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Ensaio - Porque as pessoas permanecem em lugares de trabalho tóxicos?

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Arménio Rego

Arménio Rego

Professor catedrático convidado Diretor do LEAD.Lab na Católica Porto Business School

Camilo Valverde

Camilo Valverde

Professor na Católica do Porto Business School, Portugal; Consultor nas áreas de Gestão de Recursos Humanos e Comportamento Organizacional




Perante a toxicidade de diversos contextos organizacionais e as respetivas consequências perversas para a saúde, discutimos razões pelas quais as pessoas permanecem em lugares tóxicos – mesmo quando poderiam abandoná-los. Apresentamos, também, algumas medidas preventivas.

Ensaio - Porque as pessoas permanecem em lugares de trabalho tóxicos?

Uma estudante de uma universidade pública portuguesa, que preparava a sua tese de mestrado, solicitou a várias empresas autorização para que alguns colaboradores respondessem a um questionário anónimo. Após autorização da chefia, as pessoas eram convidadas a responder a questões relativamente simples sobre como se sentiam no trabalho. Eis exemplos: “Sente-se otimista acerca do que lhe acontecerá no futuro?”; “Irrita-se facilmente no local de trabalho?”; “Espera que lhe aconteçam mais coisas boas do que coisas más no trabalho?”. Para assegurar o anonimato, a estudante entregava o questionário ao colaborador, e a resposta era-lhe devolvida diretamente em envelope fechado. Todavia, a estudante cometeu a imprudência indesculpável de, numa empresa, solicitar a colaboração sem proceder à entrega do envelope. Foi-lhe sugerido que lá passasse depois para recolher as respostas. Decorridas poucas semanas, recebeu uma mensagem preocupante de uma pessoa cuja “patroa” a obrigara a entregar-lhe as respostas. A vítima, que escrevia estar “com uma grande dose de nervos” e denotava grande (e compreensiva) revolta, terminava a mensagem do seguinte modo: “Não sabe que os patrões mostram boa cara e por trás lixam o subordinado? Um dia irá lembrar-se destas minhas palavras”.

O caso, grave, é suficientemente elucidativo do que pode ocorrer no mundo organizacional. A investigação mostra que a insalubridade e a toxicidade de algumas organizações podem ser altamente perversas para a saúde física e mental de quem nelas trabalha 1. Alguns locais de trabalho aumentam os riscos de mortalidade 2. As fontes dessas maleitas são múltiplas, entre as quais as seguintes 3 :

  • Relacionamentos de baixa qualidade e falta de apoio social-relacional em momentos críticos.
  • Excesso de exigências, sobretudo quando combinado com escassez de recursos.
  • Fraco sentido de controlo sobre o próprio trabalho e o sentimento de que não se é mais do que um dente da engrenagem.
  • Injustiça praticada pelas chefias e gerada pelos procedimentos e práticas organizacionais.
  • Trabalho por turnos, sobretudo quando é indevidamente estruturado e não toma em conta os ciclos biológicos dos humanos.
  • Dificuldade em conciliar o trabalho com a vida pessoal e a familiar.
  • Excesso de horas de trabalho.

Culturas agressivas e chefias abrasivas, ameaçadoras e destrutivas estão na origem deste e doutros males. Como sugeriu Bob Sutton 4 , professor na Universidade de Stanford, trabalhar para um chefe tóxico mata – literalmente. Salários miseráveis que dificultam a educação, a alimentação saudável e os cuidados de saúde são fontes igualmente nocivas. A insegurança no posto de trabalho é outra fonte de perversidade – por muito que os paladinos de algumas formas (e graus) de flexibilidade ignorem esta realidade. As pessoas que experimentam insegurança no posto de trabalho, ao viverem em função de contingências impostas por agendas económico-laborais desumanizadas, experimentam mais problemas de saúde. Ficam menos capacitadas para tomar decisões pessoais e familiares de longo prazo, designadamente as relacionadas com a nata- lidade e a educação dos filhos. Como referiu o Papa Francisco, na Exortação evangélica Evangelii Gaudium, assiste-se a uma “nova tirania” de algumas práticas de gestão 5.

AS RAÍZES DA TOXICIDADE

Na origem desta toxicidade e das práticas subjacentes estão, entre outros, quatro principais fatores, relacionados entre si. Primeiro: a desregulamentação das relações de trabalho, e a consequente fragilização/precarização dos vínculos profissionais. Algumas formas de flexibilização emergem deste quadro. Segundo: a intensificação do trabalho, que se configura cada vez mais como “trabalho sem limites”, originando desequilíbrios en- tre a vida familiar/pessoal e a profissional. Terceiro: a exclusão de grandes franjas de empregados dos níveis de decisão/regulamentação dos sistemas produtivos. Quarto: a naturalização, ou normalização, destas práticas – que são tomadas como inevitáveis e mesmo essenciais para a competitividade e o desenvolvimento económico.

Como bem demonstram os escândalos da Enron, da Wells Fargo ou mesmo da Volkswagen, os resultados obtidos pelas vias da desonestidade, da agressividade, da incivilidade e do medo não são sustentáveis

O tema da flexibilidade merece alguns comentários adicionais.É necessário reconhecer que diversas formas de flexibilidade (e.g., flexibilidade horária) podem ser benéficas para a saúde e o bem-estar dos empregados. Outras (e.g., flexibilidade quantitativa e funcional) são importantes para que as organizações se adaptem a envolventes altamente dinâmicas, incertas e voláteis. Contribuem, pois, para a prosperidade das organizações e, por essa via, para o emprego e o desenvolvimento económico. Importa ainda assinalar que a flexibilidade não suscita problemas éticos se for levada a cabo de forma séria, responsável e respeitadora da dignidade das pessoas. Infelizmente, a coberto dos potenciais positivos da flexibilidade, são defendidas e implementadas práticas que descuram a saúde física e mental dos empregados e mesmo das suas famílias. O critério subjacente a essas práticas tende a ser fundamentalmente de natureza económico-financeira, sendo por vezes defendido enfaticamente por gestores protegidos por paraquedas dourados 6.

Essas formas de flexibilidade, ao descurarem a saúde física e mental dos empregados, são cruéis – sobretudo quando defendidas por quem está protegido por esses paraquedas. Aos que apregoam essas práticas como formas de aumentar o emprego e diminuir o desemprego, sugerimos um trabalho de investigação publicado na International Labour Review, liderado por investigadores do Centre for Business Research, da Universidade de Cambridge 7 : os aumentos na proteção dos trabalhadores estão associados, no longo prazo, a maiores níveis de emprego e menos taxas de desemprego. Outra investigação, da autoria de Ewan McGaughey 8 , docente do King’s College em Londres e também investigador do citado Centre for Business Research, sugere que as teorias e as práticas de gestão que encaram as pessoas como meros recursos são perniciosas – para a produtividade, o emprego, o crescimento económico e o desenvolvimento humano.

PORQUE AS PESSOAS SE SUBMETEM?

Não é nosso objetivo explorar as causas e as consequências da “poluição social”, expressão usada por Nuria Chinchilla 9 , do IESE. Antes pretendemos discutir (1) razões pelas quais as pessoas se submetem a essa poluição e (2) mecanismos preventivos. Algumas pessoas submetem-se a casamentos e relacionamentos abusivos porque a dependência financeira as faz sucumbir 10. Algo similar ocorre com pessoas que se mantêm em locais de trabalho tóxicos. Estas pessoas em situação de grande fragilidade vivem em clima de medo permanente, sucumbindo a ameaças e submetendo-se a diatribes e toxicidades várias. A Wells Fargo, uma grande instituição financeira norte-americana, era dona de grande reputação – até ser abalroada por escândalo. O Community Bank, um segmento da instituição, erigiu um sistema de gestão por objetivos de tal modo agressivo que muitos empregados, para escaparem à pressão ou manterem o posto de trabalho, chegaram a abrir contas e a emitir cartões de crédito que os clientes não haviam pedido 11.

Ensaio - Porque as pessoas permanecem em lugares de trabalho tóxicos? Há alguns anos, a Amazon viu a sua reputação afetada pelo modo como tratava os empregados de armazém. Nos períodos de calor mais intenso, disponibilizava pessoal paramédico, situado no exterior dos armazéns, para atender trabalhadores exaustos pelo calor. Apenas perante o es- cândalo a empresa instalou ar condicionado nos armazéns! Em Agosto de 2015, nova controvérsia emergiu quando o New York Times deu conta do modo abrasivo, por vezes abusivo, como alguns empregados eram tratados 12. A empresa e o seu líder, Jeff Bezos, desmentiram essas práticas. Mas o temperamento abrasivo de Bezos é antológico 13. Jon Rossman, ex-executivo da Amazon e autor de um livro sobre os 14 princípios de liderança da empresa 14 , argu- mentou que o elevado turnover de pessoal da empresa é deliberadamente estratégico –é o fruto do desejo de ficar apenas com os que têm estamina suficiente para se ajustarem à cultura ambiciosa, competitiva e agressiva da Amazon, que não permite complacência 15. De uma fama a empresa não escapa: procura cirurgicamente zonas geográficas minadas pelo desemprego, conseguindo assim contratar facilmente pessoas e concedendo-lhes condições pouco dignas – que são aceites porque as pessoas não dispõem de alternativas 16.

