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O meu objectivo não é o de condenar liminarmente o populismo, e ainda menos deixar os seus adversários elitistas de fora, mas sim o de destacar os impulsos conformistas e colectivistas inerentes ao populismo - a todo o populismo - e sugerir que os conservadores estejam atentos a estas tendências.

Há mais de dois anos que os Estados Unidos vivem no equivalente político a uma erupção vulcânica. O volume de cinza vulcânica que esta gerou – sob a forma de cobertura mediática, publicações em blogues e tweets – tem sido avassalador. Nestas circunstâncias tumultuosas, é difícil pensar com clareza acerca da nossa condição. Ainda assim, temos que tentar.

Antes de mais, uma breve definição de conceitos. Por “conservadores”, no seguinte ensaio, referir-me-ei principalmente aos conservadores americanos que cresceram sob, ou foram um produto do movimento conservador político e intelectual que se desenvolveu na era de William F. Buckley Jr. e Ronald Reagan. Por outras palavras, aqueles conservadores que, até bastante recentemente, ocuparam o movimento conservador convencional. Por “populismo”, referir-me-ei simplesmente a um fenómeno recorrente na política americana, definido de forma concisa como a revolta das pessoas comuns contra elites prepotentes e egoístas.

Posições populistas – caracterizadas pela celebração da virtude das pessoas comuns e falta de confiança nos chamados “melhores” – não são novidade na história americana. De facto, tais impulsos podem ser uma característica de todas as sociedades democráticas, governadas como são, em princípio, pelo sufrágio universal e por divisão do trabalho entre os governadores e os governados. Estas posições dão à vida política diária uma espécie de pano de fundo – uma corrente de murmúrios nas conversas políticas que estão em curso.

Actualmente, a mentira política teria ido longe demais, entre nós: teríamos chegado ao ponto em que a verdade, mais do que falseada ou contestada pelos actores políticos deixou de ser relevante ou interessante para o público, para o eleitorado

A opinião vulgar segundo a qual “os políticos são todos uns aldrabões” não corresponde apenas a um arreigado (embora injusto) preconceito popular, magnificado pela recente vaga populista, mas tem antigos e veneráveis pergaminhos. Não é suficiente remontar ao inevitável Maquiavel, no seu persuasivo e sincero elogio da fraude e da má-fé. Muito antes, Platão inventara a «nobre mentira», e fez constar que «se a alguém compete mentir, é aos chefes da Cidade, por causa dos inimigos ou dos cidadãos, para benefício da Cidade». E já o Salmo 146(145) aconselhava a não confiar nos poderosos: «nolite confidere in principibus».

Hannah Arendt sustentou que há uma inegável afinidade entre a mentira e a política. E não se referia apenas ao segredo e mentira de Estado, que são usuais – e, em geral, legítimos (até certo ponto), uma vez que são dirigidos contra o inimigo (potencial, pelo menos) – na política da guerra e nos negócios estrangeiros. Referia-se também a algo mais do que à hipérbole e mistificação típicas da propaganda democrática e publicidade partidária. Arendt referia-se basicamente à mentira ou falsidade deliberada, oposta à «verdade dos factos» – não à verdade filosófica ou científica – e portanto distinguível do erro, da ilusão, da opinião ou da teoria. Isso verifica-se, de modo patológico, nos regimes totalitários, onde, para mudar o futuro, se considera necessário falsear quer o passado, quer o presente: aí, todos mentem, quase que por instinto de sobrevivência. Como sabemos, também a moderna política democrática não é impermeável à banalização da mentira, embora com grande diferença relativamente ao que sucede naqueles regimes. Contudo, actualmente, a mentira política teria ido longe demais, entre nós: teríamos chegado ao ponto em que a verdade, mais do que falseada ou contestada pelos actores políticos (o que demonstraria, a contrario, que ainda é considerada suficientemente valiosa e importante), deixou de ser relevante ou interessante para o público, para o eleitorado. O expoente da política da pós-verdade seria a eleição de Donald Trump, obviamente. A rejeição de Hillary Clinton pelas massas – tal como a vitória do Brexit... – seria o repúdio dos factos, a madrugada de uma apocalíptica e soturna “era pós-factual”, onde a razão e a evidência seriam esmagadas pela manipulação crua das emoções irracionais da plebe (que acolhe as fake news e despreza o fact-checking...).

O professor, o poeta, o homem de ciência, numa palavra, o humanista no sentido mais rico do termo.

