu já não participei na Presidência Portuguesa de 2007, mas preparei-a como Ministro da Administração Interna e um dos seus grandes momentos, o momento final a que o Dr. Durão Barroso assistiu, nos dias 22 e 23 de dezembro, foi corresponder àquela que na altura era uma das maiores ambições daqueles que então chamávamos os novos Estados-Membros. Todos os países que tinham estado durante décadas fechados e separados da Europa pela cortina de ferro e cuja maior ambição, ainda em 2007, era a abertura das fronteiras e assegurar a liberdade de circulação entre todos.

Foi o nosso projeto «SISone4all» que permitiu a abertura dessas fronteiras. Foi um momento extraordinário que começou na fronteira da Polónia com os Bálticos e terminou na fronteira da Itália com a Eslovénia com a participação do então Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, e do então Primeiro-Ministro, José Sócrates, abrindo, dia após dia, cada uma dessas fronteiras, algumas delas que tinham custado milhões de vidas em guerras terríveis, como por exemplo a fronteira entre a Alemanha e a Polónia, cumprindo aquela que na altura era uma das maiores ambições que havia em todo o Leste europeu: a abertura dessas fronteiras.

Poucos anos passados, nalguns casos com os mesmos protagonistas, a verdade é que a abertura de fronteiras deixou de ser vista como um momento de libertação e é muitas vezes vista como uma ameaça à própria segurança e à própria identidade nacional e europeia.

Este é um debate que não vale a pena iludir e que é necessário termos efetivamente para podermos avançar em bases sólidas no futuro sobre o que deve ser a União Europeia.

Quanto a Portugal, creio que não temos de ter nenhuma hesitação porque para nós, desde a origem, a adesão ao projeto europeu, mais do que uma dimensão económica, teve sobretudo uma dimensão geoestratégica e política de consolidação da nossa democracia e da nossa liberdade.

Quando, em 1977, Mário Soares apresentou o pedido de adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia não lhe passava pela cabeça saber se íamos ter moeda única ou não íamos ter moeda única. O que estava verdadeiramente em causa era consolidar a nossa democracia e a nossa liberdade. Em junho de 1985, quando foi assinado o Tratado de adesão, o que estava sobretudo em causa ainda era um projeto político de integração de Portugal num novo espaço geopolítico da Europa e, por outro lado também, a consolidação das nossas liberdades e da nossa democracia.

Uma plataforma de articulação à escala globalNum ano em que o Colégio da Europa assinala a nossa Presidência atribuindo o nome de Mário Soares à sua promoção, é ainda nesse espírito fundador da nossa adesão que nos devemos inspirar sobre o que deve ser o espírito da União e lembrar-nos que esta União antes de ser uma União Económica e Monetária, antes de ser um Mercado Comum, antes mesmo de ser uma União Aduaneira, era uma União de valores, de paz no pós-guerra, de democracia e de liberdade, que temos de saber preservar a todo o custo.

E é precisamente a olhar para estas novas gerações que o novo programa para a próxima década da União Europeia se chama Next Generation EU. E a next generation não é só a geração da ação climática, não é só a geração da transição digital. É mesmo a nova geração que vai dar corpo e assegurar futuro duradouro à União Europeia, mesmo com todas as dificuldades.

Acho que o entusiasmo com que a minha geração aqui esteve a fazer o curso de pós-graduação em 1985/86, num momento em que estávamos a aderir à Comunidade Económica Europeia, é o mesmo entusiasmo que as novas gerações devem ter em relação à construção do projeto europeu. É difícil? Seguramente é, mas muito seria impossível sem a União Europeia e por isso, aquilo que temos mesmo de fazer é acreditar que esta União tem futuro e trabalhar para assegurar e garantir um futuro de prosperidade partilhada com base nesta União.

É esta, em síntese, a visão que procuraremos marcar com a nossa Presidência.

Muito obrigado!

Discurso proferido na Universidade Católica a 23 de novembro de 2020.


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