A investigação mostra que a insalubridade e a toxicidade de algumas organizações podem ser altamente perversas para a saúde física e mental de quem nelas trabalha

A necessidade é, todavia, apenas uma parcela da explicação para permanecer num local de trabalho tóxico. Uma quantidade assinalável de pessoas (designadamente gestores) acalenta, de modo mais ativo ou mais passivo, lideranças e práticas de gestão perversas. Outras pessoas submetem-se a ritmos de trabalho alucinantes e nocivos à saúde. Alguns gestores dormem mal, experimentam maus humores e vertem o seu mal-estar sobre os liderados 17. Forçam colaboradores a ritmos de trabalho que elas próprias se atribuem. Estas pessoas dispõem de alternativas – mas não as procuram. O que explica este comportamento aparentemente irracional? Diversos autores 18 têm argumentado que, frequentemente, as pessoas racionalizam a sua própria subjugação. Como ocorre esta racionalização? Que explicações as pessoas dão aos outros e a si próprias para se subjugarem perante a toxicidade, mesmo que não necessitem?

A necessidade é, todavia, apenas uma parcela da explicação para permanecer num local de trabalho tóxico. Uma quantidade assinalável de pessoas (designadamente gestores) acalenta, de modo mais ativo ou mais passivo, lideranças e práticas de gestão perversas. Outras pessoas submetem-se a ritmos de trabalho alucinantes e nocivos à saúde. Alguns gestores dormem mal, experimentam maus humores e vertem o seu mal-estar sobre os liderados 17. Forçam colaboradores a ritmos de trabalho que elas próprias se atribuem. Estas pessoas dispõem de alternativas – mas não as procuram. O que explica este comportamento aparentemente irracional? Diversos autores 18 têm argumentado que, frequentemente, as pessoas racionalizam a sua própria subjugação. Como ocorre esta racionalização? Que explicações as pessoas dão aos outros e a si próprias para se subjugarem perante a toxicidade, mesmo que não necessitem?

Ensaio - Porque as pessoas permanecem em lugares de trabalho tóxicos? Trabalhar numa empresa prestigiada, com pergaminhos mediáticos e no mercado, representa um ativo para a empregabilidade. Também é fonte de autoestima. Consequentemente, as pessoas descontam o caráter nocivo das práticas de gestão e liderança e consideram que esse é um custo aceitável. Podem mesmo supor que, se tais práticas são adotadas em organização tão reputada, o mesmo ocorrerá nas restantes empresas. A já referida reportagem do New York Times, sobre a Amazon, dava conta de que, apesar do contexto nocivo, alguns empregados eram fervorosos adeptos dos princípios de liderança de Bezos, chegando a ensiná-los aos filhos. Outros empregados sentiam-se estimulados a ultrapassar os seus próprios limites e a participar no desenvolvimento de um projeto empresarial gigantesco. Boas ideias, bons desempenhos e muito trabalho (desde que “inteligente”) seriam alegadamente premiados. A paradoxalidade pode ser identificada num depoimento de Dan Kreft, que abandonou a empresa após nela ter trabalhado durante quase 16 anos:

“A Amazon é um excelente lugar para aprender com pessoas fantasticamente competentes e inteligentes. (...) É um excelente lugar para trabalhar se não se tiver qualquer interesse fora do trabalho e se se for um alpinista empresarial. Mas a cultura da empresa não promove realmente o tratamento dos empregados como seres humanos que têm sentimen tos e uma vida fora do trabalho. Na Amazon, é-se apenas um login ... uma face num crachá, ‘efetivo humano’, uma linha numa base de dados numa sala gigantesca com ar-condicionado repleta de servidores (...). Por conseguinte, trabalha muito, diverte-te, faz história ... mas deita pela janela qualquer noção idiota de que vales como pessoa” 19.

Será este tipo de investimento na empregabilidade rentável? Tim Harford 20 deu a entender, no Financial Times, que as empresas rivais da Amazon se confrontavam com um dilema. Por um lado, desejavam contratar empregados saídos da Amazon, devido ao gabarito dos mesmos. Mas, por outro lado, temiam que esses empregados tivessem aprendido a ser tão agressivos que não se ajustassem a outras culturas empresariais. A maior empregabilidade resultante de trabalhar em contextos “hipercompetitivos” não é, pois, garantida.

OS BENEFÍCIOS MATERIAIS

A permanência em locais de trabalho tóxicos pode também assentar no cálculo dos benefícios materiais recebidos. As pessoas sentem e esperam que, trabalhando intensamente em contextos tão competitivos, virão a ser recompensadas com benefícios materiais. Admitem como justificável sacrificar o descanso, as férias e a vida pessoal e a familiar em prol de algo que, a prazo, é alegadamente benéfico para si próprias e a família. Infelizmente, estas pessoas podem acabar por infligir danos a si mesmas e aos familiares. Há razões para desconfiar da generosidade material de empresas com tais práticas. Os benefícios oferecidos não são comparáveis aos sacrifícios exigidos. Em momentos críticos, as pessoas são deixadas à sua sorte 21. De uma empresa com práticas desumanizadas não pode esperar-se que cumpra promessas de apoio humanizado em momentos críticos – exceto, naturalmente, quando os autores das promessas são eles próprios decisores com poder de se precaverem e protegerem.

A Enron era uma megaempresa reputada e apreciada por políticos, revistas de negócios, analistas e executivos. Chegou a integrar o ranking das melhores empresas para se trabalhar nos EUA. Em seis anos consecutivos, foi considerada a empresa mais inovadora dos EUA 22. Foi também agraciada com um prémio eBusiness pela Sloan School of Management do MIT. O seu CFO foi premiado dois anos consecutivos pela excelência do seu trabalho. Veio a constatar-se que o sucesso era uma fachada que escondia manipulação contabilística, manobras ilegítimas de pressão política e bullying sobre diversas comunidades em que operava 23. Os empregados, após contratados, eram “enronizados”, de modo a competirem ferozmente entre si e a abandonarem todas as lealdades, incluindo a família. A empresa acabou na bancarrota, gerando sofrimento enorme a clientes e empregados. O investimento físico, mental e emocional de quem lá trabalhou e se sacrificou redundou em bancarrota e miséria. Alguns dos carrascos acabaram na prisão e houve mesmo quem se suicidasse.

DEFENDENDO O EGO

Uma jovem médica, poucas semanas depois de ter ingressado na especialidade num grande hospital de Lisboa, viu-se confrontada com exigências de trabalho absurdas. Após despender 24 horas (09:ooh – 09:00h) num banco de urgência, esperar-se-ia que a deixassem (ou mesmo a obrigassem a) descansar. Todavia, a Diretora de Serviço instiga a continuidade no trabalho atéàs 14 ou 15h. Na terceira semana de internato, esta jovem médica foi submetida à “dose” em duas ocasiões, separadas por apenas dois dias. Esta prática é recorrente e normalizou-se. Alguns internos mais antigos, ali em formação há anos, sentem-se frustrados e indignados. Dependentes das boas graças da Diretora numa fase tão importante das suas vidas, têm sucumbido a estas e outras exigências, num regime de bullying. Sentem que têm que suportar a carga para terminarem a especialidade com boa avaliação. Amedrontados, avisaram a jovem colega para que tenha cuidado quando fala com terceiros. O clima é de medo e paranoia. A jovem médica pondera desistir do lugar que conquistou a pulso – para então repetir o exame de acesso à especialidade e candidatar-se a outro hospital no ano seguinte. O que a impede de fazer tal escolha é, sobretudo, a dificuldade em lidar com a ideia da desistência. A sua identidade de pessoa determinada não se compagina com tal possibilidade. O mesmo tem ocorrido com colegas mais velhos.

