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Actualmente, a mentira política teria ido longe demais, entre nós: teríamos chegado ao ponto em que a verdade, mais do que falseada ou contestada pelos actores políticos deixou de ser relevante ou interessante para o público, para o eleitorado

A opinião vulgar segundo a qual “os políticos são todos uns aldrabões” não corresponde apenas a um arreigado (embora injusto) preconceito popular, magnificado pela recente vaga populista, mas tem antigos e veneráveis pergaminhos. Não é suficiente remontar ao inevitável Maquiavel, no seu persuasivo e sincero elogio da fraude e da má-fé. Muito antes, Platão inventara a «nobre mentira», e fez constar que «se a alguém compete mentir, é aos chefes da Cidade, por causa dos inimigos ou dos cidadãos, para benefício da Cidade». E já o Salmo 146(145) aconselhava a não confiar nos poderosos: «nolite confidere in principibus».

Hannah Arendt sustentou que há uma inegável afinidade entre a mentira e a política. E não se referia apenas ao segredo e mentira de Estado, que são usuais – e, em geral, legítimos (até certo ponto), uma vez que são dirigidos contra o inimigo (potencial, pelo menos) – na política da guerra e nos negócios estrangeiros. Referia-se também a algo mais do que à hipérbole e mistificação típicas da propaganda democrática e publicidade partidária. Arendt referia-se basicamente à mentira ou falsidade deliberada, oposta à «verdade dos factos» – não à verdade filosófica ou científica – e portanto distinguível do erro, da ilusão, da opinião ou da teoria. Isso verifica-se, de modo patológico, nos regimes totalitários, onde, para mudar o futuro, se considera necessário falsear quer o passado, quer o presente: aí, todos mentem, quase que por instinto de sobrevivência. Como sabemos, também a moderna política democrática não é impermeável à banalização da mentira, embora com grande diferença relativamente ao que sucede naqueles regimes. Contudo, actualmente, a mentira política teria ido longe demais, entre nós: teríamos chegado ao ponto em que a verdade, mais do que falseada ou contestada pelos actores políticos (o que demonstraria, a contrario, que ainda é considerada suficientemente valiosa e importante), deixou de ser relevante ou interessante para o público, para o eleitorado. O expoente da política da pós-verdade seria a eleição de Donald Trump, obviamente. A rejeição de Hillary Clinton pelas massas – tal como a vitória do Brexit... – seria o repúdio dos factos, a madrugada de uma apocalíptica e soturna “era pós-factual”, onde a razão e a evidência seriam esmagadas pela manipulação crua das emoções irracionais da plebe (que acolhe as fake news e despreza o fact-checking...).

Com o autoritarismo a aumentar tanto a nível nacional como internacional, agora não é altura para desistir da experiência americana.

“Querer é quase sempre poder: o que é excessivamente raro é querer”. - Alexandre Herculano

Não faltam livros de conservadores americanos a atacar liberais americanos, e à primeira vista o Why Liberalism Failed parece ser apenas mais um acrescento ao género. Mas o título do livro é enganador, porque o seu autor, Patrick Deneen, professor de ciência política em Notre Dame, nos oferece também uma crítica do conservadorismo contemporâneo. Na verdade, ele vê o progressismo e o conservadorismo contemporâneos, as “principais opções políticas da nossa era”, como dois lados “da mesma moeda falsificada.” Ambos os lados aceitam os princípios fundamentais do liberalismo no sentido mais amplo, o sentido presente na expressão “democracia liberal” – princípios que incluem direitos individuais, constitucionalismo, e regência da lei.

Apesar do seu ataque aos fundamentos básicos do regime americano, o livro de Deenen foi já recebido com comentários respeitosos, ainda que críticos, dos colunistas conservadores do New York Times, David Brooks e Ross Douthat. É fácil perceber por que razão a defesa feita por Deneen da família, da ordem, da virtude e da tradição é apelativa a muitos conservadores. Tal como o seu ataque à dispersão da cultura contemporânea (ou “anti-cultura”, como ele prefere chamar-lhe) pela sua ênfase na autonomia individual sobre os valores comunitários.

O neopopulismo é um estilo de fazer antipolítica nostálgica. Dado o seu estilo oposicionista, o neopopulismo é mais explícito a respeito do facto de que é contra o status quo, a heterogeneidade e o “sistema” do que a respeito do que defende.

Esta tarde vamos examinar, em conjunto, aquilo que podemos denominar “neopopulismo” e as suas causas. Para poupar tempo, estabeleçamos desde já que neopopulismo é apenas o mais recente exemplo do populismo clássico. É, em poucas palavras, o populismo da era da informação. Quero com isto dizer que é semelhante ao populismo clássico, mas tal como este se manifesta nas plataformas sociais atuais (pensem no Facebook. Twitter, Tumblr, YouTube, Digg, Hulu, entre outros). Assim, entendo que as principais diferenças entre o populismo clássico e o neopopulismo são sobretudo de estilo, especialmente a respeito do que hoje chamamos enviar mensagens, embora haja algumas ligeiras diferenças de substância devido ao facto de que enfrentam diferentes “superestruturas” do status quo. Por exemplo, os neopopulistas enfatizam mais o que consideram ser os males do actual status quo: desigualdade económica, globalização (sobretudo globalização cultural) e imigração. De resto, considero-os essencialmente idênticos (e, adiante, tratarei o neopopulismo apenas como a variante atual do populismo).

