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Palestra realizada em Lisboa, Centro de Estudos Europeus do Instituto de Estudos Políticos, no dia 4 de maio de 2018.

Começo naturalmente por agradecer o convite para vir falar uma vez mais à Universidade Católica, ao Instituto de Estudos Políticos, é sempre com muito gosto que o faço, e desta vez devo uma palavra muito especial ao Diretor do Centro de Estudos Europeus, Dr. José Manuel Durão Barroso, a quem me liga uma amizade de largos anos.

O tema que me foi proposto “ Portugal, a EU e as Nações Unidas” é tão vasto, pode ser abordado sob tantos ângulos, que o risco seria o de ficarmos perdidos num emaranhado de tópicos donde fosse difícil extrair um fio condutor. Decidi assim focar o essencial da minha intervenção na relevância das duas organizações para o nosso país e no papel que Portugal pode e deve desempenhar para potenciar não só a sua influência nelas como a própria influência delas mesmas no âmbito da política externa. Uma política externa definida em termos e para temas que num mundo em rápida mudança não são já obviamente apenas os clássicos.

Mas vejo-me obrigado a uma nota à laia de intróito. Para sublinhar que para Portugal a União Europeia não é apenas uma, mais uma, organização internacional a que o país pertence. A União Europeia é muito mais do que isso, é uma organização para a qual o país transferiu livremente uma parte da sua sobe- rania e nessa medida ela é hoje co- definidora da identidade nacional. Donde resulta que não só tudo o que acontece na União Europeia tem, direta ou indirectamente, impacto na vida do nosso país como tem influência na percepção que outros, fora da própria UE, fazem de nós.

Se há uma marca própria na atitude de Herculano, ela corresponde à afirmação da liberdade como um fator necessário de afirmação de vontade.

“Querer é quase sempre poder: o que é excessivamente raro é querer”. - Alexandre Herculano

Com esta afirmação Alexandre Herculano responde a muitos dos que consideram o primado da liberdade crítica como um não querer. Sabemos como o autor de Eurico se demarcou das novas gerações que se lhe seguiram, em especial da que se afirmou nas Conferências Democráticas pela evolução e pela igualdade. Mas conhecemos os termos da polémica civilizada, mas claríssima, que travou com Oliveira Martins (sob o olhar atento de Antero), em que deixou muito clara a sua atitude essencial relativamente ao primado da liberdade política, económica e cultural. De qualquer modo, se há uma marca própria na atitude de Herculano, ela corresponde à afirmação da liberdade como um fator necessário de afirmação de vontade. Liberdade e não querer são assim antagónicos e contraditórios, na perspetiva herculaniana. E aí os detratores do velho historiador viram uma contradição insaná- vel, entre o distanciamento na intervenção e a retidão quase profética na ética. Nesse sentido, a partir de Kant, aproximou-se de Montesquieu e de Tocqueville, numa demarcação evidente em relação a Rous- seau. Não é a liberdade do bom selvagem que Herculano invoca, mas a articulação de vários poderes, a sua autolimitação e a consideração da cidadania, como distinta de uma “vontade geral”, abstrata ou uni- formizadora, e enquanto concretização de instituições livres, capazes de assegurarem uma mediação eficaz e legitimadora. Os fundamentos medievais das instituições animaram, de facto, a sua investigação histórica, com especial ênfase para o municipalismo, o que motivou críticas à historiografia moderna. [...]

A revolução constitucional do Porto de 1820 foi o corolário de uma tomada de consciência sobre a necessidade de encontrar um regime constitucional moderno, assente numa legitimidade cidadã.

“Querer é quase sempre poder: o que é excessivamente raro é querer”. - Alexandre Herculano

Garrett, ao escrever em 1821, sobre os princípios da nossa primeira revolução liberal, a do Porto de 24 de agosto de 1820, disse que “os homens são iguais, porque são livres, e são livres porque são iguais; eis aqui um círculo vicioso à primeira vista, mas uma demonstração verdadeira; e exata, para quem a quiser aprofundar. (...) Somos livres; porque os direitos, que temos à existência, à boa existência, a prover aos meios dela, a aperfeiçoá-la, são comuns a todos (...). Somos iguais; porque não podendo nenhum homem ser impedido por outro no exercício dos seus direitos, sendo estes os mesmos para uns, que para outros, e portanto livres, este estado forma o que se diz, e o que é a igualdade”... E não deve esquecer-se a fraternidade, já que é “o homem dotado de uma sociabilidade, ou necessidade de viver com os outros homens, que é clara e patente a todas as luzes”. Nesta referência atualíssima, encontramos o fundamento do constitucionalismo moderno [...]