Quando profissionais médicos com responsabilidade assim atuam (e, pelo que sabemos, o caso não é inédito), fazendo perigar a saúde de jovens médicos em formação e aumentando a probabilidade de erros médicos, não será difícil compreender o que ocorre noutros tipos de organizações. Frequentemente, os ambientes de trabalho darwinistas e funestos são altamente competitivos e, alegadamente, focados no sucesso e na excelência. A ideia de não ser capaz de trabalhar em tais contextos pode ser desconfortável para a própria pessoa – que não pretende ser rotulada, nem rotular-se a si própria, de pouco resiliente. O abandono é interpretado, por si e pelos outros, como um sinal de fracasso. Diferentemente, a imagem de pessoa perseverante e resiliente ajuda a afagar o ego e a construir uma identidade e uma marca de sucesso. Permanecer na organização para progredir na carreira e ter sucesso representa uma espécie de medalha de mérito. Leia-se o que escreveu Dolly Singh, que foi diretora de aquisição de talentos da SpaceX, uma empresa liderada por Elon Musk 24 :

“Trabalhar com ele [Elon Musk] não é uma experiência confortável. Nunca está satisfeito com ele próprio, pelo que nunca está realmente satisfeito com quem está em seu redor. Pressiona-se a si próprio a fazer mais e mais, e pressiona as pessoas em seu redor a atuar da mesma maneira. O desafio é que ele é uma máquina, e o resto das pessoas não o são. Portanto, quanto se trabalha com Elon, tem que se aceitar o desconforto. Mas neste des conforto está o tipo de crescimento que não se consegue ter em mais lado algum, e que vale cada gota de sangue e suor”.

ESTOU, LOGO GOSTO

Quando tomamos uma decisão e, sobretudo, quando a defendemos perante outras pessoas, sentimo-nos comprometidos com ela. Se decidimos ingressar numa empresa com base no argumento, que usamos para nós próprios e perante outros, de que estamos a fazer uma boa escolha, é provável que depois racionalizemos essa mesma escolha – mesmo que a experiência não seja tão favorável quanto a esperada. Se temos trabalhado durante anos num local de trabalho tóxico, mesmo dispondo de alternativas, criamos justificações para nós próprios e perante os outros que ajudam a racionalizar a nossa escolha. No limite, podemos mesmo reforçar o nosso investimento na função e na empresa. Ao reinvestir, obtemos algum conforto cognitivo: “estou aqui porque quero, e por isso invisto; ao investir, torna-se claro que quero”.

Ensaio - Porque as pessoas permanecem em lugares de trabalho tóxicos? Que explicações as pessoas dão aos outros e a si próprias para se subjugarem perante a toxicidade, mesmo que não necessitem?

O argumento pode parecer bizantino. Poder-se-á alegar que os humanos são seres racionais e que estas condutas são pouco inteligentes e, por isso, apenas adotadas por pessoas menos capazes. A realidade é outra. Somos seres racionais, mas também a-racionais e, por vezes, mesmo irracionais. Muitas das nossas escolhas e decisões, na vida pessoal e na profissional, tem fundamentos pouco racionais. Frequentemente, enveredamos por uma decisão, por um caminho da nossa preferência – e só depois procuramos argumentos racionais que justifiquem essa opção. A decisão não é racional – mas precisamos de racionalizá-la, o que fazemos a posteriori.

Quando amamos uma pessoa e decidimos viver com ela, sentimos desconforto se viermos a descobrir que essa pessoa é pouco honesta. Todavia, se o amor se mantiver e não quisermos sofrer com a separação, é muito provável que racionalizemos a nossa preferência: identificamos na pessoa muitas outras qualidades que nos permitem subestimar a importância do defeito. Algo similar ocorre quando escolhemos trabalhar, ou nos mantemos, em organizações tóxicas. Defendemos as nossas (más) escolhas com argumentos que nos permitem crer que essas empresas não são assim tão perversas. Investimos até mais esforços para justificarmos as energias e os sacrifícios que já investíramos numa escolha antes feita.

O EFEITO CONTÁGIO E A NORMALIZAÇÃO DA DESVIÂNCIA

Quando uma ampla quantidade de orga- nizações atua de modo tóxico, numa dada comunidade ou país, podemos ser levados a crer que essa toxicidade é a norma. Por ser frequente, a prática desviante passa a ser considerada normal. O espírito crítico perde-se. E o que, do ponto de vista ético e humano, é inaceitável, passa a ser considerado apropriado ou, pelo menos, desculpável. Esta normalização da desviância pode ocorrer no seio de uma mesma organização. Se o nosso chefe não é mais tóxico do que os outros, porque haveremos de lamentar-nos? Se os nossos colegas de trabalho aceitam a realidade tóxica como uma inevitabilidade, como o preço a pagar para terem um emprego ou ascender na carreira, que motivos temos para esperar que o nosso chefe altere a conduta? Se continuam a chegar candidaturas de pessoas que pretendem trabalhar na minha empresa, porque haverei eu de abandoná-la?

Ensaio - Porque as pessoas permanecem em lugares de trabalho tóxicos? Este tipo de racionalizações tem uma consequência adicional, já não para as vítimas da toxicidade mas para os agentes da mesma. O gestor cioso, honesto e respeitador pode sentir-se socialmente segregado numa organização que normaliza as práticas tóxicas. Sentindo-se pressionado a atuar da mesma maneira, pode sucumbir e aderir à desviância normalizada, ou naturalizada. Desse modo, realimenta a toxicidade. Pode, em alternativa, abandonar a organização. Todavia, ao abandoná-la, contribui para que a normalização do desvio se reforce por duas vias. Primeira: o abandono é interpretado como sinal de fraqueza e de incapacidade de trabalhar em ambientes competitivos. Segunda: não aguentando a toxicidade, abre caminho aos que a aguentam. As más práticas replicam-se então. Com o decurso do tempo, a organização e os seus atores perdem discernimento. Apenas o escrutínio público e o fracasso põem fim ao processo.É nessa altura que muitas pessoas se dão conta – por vezes já sem remédio – de quão perverso era o ambiente.

QUANDO BONS PROPÓSITOS SUSTENTAM TOXICIDADE

Algumas organizações e a suas lideranças são nutridas de propósitos nobres ou, pelo menos, geram resultados positivos. A criação de emprego numa zona empobrecida ou a contribuição da empresa e seus donos para fins filantrópicos podem conduzir ao perdão da toxicidade praticada. Por vezes, o propósito é simplesmente a criação de inovações disruptivas ou o desenvolvimento de um novo negócio ou setor. As práticas tóxicas são então consideradas como um mal menor, uma inevitável condição para mudar o mundo. Os próprios líderes atribuem-se o direito de adotar tais práticas, assentando a sua conduta no sentimento de que estão autorizados a prevaricar. O que ocorreu com a defunta Theranos, cujo propósito era nobre (facilitar o acesso do cidadão comum a análises sanguíneas e, desse modo, prevenir e combater doenças), é paradigmático: o nobre propósito foi usado para legitimar práticas de liderança tóxicas e fraudulentas 25.

A licença para prevaricar (tradução livre de moral licensing) 26é a tendência para nos sentirmos mais livres para agirmos menos corretamente depois de termos adotado ações meritórias. Se a nossa empresa cria emprego na região, contribui significativamente para a riqueza nacional e financia fundações e outras atividades filantrópicas, que legitimidade têm os empregados, ou outros observadores, de apontarem falhas à gestão? Este tipo de raciocínio ajuda a explicar porque tantas pessoas desculparam as diabruras de Steve Jobs e continuam a aceitar, de modo mais ativo ou mais passivo, as práticas de liderança de alguns magnatas de empresas tecnológicas. Também permite compreender o desconforto que muitas pes- soas que trabalhavam na Raríssimas experimentavam quando observavam as práticas de liderança de Paula Brito e Costa 27. Como criticar alguém com obra tão meritória?!

A ENERGIA NEM SEMPRE É RENOVÁVEL

Trabalhar em empresas com práticas funestas gera perda de energia física e emocional. Com agendas de trabalho excessivas, maus hábitos de sono e cansaço quase permanente, as pessoas ficam de tal modo submersas que se lhes torna dolorosa a procura de alternativas. Essa dificuldade pode ser experimentada pelos mais diversos tipos de pessoas.

As que exercem funções de responsabilidade e auferem benefícios materiais significativos podem simplesmente sentir-se exaustas e pouco disponíveis para acrescentar esforços aos já exercidos. Podem também recear que a busca de alternativas seja descoberta pela atual empresa, daí resultando acusações de deslealdade e tentativas de retaliação. Podem, ainda, supor que a toxicidade é inerente ao mundo empresarial e que, por isso, é preferível manter-se num clima tóxico conhecido do que num ambiente igualmente tóxico mas desconhecido.

As pessoas em situação de maior fragilidade, desprovidas de poder negocial, são especiais vítimas destes dilemas e dificuldades. Algumas prescindem mesmo de consultas médicas e outros cuidados de saúde por recearem repreensão e punição. Miseravelmente, há quem não possa ausentar-se do trabalho para cuidar da própria saúde e da dos seus familiares. Por maioria de razão, estas pessoas temem que a empresa atual retalie se vier a descobrir que estão em busca de alternativas. O receio de ficarem desempregadas e deixarem de garantir o sustento da família condu-las à inércia. Como referiu Elizabeth Anderson, num livro recente (“Private Government” 28 ) publicado pela Princeton University Press, alguns sistemas de gestão são “ditatoriais comunistas” (sic) – no sentido em que controlam aspetos cruciais das nossas vidas que não autorizamos que o Estado controle.