O nosso objectivo esta tarde é identificar as três principais causas do neopopulismo, as quais creio que, em conjunto, explicam em grande medida a sua ascensão nos últimos tempos. Todavia, antes de chegarmos aí, precisamos de “arrumar a casa”, esclarecendo alguns aspetos semânticos prévios – precisamos, nomeadamente, de deixar claro o que é, exatamente, o populismo. Poderão pensar que é um passo desnecessário. Afinal, o populismo não é um termo complexo e esotérico. Todavia, só porque ouvimos ou lemos sobre isso com frequência, não decorre daí que o seu significado seja claro, que todos tenhamos os mesmos referentes em mente quando o utilizamos. Isso é particularmente verdade a respeito de termos como populismo, com significados que constituem aquilo a que cientistas políticos como Cas Mudde e Cristobal Kaltwasser denominam “pouco consistente” (“thin”). Para Mudde e Kaltwasser, o significado de um termo é “pouco consistente” quando alude a algo tão geral que o seu conteúdo é “ligeiro” ou, pior, “maleável”. Por conseguinte, esses termos “pouco consistentes”, entre eles o populismo, são facilmente utilizados de forma indevida ou mal empregues, o que pode dar origem a um pensamento “desleixado”. Todavia, há outro problema com o populismo, nomeadamente o facto de se ter tornado, nos últimos tempos, uma espécie de arma de arremesso, aquilo que os alemães chamam um Kampfbegriff 1 . Tal acontece porque, quando a palavra “populismo” é usada em discussões, raramente o é para promover o esclarecimento intelectual mas com intuitos políticos partidaristas. Serve frequentemente de epíteto e é raro ser definida com rigor. Resultado: o termo populismo não aumenta, mas distorce o nosso entendimento. Assim, é prudente questionar aqui, ao iniciar a nossa tarefa: o que é que queremos exatamente dizer quando chamamos alguém populista?

O meu objectivo não é o de condenar liminarmente o populismo, e ainda menos deixar os seus adversários elitistas de fora, mas sim o de destacar os impulsos conformistas e colectivistas inerentes ao populismo - a todo o populismo - e sugerir que os conservadores estejam atentos a estas tendências.

Há mais de dois anos que os Estados Unidos vivem no equivalente político a uma erupção vulcânica. O volume de cinza vulcânica que esta gerou – sob a forma de cobertura mediática, publicações em blogues e tweets – tem sido avassalador. Nestas circunstâncias tumultuosas, é difícil pensar com clareza acerca da nossa condição. Ainda assim, temos que tentar.

Antes de mais, uma breve definição de conceitos. Por “conservadores”, no seguinte ensaio, referir-me-ei principalmente aos conservadores americanos que cresceram sob, ou foram um produto do movimento conservador político e intelectual que se desenvolveu na era de William F. Buckley Jr. e Ronald Reagan. Por outras palavras, aqueles conservadores que, até bastante recentemente, ocuparam o movimento conservador convencional. Por “populismo”, referir-me-ei simplesmente a um fenómeno recorrente na política americana, definido de forma concisa como a revolta das pessoas comuns contra elites prepotentes e egoístas.

Posições populistas – caracterizadas pela celebração da virtude das pessoas comuns e falta de confiança nos chamados “melhores” – não são novidade na história americana. De facto, tais impulsos podem ser uma característica de todas as sociedades democráticas, governadas como são, em princípio, pelo sufrágio universal e por divisão do trabalho entre os governadores e os governados. Estas posições dão à vida política diária uma espécie de pano de fundo – uma corrente de murmúrios nas conversas políticas que estão em curso.

Em quase cem anos de vida, Maria Germana Tânger viveu intensamente, resumindo esse caminho deste modo: “tanta surpresa, tanta dedicação, tanto amor, tanta amizade, tanta desilusão, tanta força, tanta alegria, tanta esperança, tanta rebeldia, tanto desgosto, tanta saudade”...

Não esqueço as belas tardes passadas na acolhedora casa do Largo de S. Carlos, onde pairavam os mais puros espíritos poéticos. A primeira vez que lá entrei, deparei-me com a mais enigmática das frases de Almada Negreiros – escrita e autografada com a letra inconfundível do mestre e com o belíssimo d com a singular haste que nos levava aos mais ambiciosos sonhos. “Chegar a cada instante pela primeira vez”. Nunca mais perdi essa referência fantástica. Conheci pessoalmente Maria Germana Tânger no final dos anos sessenta, graças à amizade de seu filho António. E quantas vezes não lembrámos, aí mesmo, a presença forte de José de Almada Negreiros, iconoclasta, modernista, inconformista, poeta d’Orpheu, futurista e tudo. O certo é que fora ele a levar a jovem para a leitura de poesia – com o célebre “Corvo” de Edgar A. Poe, na tradução de Pessoa... O grande mestre morreu por essa altura, e não deixámos mais de o considerar na ara das nossas afinidades eletivas. E aqui o plural não é majestático, mas literalmente referido a quantos ali aprendemos a cultivar os mistérios da Arte. Maria Germana gostava da presença dos jovens, entre os alunos do Conservatório Nacional de Garrett e os muitos amigos que passavam por sua casa. Era uma pedagoga inata, que amava a arte como ponto de encontro do espírito. Esse era um tempo em que as mudanças se anunciavam, mas naquela casa, com toda a serenidade, vivíamos a geração de “Orpheu” como se ela se mantivesse viva. E não estaria? Ainda hoje quando todos os dias passo em frente do painel “Começar” na Gulbenkian, feito nesse ano em que comecei a visitar assiduamente a adorável casa do Largo de S. Carlos, recordo essa memória bem presente.

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