Com o autoritarismo a aumentar tanto a nível nacional como internacional, agora não é altura para desistir da experiência americana.

“Querer é quase sempre poder: o que é excessivamente raro é querer”. - Alexandre Herculano

Não faltam livros de conservadores americanos a atacar liberais americanos, e à primeira vista o Why Liberalism Failed parece ser apenas mais um acrescento ao género. Mas o título do livro é enganador, porque o seu autor, Patrick Deneen, professor de ciência política em Notre Dame, nos oferece também uma crítica do conservadorismo contemporâneo. Na verdade, ele vê o progressismo e o conservadorismo contemporâneos, as “principais opções políticas da nossa era”, como dois lados “da mesma moeda falsificada.” Ambos os lados aceitam os princípios fundamentais do liberalismo no sentido mais amplo, o sentido presente na expressão “democracia liberal” – princípios que incluem direitos individuais, constitucionalismo, e regência da lei.

Apesar do seu ataque aos fundamentos básicos do regime americano, o livro de Deenen foi já recebido com comentários respeitosos, ainda que críticos, dos colunistas conservadores do New York Times, David Brooks e Ross Douthat. É fácil perceber por que razão a defesa feita por Deneen da família, da ordem, da virtude e da tradição é apelativa a muitos conservadores. Tal como o seu ataque à dispersão da cultura contemporânea (ou “anti-cultura”, como ele prefere chamar-lhe) pela sua ênfase na autonomia individual sobre os valores comunitários.

O neopopulismo é um estilo de fazer antipolítica nostálgica. Dado o seu estilo oposicionista, o neopopulismo é mais explícito a respeito do facto de que é contra o status quo, a heterogeneidade e o “sistema” do que a respeito do que defende.

Esta tarde vamos examinar, em conjunto, aquilo que podemos denominar “neopopulismo” e as suas causas. Para poupar tempo, estabeleçamos desde já que neopopulismo é apenas o mais recente exemplo do populismo clássico. É, em poucas palavras, o populismo da era da informação. Quero com isto dizer que é semelhante ao populismo clássico, mas tal como este se manifesta nas plataformas sociais atuais (pensem no Facebook. Twitter, Tumblr, YouTube, Digg, Hulu, entre outros). Assim, entendo que as principais diferenças entre o populismo clássico e o neopopulismo são sobretudo de estilo, especialmente a respeito do que hoje chamamos enviar mensagens, embora haja algumas ligeiras diferenças de substância devido ao facto de que enfrentam diferentes “superestruturas” do status quo. Por exemplo, os neopopulistas enfatizam mais o que consideram ser os males do actual status quo: desigualdade económica, globalização (sobretudo globalização cultural) e imigração. De resto, considero-os essencialmente idênticos (e, adiante, tratarei o neopopulismo apenas como a variante atual do populismo).

O nosso objectivo esta tarde é identificar as três principais causas do neopopulismo, as quais creio que, em conjunto, explicam em grande medida a sua ascensão nos últimos tempos. Todavia, antes de chegarmos aí, precisamos de “arrumar a casa”, esclarecendo alguns aspetos semânticos prévios – precisamos, nomeadamente, de deixar claro o que é, exatamente, o populismo. Poderão pensar que é um passo desnecessário. Afinal, o populismo não é um termo complexo e esotérico. Todavia, só porque ouvimos ou lemos sobre isso com frequência, não decorre daí que o seu significado seja claro, que todos tenhamos os mesmos referentes em mente quando o utilizamos. Isso é particularmente verdade a respeito de termos como populismo, com significados que constituem aquilo a que cientistas políticos como Cas Mudde e Cristobal Kaltwasser denominam “pouco consistente” (“thin”). Para Mudde e Kaltwasser, o significado de um termo é “pouco consistente” quando alude a algo tão geral que o seu conteúdo é “ligeiro” ou, pior, “maleável”. Por conseguinte, esses termos “pouco consistentes”, entre eles o populismo, são facilmente utilizados de forma indevida ou mal empregues, o que pode dar origem a um pensamento “desleixado”. Todavia, há outro problema com o populismo, nomeadamente o facto de se ter tornado, nos últimos tempos, uma espécie de arma de arremesso, aquilo que os alemães chamam um Kampfbegriff 1 . Tal acontece porque, quando a palavra “populismo” é usada em discussões, raramente o é para promover o esclarecimento intelectual mas com intuitos políticos partidaristas. Serve frequentemente de epíteto e é raro ser definida com rigor. Resultado: o termo populismo não aumenta, mas distorce o nosso entendimento. Assim, é prudente questionar aqui, ao iniciar a nossa tarefa: o que é que queremos exatamente dizer quando chamamos alguém populista?

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