NÃO HÁ DETERMINISMO NA TOXICIDADE

Não pode esperar-se que a vida organizacional seja exclusivamente positiva e agradável. Os problemas, os atritos, as tensões e os episódios menos recomendáveis são inevitáveis. Ocorrem em família, entre amigos – e também, naturalmente, no mundo organizacional. Mas daí não deve decorrer a ilação de que, para serem bem-sucedidas, as empresas e as suas lideranças devem primar pela incivilidade e pelo desrespeito. O facto de algumas lideranças potencialmente tóxicas serem bem-sucedidas não permite concluir que o sucesso decorre da toxicidade. Antes sugere que foram bem-sucedidas apesar da incivilidade. Dan Kreft, o empregado que abandonou a Amazon após quase 16 anos, e que antes citamos, observou:

Ensaio - Porque as pessoas permanecem em lugares de trabalho tóxicos?“Desejo continuado sucesso a Bezos e à empresa, mas imagino quão mais bem-sucedidos poderiam ser se mostrassem pelos empregados o mesmo tipo de cuidado obsessivo que revelam ter pelos clientes” 29.

Steve Jobs, genial mas igualmente intratável, foi descrito na Business Insider, em agosto de 2018, como uma “pessoa verdadeiramente podre cujo mau comportamento foi repetidamente permitido pelas pessoas em seu redor” 30. Isaacson, um dos biógrafos de Jobs, admitiu que a faceta perversa de Steve Jobs representou um passivo, não um ativo: “O vexame que causava não era necessário. Prejudicou-o mais do que o beneficiou” 31.

Joe Nocera escreveu que Bezos, da Amazon, não precisava de criar a empresa com tal nível de agressividade: “Poderia ter criado uma cultura que valorizasse os empregados e os tratasse bem. Mas isso requereria que ele se preocupasse com o que qualquer outra pessoa pensa. Fora de questão” 32. William Baker, da Universidade de Fordham, escreveu que a gestão abrasiva pode gerar resultados de curto-prazo, mas que não é sustentável: “O crescimento sustentável assenta em gestores caraterizados pela integridade, pela inspiração e, acima de tudo, pela bondade” 33. Como bem demonstram os escândalos da Enron, da Wells Fargo ou mesmo da Volskwagen 34 , os resultados obtidos pelas vias da desonestidade, da agressividade, da incivilidade e do medo não são sustentáveis. Nestes contextos, as pessoas desenvolvem obediência cínica, protegem-se e retraem-se na dedicação ao trabalho e à organização. Algumas são encorajadas a adotar práticas desonestas para manterem o posto de trabalho – até que a nódoa é exposta na praça pública.

A esta evidência acrescem os estudos sugerindo que práticas de gestão e de liderança respeitadoras e virtuosas contribuem para a saúde das empresas e dos seus empregados 35. Quando as pessoas sentem que têm controlo sobre o seu trabalho e podem desenvolver relacionamentos sociais de elevada qualidade na organização, os seus níveis de saúde e bem-estar melhoram, a produtividade aumenta e o desempenho organizacional melhora 36. Em “Dying for a Paycheck”, Pfeffer explica como diversas organizações foram capazes de alcançar bons desempenhos mediante práticas respeitadoras e saudáveis 37. Quando as restantes empresas da aviação comercial optaram por despedimentos após o 11 de setembro, a Southwest Airlines seguiu uma via diferente, não despedindo. Os trabalhadores responderam em conformidade – e a empresa continuou a gerar bons resultados enquanto muitas outras declinavam.

O gestor cioso, honesto e respeitador pode sentir- se socialmente segregado numa organização que normaliza as práticas tóxicas

PREVENÇÃO E LIBERTAÇÃO

Ensaio - Porque as pessoas permanecem em lugares de trabalho tóxicos? A libertação das amarras de ambientes tóxicos ocorre, para algumas pessoas, apenas quando os problemas de saúde emergem, um familiar próximo lhes faz uma espécie de ultimato, ou colegas de trabalho tomam a iniciativa de abandonar a toxicidade e mostram que mundos mais saudáveis existem. Todavia, há vias mais proactivas que podem prevenir o avolumar de efeitos mais tóxicos:

  • Se interagimos com pessoas que vivem as experiências tóxicas e o estilo de vida que nós próprios vivemos, torna-se mais difícil criar consciência e escapar ao problema. Importa, pois, que convivamos com pessoas que experimentam agendas de trabalho mais saudáveis.
  • Abandonar um local de trabalho tóxico, quando é possível, não é um sinal de fraqueza – antes é um sintoma de co ragem em prol de uma vida mais saudável e mais longa. Convém, pois, reconhecer o problema e não sucumbir à ideia de que só desiste quem não é suficientemente capaz.
  • Organizações e lideranças abu sadoras são, por vezes, suficientemente (e patologicamente) sedutoras para persuadir as suas vítimas de que, se algo problemático ocorrer na organização, as pessoas serão pro tegidas. Importa escapar a esta armadilha e consciencializar-se de que, de organizações e lideranças abusadoras, não é razoável esperar apoio em momentos cíticos.
  • Algumas pessoas ficam de tal modo viciadas em toxicidade que a carregam às costas quando mudam para lugares mais saudáveis. Convém, portanto, tomar consciência de que o adiamento da saída pode suscitar efeitos irreversíveis. A melhor escolha consiste, pois, em escapar atempa damente ao vício.

Estes mecanismos preventivos podem ser facilitados quando se desenvolve consciencialização coletiva sobre os malefícios da toxicidade organizacional e são adotadas políticas públicas condizentes. Os cidadãos e os meios de comunicação social podem exercer um papel importante na denúncia de práticas abusivas das empresas socialmente poluidoras – mas também podem sublinhar os bons exemplos.Às universidades em geral e às escolas de negócios em particular cabe também fazer esforços significativos neste domínio. Desse esforço coletivo podem resultar práticas organizacionais mais saudáveis.

CONCLUSÃO

Mesmo que fosse uma fonte de vantagem competitiva, a escravatura não se tornaria legítima ou aceitável. Infelizmente, não adotamos o mesmo critério de repulsa perante organizações e lideranças que adotam práticas funestas para a saúde dos seus empregados. A moda da sustentabilidade ambiental tem mais espaço mediático do que as práticas organizacionais focadas na sustentabilidade humana. Não é incomum que a empresa que apregoa e pratica a sustentabilidade ambiental e despende recursos na proteção do ambiente e de espécies ameaçadas é a mesma que adota práticas de gestão incivilizadas, desrespeitadoras e desumanas – levando o Papa Francisco a argumentar que “esta economia mata” 38. A investigação mostra que, de facto, algumas práticas de gestão matam – literalmente 39.

Devemos, pois, eleger como prioridade a dignidade e a saúde humana nos locais trabalho. As empresas devem atuar como motores do progresso humano. A sustentabilidade da organização e o respeito pelos interesses de vários stakeholders devem prevalecer sobre o sacrossanto princípio da maximização do valor para o acionista 40 . Tal como Bower e Paine sublinharam num artigo escrito na Harvard Business Review, esse princípio “é falho nas suas premissas, confuso no que concerne à lei, e prejudicial na prática” 41 . O princípio é falho, também, porque a toxicidade que dele decorre acaba por minar o próprio valor para o acionista. A toxicidade organizacional é perversa para a saúde dos indivíduos mas também para o desempenho das empresas.

Precisamos, portanto, de ensinar e de aprender a importância da saúde individual e da organizacional. Convém que nos consciencializemos de que a toxicidade organizacional não é uma inevitabilidade, nem mesmo uma condição para a produtividade e o desempenho. Esse não é, contudo, um desafio exclusivo de quem detém empresas e as gere.É também uma responsabilidade de cada um de nós. Se a nossa sobrevivência e a da nossa família dependem da nossa submissão à toxicidade organizacional, é compreensível que a ela nos submetamos, ainda que com sofrimento. Contudo, muitos de nós submetem-se ou aceitam a toxicidade por razões que não a necessidade. Importa que nos consciencializemos dos efeitos perversos que daí decorrem – para a nossa saúde e a dos outros – e atuemos em conformidade.

