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Memória de Maria Germana Tânger

Em quase cem anos de vida, Maria Germana Tânger viveu intensamente, resumindo esse caminho deste modo: “tanta surpresa, tanta dedicação, tanto amor, tanta amizade, tanta desilusão, tanta força, tanta alegria, tanta esperança, tanta rebeldia, tanto desgosto, tanta saudade”...

Não esqueço as belas tardes passadas na acolhedora casa do Largo de S. Carlos, onde pairavam os mais puros espíritos poéticos. A primeira vez que lá entrei, deparei-me com a mais enigmática das frases de Almada Negreiros – escrita e autografada com a letra inconfundível do mestre e com o belíssimo d com a singular haste que nos levava aos mais ambiciosos sonhos. “Chegar a cada instante pela primeira vez”. Nunca mais perdi essa referência fantástica. Conheci pessoalmente Maria Germana Tânger no final dos anos sessenta, graças à amizade de seu filho António. E quantas vezes não lembrámos, aí mesmo, a presença forte de José de Almada Negreiros, iconoclasta, modernista, inconformista, poeta d’Orpheu, futurista e tudo. O certo é que fora ele a levar a jovem para a leitura de poesia – com o célebre “Corvo” de Edgar A. Poe, na tradução de Pessoa... O grande mestre morreu por essa altura, e não deixámos mais de o considerar na ara das nossas afinidades eletivas. E aqui o plural não é majestático, mas literalmente referido a quantos ali aprendemos a cultivar os mistérios da Arte. Maria Germana gostava da presença dos jovens, entre os alunos do Conservatório Nacional de Garrett e os muitos amigos que passavam por sua casa. Era uma pedagoga inata, que amava a arte como ponto de encontro do espírito. Esse era um tempo em que as mudanças se anunciavam, mas naquela casa, com toda a serenidade, vivíamos a geração de “Orpheu” como se ela se mantivesse viva. E não estaria? Ainda hoje quando todos os dias passo em frente do painel “Começar” na Gulbenkian, feito nesse ano em que comecei a visitar assiduamente a adorável casa do Largo de S. Carlos, recordo essa memória bem presente.


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