Era Campo de Ourique e chovia. Foi o dia em que, muito justamente, fomos lembrar e homenagear Rómulo de Carvalho na casa onde morou. Com uma ponta de emoção, o Presidente da República não pôde deixar de lembrar, com palavras oportuníssimas do mestre, os tempos em que teve como professor o homenageado de agora. E ficou como marco dessa invocação uma placa, que lembrará a quem por ali passar o professor, o poeta, o homem de ciência, numa palavra, o humanista no sentido mais rico do termo. O quarteirão desse bairro cheio de memórias é, aliás, o mesmo em que viveu Bento de Jesus Caraça... E tal placa levará os passantes à recordação do exemplo de quem foi sempre um legítimo praticante da arte de ensinar e aprender. Sim, porque para o pedagogo de exceção o fundamental era compreender que há sempre uma troca quando se trata de educar. É a aprendizagem a marca da civilização, e é do despertar das consciências e do transmitir de saberes que depende a vivência da cultura. Com que zelo, com que amor sincero, como confessava seu filho Frederico, Rómulo se encarregava de ensinar (a começar na própria casa), nunca como monólogo, mas como autêntico diálogo. Não se tratava, porém, de descer até ao jovem aprendente, mas sim de o elevar ao conhecimento maduro, com a preocupação da clareza e do gradualismo. Para o mestre, haveria sempre que saber dar os passos necessários para chegar ao conhecimento e à compreensão. “Estimular é saber tirar proveito das coisas, saber encantar, digamos, pôr as coisas em relevo, mesmo as coisas insignificantes”. Para Rómulo de Carvalho, o experimentado docente: “o Professor tem de ter qualidades muito humanas e saber expressar-se, manifestar as suas ideias. Os alunos agradam-se disso. Tal como deliram com as experiências”. Mas na arte de educar tem de haver uma dramaturgia. É como se estivéssemos num teatro – com encenação, marcação, representação e climax. O amadorismo ou o improviso não cabiam nos procedimentos de Rómulo de Carvalho. Tudo tinha de estar muito bem preparado. Os alunos são julgadores severíssimos. Apenas se deixam impressionar se tudo for brilhante e irrepreensível. O metodólogo sabia-o, melhor que ninguém, e explicava isso com muito cuidado e rigor aos seus formandos. No testemunho de duas discípulas, Alcina do Aido (minha professora) e de Maria Gertrudes Bastos: “a preocupação que nos procurava incutir com a maior ênfase era a necessidade de, nas vésperas de uma lição em que se previa a realização de uma certa experiência, executá-la com o maior cuidado, testando todo o material até ao último pormenor, na tentativa de evitar qualquer falha que pusesse em risco a conclusão que se pretendia tirar”...

Em quase cem anos de vida, Maria Germana Tânger viveu intensamente, resumindo esse caminho deste modo: “tanta surpresa, tanta dedicação, tanto amor, tanta amizade, tanta desilusão, tanta força, tanta alegria, tanta esperança, tanta rebeldia, tanto desgosto, tanta saudade”...

Não esqueço as belas tardes passadas na acolhedora casa do Largo de S. Carlos, onde pairavam os mais puros espíritos poéticos. A primeira vez que lá entrei, deparei-me com a mais enigmática das frases de Almada Negreiros – escrita e autografada com a letra inconfundível do mestre e com o belíssimo d com a singular haste que nos levava aos mais ambiciosos sonhos. “Chegar a cada instante pela primeira vez”. Nunca mais perdi essa referência fantástica. Conheci pessoalmente Maria Germana Tânger no final dos anos sessenta, graças à amizade de seu filho António. E quantas vezes não lembrámos, aí mesmo, a presença forte de José de Almada Negreiros, iconoclasta, modernista, inconformista, poeta d’Orpheu, futurista e tudo. O certo é que fora ele a levar a jovem para a leitura de poesia – com o célebre “Corvo” de Edgar A. Poe, na tradução de Pessoa... O grande mestre morreu por essa altura, e não deixámos mais de o considerar na ara das nossas afinidades eletivas. E aqui o plural não é majestático, mas literalmente referido a quantos ali aprendemos a cultivar os mistérios da Arte. Maria Germana gostava da presença dos jovens, entre os alunos do Conservatório Nacional de Garrett e os muitos amigos que passavam por sua casa. Era uma pedagoga inata, que amava a arte como ponto de encontro do espírito. Esse era um tempo em que as mudanças se anunciavam, mas naquela casa, com toda a serenidade, vivíamos a geração de “Orpheu” como se ela se mantivesse viva. E não estaria? Ainda hoje quando todos os dias passo em frente do painel “Começar” na Gulbenkian, feito nesse ano em que comecei a visitar assiduamente a adorável casa do Largo de S. Carlos, recordo essa memória bem presente.

Destacamos alguns eventos realizados entre Janeiro e Maio de 2018 pelo Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa.

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