NOTAS

1 Pfeffer (2018a).2 Goh et al. (2015a, 2015b, 2016).3 Goh et al. (2015a, 2015b, 2016); Pfeffer (2018a).4 Sutton (2010).5 Veja Francis (2003). Veja, também, Tornielli & Galeazzi (2015).6 Lund & Schonlau (2016); Maskara & Miller (2018).7 Adams et al. (2018). Os restantes autores estão afiliados no International Labour Office, na Suíça, e no Institute for Financial Management and Trumpington Street Research, na Índia.8 McGaughey (2018).9 In Pfeffer (2018a).10 Buchko et al. (2017).11 Independent Directors of the Board of Wells Fargo & Company (2017).12 Kantor & Streitfeld (2015).13 Pfeffer (2015); Stone (2013).14 Rossman (2014).15 In Stone (2014).16 Pfeffer (2018a).17 Barnes et al. (2015); van Dam & van der Helm (2016).18 Buchko et al. (2017); Pfeffer (2015a, 2018).19 In The New York Times (2015a).20 Harford (2015).21 Veja, por exemplo, Carreyrou (2019; sobre a Theranos) e Vance (2015; sobre a Tesla).22 Clearfield & Tilcsik (2018).23 Boje et al. (2004).24 Singh (2015).25 Carreyrou (2019).26 Merritt et al. (2010).27 Rego & Cunha (2018).28 Anderson (2017).29 In The New York Times (2015a).30 Wolverton (2018).31 In Schwartz (2015).32 Nocera (2015, A17).33 The New York Times (2015b, p. SR8).34 Ewing (2017).35 Veja, por exemplo: Cameron & Plews (2012); Cameron et al. (2011); Frazier et al. (2017); Lavine & Cameron (2012); Seppälä & Cameron (2015).36 Pfeffer (2018b).37 Pfeffer (2018a).38 Francis (2013) ; Tornielli & Galeazzi (2015).39 Goh et al. (2015a, 2015b, 2016); Pfeffer (2018a).40 Wolf (2014, p.7).41 Bower & Paine (2017, p. 52).

REFERÊNCIAS

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Homenagem - Memória de José Régio

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Guilherme d’Oliveira Martins

Conselho de Administração, Fundação Calouste Gulbenkian Conselho Editorial, Nova Cidadania

A sua obra multifacetada permite-nos compreender a existência humana através da literatura e da arte.

Homenagem - Memória de José Régio

Uma coisa sei de certeza: Que nunca me arrependi de ter ido para Coimbra. Lá ganhei novos amigos. De lá saiu a presença. Lá passei pelo menos alguns dos anos mais felizes da minha vida. E creio que a minha criação literária lucrou com a ida para Coimbra, pois lá achei ele- mentos para um fecundo ambiente literário que não acharia no Porto”.

É o próprio José Régio quem o confessa, num dos seus últimos escritos, Confissão de Um Homem Religioso (1971), esta sua ligação muito especial a Coimbra.É verdade que as raízes de Régio estão em Vila da Conde e aí sentimos a força das bases telúricas, éticas e literárias. Mas o núcleo das amizades do poeta e romancista, encontramo-lo na cidade do Mondego, em Branquinho da Fonseca, João Gaspar Simões, Casais Monteiro, Edmundo de Bettencourt, Miguel Torga, Vitorino Ne- mésio ou Afonso Duarte... Aí começará a publicar (Poemas de Deus e do Diabo, 1925) e a ter contacto com a literatura como realidade viva, ligada necessariamente ao quotidiano e à cidadania. E no primeiro livro de poemas surge logo a associação a seu irmão Júlio (Saul Dias), desenhador e pintor que é uma extraordinária referência do segundo moder- nismo, com vincada influência de Chagall.

Depois, nas andanças docentes, Régio fixará em Portalegre o seu lugar de vida, em alternância com Vila do Conde. Para o biógrafo e intérprete fiel de Régio, Eugénio Lisboa: “o mais importante da sua biografia decorreu, como é o caso de tantos de nós, dentro de si próprio. As suas tempestades foram sobretudo interiores e são essas que irrigam, com vigor o tecido da sua obra” (José Régio ou a Confissão Relutante, Rolim, 1988). A consideração de Eduardo Lourenço sobre o carácter da obra de Régio e sobre a natureza da presença levará, no entanto, a uma estranha acumulação de equívocos, que só uma leitura mais atenta de “Presença ou a contrarrevolução do moder- nismo” (“Comércio do Porto”, 14.6.60) poderá esclarecer. O próprio Eduardo Lourenço preocupou-se em clarificar o que tinha dito, acrescentando a uma nova versão do texto o qualificativo “português” ao modernismo e um ponto de interrogação no final, procurando afastar qualquer entendimento político ou li- teral nessa ideia. Deste modo, Eugénio Lisboa, na comparação entre os dois modernismos, o de Orpheu e o da presença, afirma mesmo: “o primeiro modernismo foi um momento de convulsão e o segundo um momento de reflexão e consolidação” (Ibidem.). Um e o outro completam-se e diferenciam-se. E até se percebe que Nemésio tenha preferido, em dado momento, criar um outro órgão de ideias - a Revista de Portugal (1937) talvez menos contaminada com a proximidade dos modernismos... A razão parece hoje irónica, mas foi invocada.

“Em arte, é vivo tudo o que é original.É original tudo o que provém da parte mais virgem, mais verdadeira e mais íntima de uma personalidade artística. A primeira condição de uma obra viva é pois ter uma personalidade a obedecer-lhe. Ora como o que personaliza um artista é, ao menos, superficialmente, o que o diferencia dos mais (artistas ou não) certa sinonímia nasceu entre o adjetivo original e muitos outros, ao menos superficialmente aparentados; por exemplo, o adjetivo excêntrico, estranho, extravagante, bizarro... Eis como é falsa toda a originalida de, calculada e astuciosa. Eis como também pertence à literatura morta aquela em que um autor pretende ser original sem personalidade própria. A excentricidade, a extravagância e a bizarria podem ser poderosas – mas só quando naturais a um dado temperamento artístico. Sobre estas qualidades, o produto destes temperamentos terá o encanto do raro e do imprevisto. Afetadas, semelhantes qualidade não passarão de um truque literá- rio” (presença, no 1, 1927). Eis o programa de Régio, que prefere, na sua batalha pela “Literatura Viva”, afirmar: “à personalidade do artista-criador nada proíbe a presença senão que se falseie; nada impõe senão que se revele” (“O Primeiro de Janeiro”, 25.10.44). No entanto, se desconfiava das originalidades “demasiado exibicionistas”, acusava de con- formismo a falta de originalidade e a falta de sinceridade. Numa palavra, o certo é que a presença tornou-se o verdadeiro arauto que exprimiu quão relevante e visível foi a geração de Orpheu.

Homenagem - Memória de José Régio Todavia, o segundo modernismo era, essencialmente, um momento de reflexão e consolidação – e é essa distinção que Eduardo Lourenço quis fazer, de modo metafórico. Aliás, o próprio Régio assume esta ambiguida- de, quando põe a dialogar, em A Velha Casa, Lelito com seu irmão João, e este diz: “Tornas falsas muitas coisas que são em si verdadeiras e sinceras”. E se o tema político merece toda a atenção tal deve-se à independência da revista e dos seus animadores, acima de toda a sus- peita, e sob muitas desconfianças. Não houve, de facto, conciliação com o regime nascido em 1926 – vejam-se, por exemplo, a publicação do texto fortemente crítico de Raul Leal, aquando da homenagem coimbrã a António Correia de Oliveira (1930); a identificação de Régio relativamente à posição política de António Sérgio; e a tomada de posição de Guilherme Castilho, José Marmelo e Silva e João Campos, quando a presença fechou as portas (1940), dando ênfase à fidelidade da revista aos valores do espírito que estavam a ser destruídos pelos senhores da guerra. O modernismo não era, assim, uma receita, mas uma atitude: “qualquer mestre de hoje sóé modernista na medida em que, sem ter de negar seja qual for das descobertas vitais do passado, se encaminha para novas desco- bertas e antevê novos mundos... que podem não ser mais do que a imprevista sondagem dos mundos já conhecidos” (presença, no 23, dezembro de 1929). Régio foi sempre um escritor verdadeiramente livre, e encontramos nele: a compreensão da renovação da cultura portuguesa no século XX, com a geração de Orpheu, mas também com Teixeira de Pas- coaes e o melhor da Renascença Portuguesa; ou com a consideração do modernismo não como uma escola ou um grupo, mas como uma atitude orientada para a compreensão dos novos mundos; na interrogação aberta e inconformista da transcendência – na linha de Dostoievski, Tolstoi, Proust, Claudel e Gide. Régio não é apenas poeta –é sobretudo dramaturgo, ensaísta e romancista, e nesses domínios encontramos alguma da melhor expressão da sua criatividade. David Mourão- -Ferreira dirá: “Penetrante, arguto, tão apto por vezes para a síntese impressionista como para a análise psicológico-literária...”. A 22 de dezembro de 1969, em Vila do Conde, deixou-nos José Maria dos Reis Pereira, de- pois de uma vida de pedagogo, de escritor, de dramaturgo, de romancista, de novelista, de poeta, de contista, de ensaísta, de cronista, de memorialista. Foi há cinquenta anos. A sua obra multifacetada permite-nos compreender a existência humana através da literatura e da arte. E hoje voltamos a ler: “Era a hora do estudo da tarde, e Lelito pensava. As Catiliná- rias abertas na carteira, o dicionário à direita, o caderno de significados à esquerda e o lápis na mão – pareciam demonstrar que Lelito prepareva a sua lição de latim. Mas Lelito não pensava nas Catilinárias. Na realidade nem pensava...”


Homenagem - Jorge de Sena - Referência de Liberdade

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Guilherme d’Oliveira Martins

Conselho de Administração, Fundação Calouste Gulbenkian Conselho Editorial, Nova Cidadania

Jorge de Sena é uma referência para a nossa geração, pelos altos padrões de valores que nos apontou e pela sua coragem.

Concordo com António Feijó quando afirma que Jorge de Sena é uma referência para a nossa geração, pelos altos padrões de valores que nos apontou e pela sua coragem. O certo é que o escritor, o poeta, o ensaísta lutou por uma liberdade que não era compatível com a mediocridade. Daí a necessidade de trabalho, de persistência e de uma capacidade inequívoca de vislumbrar o outro lado das coisas. Sem a tentação de apenas ver a claro e escuro ou de se limitar ao próprio e ao alheio, Sena é uma referência. Isso mesmo tem gerado mil incompreensões e injustiça. Importa, por isso, lembrar os verdadeiros testemunhos e não comentários de despeito e de má-fé. Recordo bem, quando “O Tempo e o Modo” (no 59, Abril de 1968) publicou o número dedicado a Jorge de Sena, como houve vozes surdas e sonoras, desconfiadas, sem compreender, o que hoje sabemos, ou seja, a importância do pensamento e do método do polígrafo. António Cândido, que conheci, recordava amiúde: “Bastava conversar algum tempo com Jorge de Sena para perceber as suas fagulhas de genialidade. Na sua personalidade vulcânica, talvez o que mais impressionasse fosse a estrutura de contrastes. Era versátil de modo extensivo e, ao mesmo tempo, densamente profundo. Era arrebatado atéà explosão e concentradamente reflexivo. A sua informação era inacreditável e a sua capacidade de captar conhecimento chegava a causar espanto pela rapidez e a penetração, só comparáveis à presteza com que traduzia os resultados em escrita”... Pedro Tamen, num depoimento dado à revista “Relâmpago” (no 21, 2007) resumiu o essencial: “Sena era impaciente e tinha mau feitio. Cometeu, sem dúvida, algumas injustiças; mas se o fez, foi por não ter pachorra para a mediocridade. Para o ‘reino da estupidez’.É que Jorge de Sena era superior mesmo”.

Há um ensaio notabilíssimo, não sobre os temas habituais de Jorge de Sena, mas sobre a grande filosofia política, que atesta bem a exigência de pensamento do mestre. Falo de «Maquiavel e o “Príncipe”», publicado em S. Paulo, pela Cultrix, em 1963, numa obra intitulada Livros que abala- ram o mundo. Nesse livro Sena escreveu ainda «Marx e “O Capital”». Entre nós, Maquiavel e Outros Estudos, foi publicado pela Livraria Paisagem, do Porto, em maio de 1974, envolvendo Miguel Ângelo, Shakespeare, Galileu, Marx, Rousseau, Chestov e Malraux... No dia em que li esse extraordinário texto, Maquiavel tornou-se não aquela figura que muitos associam a um adjetivo caricatural e falso, mas o grande moralista, pensador político, que refletiu sobre a unificação italiana como um sinal de civilização. Nem velhacaria nem perfídia, do que Maquiavel trata é de outra coisa, e por isso deve ser considerado como “um patriota italiano e um estadista angustiado por ver a Itália dividida em principados, repúblicas, estados papais, e territórios de potências estrangeiras”. “Foi e é, um dos maiores escritores da literatura italiana; e, se compreendida e situada no tempo dele, a sua obra é a de um dos mais argutos, lúcidos e corajosos pensadores políticos de todas as épocas”. A sua grande revolução do pensador é despir “a ação política de toda a transcendência e, sobretudo, de toda e qualquer sanção extrínseca aos próprios valores cuja conquista devem norteá-la”. Leia-se, aliás, a “Carta a Meus Filhos sobre os Fuzilamentos de Goya”, onde essa lembrança viva se encontra, “... o mesmo mundo que criemos / nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa / que não é nossa, que nos é cedida / para a guardarmos respeitosamente / em memória do sangue que nos corre nas veias, / da nossa carne que foi outra, do amor que / outros não amaram porque lho roubaram” (Metamorfoses, 1963).

Sem a tentação de apenas ver a claro e escuro ou de se limitar ao próprio e ao alheio, Sena é uma referência

Homenagem - Jorge de Sena - Referência de Liberdade Para Sena, Maquiavel “é um moralista na mais alta e nobre aceção da palavra: aquele que descreve os costumes humanos, os resultados a que eles conduzem, e as causas que os condicionam, com objeti- vidade clínica. Se daí pode ser extraído, ou não, um conjunto de normas morais que rejam o bem-viver em sociedade, eis o que excede o âmbito do seu pensamento. E excede-o, não porque entende lucidamente que, no plano político, a virtude só tem sentido se estiver ao serviço de alguma coisa concreta”. A intuição do ensaísta português é extraordinária, uma vez que insere o grande pensador italiano no grande movimento de emancipação política da contemporaneidade. Eis como o pensamento de Maquiavel é contrário àquilo que “tem sido pejorativamente acusado de o ser; e a exploração que tiranos e ditadores fizeram dele não passa de uma depravação criminosa da sua nobreza intrínseca, da sua coerência empírica, da sua dignidade fundamental”. Longe de uma ambivalência moral e da tentação de justificar a ilegitimidade e a tirania, do que se trata é da criação de condições para que a liberdade, a dignidade e a independência possam existir. O bem e o mal perdem sentido na vida sociopolítica se forem abstratamente dissociados, já que, como diz o povo, de boas intenções está o inferno cheio. No fundo, temos de entender que a República, é dela que Maquiavel nos fala, é um regime de pessoas imperfeitas, que têm de saber lidar com a imperfeição, para poderem ser melhores. A lucidez do escritor é demasiado crua? Mas é preciso partirmos dela para criar condições a fim de nos aproximarmos de uma “vita buona”, conscientes de que nunca será acabada e perfeita, uma vez que em tal caso se tornaria desumana. “Todo o pensamento e toda a ação levam em si aquilo que os contradiz e destrói, aquilo que os fará inferiores à realidade que os ultrapassa”. De facto, “pensamento e realidade criam-se mutuamente, e é a criação, o ato de criar, o que os excede a ambos, e não um que se excede ao outro”.

Basta lembrarmo-nos do ciclo de frescos de Ambrogio Lorenzetti no Palazzo Pubblico de Siena, para compreendermos a importância e o sentido do texto de Maquiavel. Aí se oferecem as representações iconográficas dos conceitos políticos abstratos: a Paz, a Concórdia e a Segurança, por oposição à Guerra, à Divisão e ao Medo. E como mostrou Quentin Skinner, o grande pensador contemporâneo que tem estudado o tema, a alegoria do Bom Governo deve ser interpretada como a tradução visual duma ideologia: a do ideal da cidadania e da autonomia republicana, que se desenvolveu nas cidades-estado em Itália no início do Renascimento – e que Maquiavel deseja generalizar. Nesta perspetiva “Lorenzetti não se contenta com ilustrar uma ideologia da vida civil, contribui simultaneamente para produzir esta ideologia e da maneira mais espetacular. Ora, é a esta luz que o “Príncipe” deve ser lido, como extraordinária apresentação positiva de uma ideologia inovadora sobre as raízes republicanas do que hoje designamos como Democracia. Trata-se, no fundo da demarcação necessária relativamente às diversas formas de despotismo e tirania. Por isso, Jorge de Sena foi perentório: “A monstruosidade do príncipe maquiavélico é apenas, paradoxalmente, a do homem reduzido à sua virtù. E, se Maquiavel foi genial nesta redução que restitui o homem à sua dignidade responsável, foi porque retirou ao homem a desculpa de atribuir-se o direito de ser monstruoso à escala divina”.


Obituário - Gertrude Himmelfarb (1922-2019) - Uma homenagem pessoal

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João Carlos Espada

João Carlos Espada

Director do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa. Director de Nova Cidadania

Foi sobre o mistério da cultura política de língua inglesa — associando liberdade e sentido de dever — que a distinta historiadora Gertrude Himmelfarb nos deixou uma obra inesquecível.

Na passada terça-feira, 31 de Dezembro, recebi pelas 14h06 um email de William Kristol intitulado “sad news”. Abri com hesitação, e os meus receios foram infelizmente confirmados. Bill informava os amigos de que sua mãe, Gertrude Himmelfarb, morrera na noite anterior, aos 97 anos, em casa e pacificamente. Fiquei em profundo silêncio, com lágrimas nos olhos. Recordei com comoção o nosso último jantar em Washington, no final de 2016, em que ela me anunciara o seu próximo livro, Past and Present: The Challenges of Modernity, from Pre-Victorians to the Postmodernists (Encounter Classics, 2017). E a seguir deambulei sozinho durante horas, pelas ruas do Estoril, recordando a minha querida Bea Kristol (como Gertrude Himmelfarb era conhecida entre os amigos, desde que casara com Irving Kristol, em... 1942).

Gertrude Himmelfarb, Irving Kristol, Raymond Plant, Ralf Dahrendorf e Karl Popper estão entre os autores que mais terão marcado intelectualmente a minha vida adulta — e que me apoiaram pessoalmente e desinteressadamente, como tenho procurado testemunhar em vários livros recentes. Todos conheci primeiro pelos seus livros, só depois tive o privilegio de os conhecer pessoalmente. No caso de Gertrude Himmelfarb, o grande responsável foi Karl Popper (através de quem, a propósito, também tinha vindo a conhecer Dahrendorf).

Nos distantes anos de 1990-1994 (quando fazia o meu doutoramento em Oxford sob orientação de Dahrendorf e visitas regulares a casa de Popper), Karl Popper disse-me que devia ler um livro de uma tal Gertrude Himmelfarb sobre Lord Acton (um católico liberal inglês do século XIX de quem eu nunca tinha ouvido falar). Fui à Blackwell’s, mas o livro não estava lá. Deram-me, em alternativa, um outro livro de Himmelfarb: Victorian Minds: A Study of Intellectuals in Crisis and Ideologies in Transition (original de 1952). Li o livro de um fôlego e voltei no dia seguinte à Blackwell’s, onde encomendei todos os livros de Himmelfarb. E os livros foram chegando pouco a pouco — e eu fui lendo todos, simplesmente encantado.

Obituário - Gertrude Himmelfarb (1922-2019) - Uma homenagem pessoalCriticou o marxismo e o relativismo pós-moderno, recordando que o niilismo nietzschiano, a par do relativismo materialista do marxismo, tinham estado associados à atmosfera intelectual que minara a democracia ocidental

Fui a seguir para a América, em 1994-96, onde leccionei na Universidade de Brown e depois em Stanford. Foi de lá que comecei a escrever cartas insistentes a Gertrude Himmelfarb (só mais tarde percebi que era casada com o famoso “pai do neo-conservadorismo” Irving Kristol, director da excelente revista The Public Interest (1965-2005), cuja colecção completa Dahrendorf tinha no seu escritório em Oxford — e que aliás mais tarde muito amavelmente me ofereceu). Nessas cartas, pedi repetidamente que nos encontrássemos. Finalmente, Gertrude Himmelfarb e Irving Kristol aceitaram jantar comigo em Washington — julgo que a 2 de Maio de 1996, porque é a data da dedicatória de Bea no livro Victorian Minds, que eu fiz questão de levar comigo.

Foi um jantar inesquecível, mas só me lembro de duas coisas: primeiro, muito anormalmente, não toquei no vinho; segundo, após uma longa conversa em que eu falei demasiado e muito nervosamente, eles perguntaram-me: “como se definiria politicamente?”. Julguei que ia desmaiar. Sei que, após um longo silêncio, terei dito: “Não sei... Talvez um liberal vitoriano?” Julgo recordar que eles me envolveram com um vasto e doce sorriso, quase paternal.

Depois desse jantar, Bea e Irving passaram a convidar-me para vários encontros com vários amigos em Washington. Foi através deles que conheci o seu filho, Bill Kristol, e depois Michael Novak, George F. Will, Christopher de Muth, Charles Krauthammer, Walter Berns, entre tantos outros. E foi na sequência desse jantar que Gertrude Himmelfarb aceitou o convite para dar uma conferência em Lisboa, no âmbito do ciclo “A Invenção Democrática”, que coordenei por muito amável convite de Mário Soares para assinalar o lançamento da sua Fundação Mário Soares (entre Outubro de 1996 e Dezembro de 1997).

Foi uma noite memorável, na Fundação Calouste Gulbenkian, em 23 de Maio de 1997. Gertrude Himmelfarb foi eloquentemente apresentada pela historiadora Maria Filomena Mónica. A seguir, Bea proferiu uma vigorosa palestra sobre “Democracia e Valores Modernos”. Criticou o marxismo e, sobretudo, o relativismo pós-moderno, recordando que o niilismo nietzschiano, a par do relativismo materialista do marxismo, tinham estado associados à atmosfera intelectual que minara a democracia ocidental. E terminou recordando o papel do sentido vitoriano de dever e da religião judaico-cristã na defesa dos padrões de decência e pluralismo das democracias que resistiram à avalanche comunista-fascista na década de 1930.

A palestra foi ouvida em total silêncio. No final, contudo, uma avalanche de perguntas hostis tomou o palco. Lembro-me de uma garota pedir a palavra e dizer que não tinha ouvido um discurso tão reaccionário “desde os tempos de Salazar” (que ela obviamente não podia ter conhecido). Gertrude Himmelfarb estava totalmente surpreendida. Respondeu a todos tranquilamente, sublinhando que estava a defender as democracias de língua inglesa que tinham resistido sozinhas à coligação nazi-comunista.

No dia seguinte, ao almoço (na York House, em Lisboa, na Rua das Janelas Verdes), Bea lamentou que pudesse ter gerado algum embaraço — a mim e, sobretudo, ao ex-Presidente Mário Soares, um socialista. Mas também deixou claro que ficara surpreendida com o radicalismo da reacção ocorrida — em que se exprimira a clássica confusão francófona entre liberalismo conservador e reaccionarismo anti-liberal e contra-revolucionário.

Na altura, julgando sentir o desconforto de Mário Soares, coloquei o meu lugar à sua disposição, explicando que não queria marcar a inauguração da sua Fundação com pontos de vista que ele pudesse considerar desconfortáveis. Soares reagiu com a sua clássica compostura e disse qualquer coisa do género: “Bem, que a senhora Himmelfarb é bastante mais conservadora do que eu, não restam dúvidas. Mas era o que faltava que eu fosse agora reinstalar a censura salazarista ou comunista, depois de ter passado a vida a lutar contra elas! Continue com este programa pluralista que é de grande qualidade!”

Os Caminhos para a Modernidade

Gertrude Himmelfarb
Os Caminhos para a Modernidade Os Iluminismos Britânico, Francês e Americano
Edições 70, 2015

A mesma série de conferências, com ligeiras adaptações e sob o mesmo título “The Democratic Invention”, foi depois repetida em Washington sob a égide do National Endowment for Democracy, por iniciativa de Marc F. Plattner, director fundador do Journal of Democracy (que é também presidente fundador do International Advisory Board do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica). Mário Soares foi homenageado no Congresso norte-americano na ocasião da primeira conferência da nova série, por ele proferida em Washington a 3 de Junho de 1997. As palestras foram depois publicadas em livro, em português e em inglês.

Gertrude Himmelfarb colocou esta arte de evitar “infelizes dicotomias” no centro dos Iluminismos britânico e americano, por contraste com o radicalismo dogmático do Iluminismo francês e continental

Mário Soares era, à sua maneira e ainda que não gostasse de o admitir, um admirador das grandes democracias de língua inglesa que tinham resistido sozinhas à barbárie nazi-comunista. Gertrude Himmelfarb foi sobretudo uma distinta historiadora da Inglaterra Vitoriana e da subtil combinação entre liberdade e sentido de dever que esteve subjacente ao chamado “milagre inglês”. Como ela escreveu em Victorian Minds, “o verdadeiro ‘milagre da Inglaterra moderna’ (a expressão famosa de Elie Halevy) não foi que ela tenha sido poupada à revolução, mas que ela tenha assimilado tantas revoluções — industrial, económica, social, política, cultural — sem recurso à Revolução.” (p. 292)

Isto foi possível porque a cultura política de língua inglesa soube sempre evitar aquilo que Dahrendorf designava por “dicotomias infelizes”: entre passado e futuro, tradição e mudança, fé e razão, patriotismo e cosmopolitismo. Gertrude Himmelfarb colocou esta arte de evitar “infelizes dicotomias” no centro dos Iluminismos britânico e americano, por contraste com o radicalismo dogmático do Iluminismo francês e continental:

“Os Iluminismos britânico e americano foram latitudinários, compatíveis com um largo espectro de crença e descrença. Não houve Kulturkampf naqueles países para distrair e dividir a população, colocando o passado contra o presente, confrontando o sentimento esclarecido contra instituições retrógradas, e criando uma divisão inultrapassável entre razão e religião... E, para ambos os Iluminismos (britânico e americano), a religião era um aliado, não um inimigo”. [Os Caminhos para a Modernidade: Os Iluminismos Britânico, Francês e Americano, 2004, edição portuguesa: Edições 70, 2015, p. 27).

Talvez aqui tenha residido um dos ingredientes do que o austro-britânico Sir Karl Popper chamava o mistério do espírito de “gentlemanship”, que ele colocava no centro da cultura política de língua inglesa — que o tinha acolhido no exílio (primeiro na Nova Zelândia, depois em Londres) e que ele tanto admirava. Por “gentlemanship”, Popper designava a atitude de alguém “que não se leva demasiado a sério, mas que está pronto a levar muito a sério os seus deveres, sobretudo quando a maioria à sua volta só fala dos seus direitos”.

Foi sobre este mistério da cultura política de língua inglesa que a distinta historiadora Gertrude Himmelfarb nos deixou uma obra inesquecível.

Artigo originalmente publicado no Jornal Observador


Obituário - Diogo Freitas do Amaral (1941- 2019)

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Guilherme d’Oliveira Martins

Guilherme d’Oliveira Martins

Conselho de Administração, Fundação Calouste Gulbenkian; Conselho Editorial, Nova Cidadania

Diogo Freitas do Amaral ensinou-nos a não baixar os braços.

A última vez que estivemos juntos foi a trabalhar, em casa de uma amiga comum, a Professora Maria da Glória Garcia. Apesar de frágil fisicamente, continuava a ser o mesmo, extremamente metódico e rigoroso, afável e disponível, sem perder o fio condutor do bom método. Tratava-se de reorganizar o grupo dos amigos do Mosteiro dos Jerónimos, nascido da preocupação de não considerar o Ano Europeu do Património Cultural como um momento passageiro e sem consequência. Quando, há dias qualifiquei, sentidamente, Diogo Freitas do Amaral como um homem de causas, estava a pensar em vários dos momentos da sua vida, alguns em que nos encontrámos e convergimos. Para o jovem professor que encontrei na Faculdade de Direito em 1970, foi essa uma das marcas do seu carácter que me atraiu. Mais do que o formalismo do ato administrativo, importava, essencialmente, ver a Administração Pública como realidade viva, ao serviço dos cidadãos e da realização do bem comum. E quando, nesse tempo, estudávamos realidades novas, como o ordenamento do território, era a aproximação aos cidadãos que estava em causa. E quando líamos Alexandre Herculano a reclamar a governança do país pelo país e a ligar a liberdade cívica à melhor organização dos povos e ao reconhecimento do valor matricial do municipalismo, descobríamos, naturalmente, a importância do reformismo. Estávamos num tempo em que a ideia de reforma não podia deixar de entrar na ordem do dia.

Se falo de Herculano é, também, para dizer que encontrei sempre em Diogo Freitas do Amaral a paixão da história, da história política e da história das ideias. Os temas culturais entusiasmavam-no. Nota-se essa inclinação em obras como: “D. Afonso Henriques – Uma Biografia” (2000), “D. Afonso III, o Bolonhês, um Grande Homem de Estado” (2015) e “Da Lusitânia a Portugal. Dois Mil Anos de História” (2017). Tivemos oportunidade de falar sobre esses temas, e a leitura dessas obras significa, antes do mais, repercussão de uma prática anglo-saxónica evidenciada em muitos grandes intelectuais e políticos (como Roy Jenkins) que leva à reflexão e à escrita, muitas vezes biográfica, de modo a enriquecer o debate de ideias. As três obras referidas enquadram-se nessa boa tradição. Mas outras houve que deixou, designadamente para melhor compreensão dos diversos temas jurídicos e políticos que estudou.É a reflexão política que está presente – ligando a visão crítica dos acontecimentos históricos e sobre a evolução de Portugal. O caso de D. Afonso III é evidente. De facto, o pai de D. Dinis é quem cria condições para a constituição pioneira de um Estado pós-medieval, com unidade política, administrativa, económica e cultural. Vindo do centro da Europa, o Bolonhês, o grande homem de Estado, conseguiu construir no ocidente peninsular uma realidade moderna, que abrirá horizontes para os fulgurantes séculos XIV e XV. Esse sentido reformador entusiasmou o nosso autor, que escreveu a obra histórica a pensar no Portugal de hoje, a partir da Europa, e na necessidade de planear o futuro com horizontes abertos e largos. O mesmo se diga da biografia de D. Afonso Henriques, onde é a rigorosa análise política que prevalece, com destaque para a compreensão da importância de consolidar a frente marítima – que até aos nossos dias se tem revelado essencial. Aqui esteve a divergência política (longe explicações psicanalíticas) com a mãe, D. Teresa, que estava apegada à manutenção de influência no reino asturo-leonês e na Galiza... O que esteve em causa, como o autor confirma, seguindo a melhor doutrina, foi a amplitude significativa da revolta dos barões portucalenses, bem como “a impressão causada pelas qualidades combatentes e de liderança demonstradas pelo jovem príncipe português”. Uma leitura atenta das obras referidas confirma plenamente como o cidadão culto e estudioso, ciente da importância da História política, contribui com sentido pedagógico e capacidade crítica para a reflexão, de que tanto está carenciada uma sociedade que se deseja esclarecida e madura – em lugar dos tempos de imediatismo e de superficialidade. A História política tem de ser valorizada, não apenas na dimensão historiográfica, mas também no campo das ideias. Essa era uma convicção clara que sempre encontrei no estudioso.

Diogo Freitas do AmaralComo homem de causas, como homem de cultura, empenhou-se ativamente pela cultura da paz, pela defesa e salvaguarda dos direitos fundamentais

Já referi a anglofilia de Diogo Freitas do Amaral, que levava, nestes últimos tempos, à amargura pelo que via na evolução dos acontecimentos ligados ao “Brexit”, no qual ninguém se entende, contrariando um proverbial “british common sense”, que tanto admirava. Para além de ser um cultor exemplar do “Direito Administrativo”, na senda de Marcelo Caetano, com novas perspetivas científicas e pedagógicas abertas, tornou-se um exemplar pedagogo da “História das Ideias Políticas”, sobre que também muito falámos. Na ”História do Pensamento Político Ocidental”, de Thomas Morus a Montesquieu, até Burke e Tocqueville, chegando nos nossos dias a Karl Popper, Raymond Aron, Isaiah Berlin ou Jacques Maritain o que o preocupa é a compreensão da democracia como realidade dinâmica, em permanente transformação, num sentido reformista, com instituições mediadoras, capazes de garantir a representação e a participação dos cidadãos. Leia-se, aliás, o “Manual de Introdução à Política” (2014), onde as ameaças sobre democracia estão evidenciadas, com uma preocupação especial com a verdade e a justiça. E não esquecemos que foi por proposta do CDS que a Constituição da República refere expressamente no seu articulado a Declaração Universal dos Direitos Humanos, como garantia de um Estado de Direito e de direitos. As três revoluções, inglesa, americana e francesa, tinham de ser vistas pelo autor articuladas entre si, no contexto do pluralismo e da separação e interdependência de poderes. E o “New Deal” de Franklin D. Roosevelt permitiu às economias mistas modernas dar resposta às incapacidades do mercado e às incapacidades da intervenção do Estado. As encíclicas de João Paulo II, Bento XVI e do Papa Francisco sobre a idolatria do mercado, sobre a “economia que mata” e sobre os desafios ligados ao meio ambiente mereceram, assim, especial atenção ao cidadão preocupado com a emergência de democracias ditas iliberais, que considerava chocantes contradições nos termos. Como homem de causas, como homem de cultura, empenhou-se ativamente pela cultura da paz, pela defesa e salvaguarda dos direitos fundamentais e, para referir um dos seus últimos combates empenhou-se em considerar a defesa do património cultural como um dever fundamental de uma sociedade mais humana e respeitadora da sua memória. Deixar ao abandono a herança e a memória das gerações que nos antecederam é destruir o carácter e a identidade, como realidade abertas, não do passado, mas do presente e do futuro. O património material e imaterial, a natureza e as paisagens, o mundo digital e a criação contemporânea exigem a nossa responsabilidade. Diogo Freitas do Amaral ensinou-nos a não baixar os braços.


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