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Tim Farron demitiu-se do seu cargo de dirigente do Partido Liberal-Democrata britânico depois das últimas eleições legislativas. A razão dessa demissão não foi nenhum insucesso do partido, mas antes, no dizer do próprio, a dificuldade em conciliar essa sua posição de dirigente partidário com as suas convicções pessoais de cristão evangélico que procura ser fiel aos ensinamentos bíblicos.

D urante a campanha eleitoral, Tim Farron foi insistentemente assediado por jornalistas para se pronunciar sobre as suas convicções a respeito da moralidade do aborto e do comportamento homossexual. Numa entrevista, depois de acentuar que a sua convicção sobre a moralidade do comportamento homossexual nunca o impediria de reconhecer os direitos civis das pessoas homossexuais, até acabou por, hesitantemente, afirmar que não considerava que esse comportamento fosse pecaminoso, muito provavelmente contra o que verdadeiramente pensa.

Ficou claro que o simples facto de este político aderir a posições morais “contra a corrente” culturalmente dominante, ainda que daí não retirasse consequências no plano da política legislativa, o impedia de dirigir um partido político com pretensões de influência na vida pública. Essa sua dissonância pessoal era suficiente para ser constantemente olhado com desconfiança pela comunicação social, comprometendo, por isso, a imagem do seu partido.

O episódio não deixa de ter alguma semelhança com o que, há alguns anos, envolveu o político e filósofo católico italiano Rocco Bottiglione, cuja nomeação para comissário europeu foi recusada porque admitiu a hipótese de reprovar moralmente a prática homossexual, não deixando de esclarecer que dessa reprovação não retirava consequências jurídicas que levassem a discriminar quem adotasse tal prática.

É certo que na comunidade dos sociólogos muitos viram-no com desconfiança, no entanto compreendeu como poucos o que se estava a passar nas sociedades ocidentais.

C onfiança e Medo na Cidade de Zygmunt Bauman (Relógio d’Água, 2006) reúne um conjunto de conferências do sociólogo polaco recentemente falecido em Leeds (Inglaterra), onde se colocam os problemas mais prementes das sociedades contemporâneas, em especial no tocante à fragmentação social e à resistência às diferenças. Nascido em Poznan em 1925 Bauman foi profundamente marcado pela história europeia do século XX. Quando a Polónia foi invadida pelas tropas nazis fugiu com a família, de origem judaica, para a União Soviética. Alistou-se na divisão polaca do Exército Vermelho, sendo condecorado em 1945. Depois da guerra regressou a Varsóvia, onde se casou com a futura escritora Janina Lewinson, sobrevivente do ghetto de Varsóvia, falecida em 2009. Militou no Partido Comunista e estudou profundamente a obra de Karl Marx, numa perspetiva aberta e crítica. A sua obra caracteriza-se, porém, pelo ecletismo e pela recusa de qualquer ortodoxia. O antissemitismo manifestado nas perseguições de 1968 por ocasião dos protestos de estudantes e intelectuais levaram-no a abandonar a Polónia, partindo para Telavive, onde viveu até 1972, momento em que partiu para Inglaterra, para exercer funções docentes na Universidade de Leeds. A guerra, as purgas e o exílio influenciaram a sua vida e o seu pensamento inconformista e heterodoxo. Foi o conceito de «modernidade líquida» que o celebrizou, do mesmo modo que em 1989 o seu «Modernity and Holocaust» teve uma grande divulgação. Aí considerou que o programa de extermínio levado a cabo pelo regime nazi foi um acontecimento ligado à modernidade, vista nas suas dimensões técnico-científica e político-ideológica. Para o sociólogo polaco, vivemos uma época que se caracteriza pela fluidez, pela precariedade, pela transitoriedade, pelo imediatismo e por aquilo que não se deixa apreender. A essa realidade chamou «sociedade líquida». Desde o domínio económico ao plano afetivo, vivemos essa tendência para a liquidez – de certo modo como Gianni Vattimo fala do “pensamento débil”. Como afirmou Fernando Vallespin há pouco: trata-se de uma «organização social em que nada permanece, em que tudo é fugaz, incompleto, indefinido, onde, com efeito, tudo o que é sólido se desvanece no ar» (El Pais, 10.1.2017). Daí uma séria preocupação com a perda da dimensão ética pública. Falta um sentido de missão coletiva, que esteve associado à modernidade. O poder deixou a esfera política e fugiu do controlo democrático. Os direitos económicos escaparam ao Estado Social. Os direitos políticos foram dominados pela teologia do mercado. Os direitos sociais foram enfraquecidos e reduzidos pelo individualismo fragmentário. Os cidadãos viram-se desprotegidos num mundo que não dá segurança, sofrendo a precariedade, que cria um novo proletariado, ainda que sem consciência de classe.

Os valores e princípios que o animaram, ao longo da vida, foram sempre claros. A liberdade como fundamento da democracia. A solidariedade como sequência do cuidado pelos outros. O rigor como marca da sua paixão pela ciência.

Foi há cerca de trinta anos, num pequeno restaurante da Calçada do Combro, com Helena Vaz da Silva e António Alçada Baptista, que foi delineada com Mário Ruivo o que viria a ser uma nova Comissão Nacional da UNESCO. O António disse que o Mário seria indispensável – e, com o extraordinário conhecimento das pessoas que tinha, depressa percebemos que esse era o melhor dos conselhos. E nunca mais deixámos de colaborar nas mais diversas tarefas. Estar com o Mário era, ao mesmo tempo, ouvir as suas histórias de uma larguíssima experiência política e científica, mas também vê-lo de mangas arregaçadas (com o inevitável fato verde seco) a agir e a falar para meio mundo para a defesa da causa do que designávamos como o S da UNESCO, ou seja, a ciência. E quem diz a ciência, não pode esquecer o ambiente, os direitos humanos e a intervenção política. Desde o MUD Juvenil, o Mário Ruivo foi um militante aberto a todas as causas. Foi assim até nos deixar – sempre com o seu entusiasmo jovial. O biólogo nunca deixava de pensar, de propor, de agitar, de conspirar. Mas havia sempre um ponto em que não transigia – um enraizado patriotismo universalista. E essa qualidade vimo-la exercer ao lado Federico Mayor, o mais influente dos últimos diretores-gerais da UNESCO, sendo o Mário a verdadeira alma da Comissão Oceanográfica Intergovernamental (COI). E o seu amigo catalão foi sempre um aliado. Impressionante era a capacidade de articular peças diferentes e personagens aparentemente distantes e heterogéneas. Quando em 1998 foi definido o Ano Internacional dos Oceanos, celebrando cinco séculos da chegada de Vasco da Gama á Índia, foi ele que mexeu os cordelinhos desde o início – apesar de mil resistências e desconfianças. Foi o seu prestígio que funcionou, aliado a muitos outros contributos. E houve a Conferência Internacional de Oceanografia no CCB, a Expo-98 com o tema dos Oceanos e, depois, a Comissão Mundial Independente para os Oceanos, presidida por Mário Soares – e animada pelo incansável labor do oceanógrafo, de que resultou o relatório Oceano: Nosso Futuro. No entanto, sendo o Mário Ruivo um homem de equipas, fazia sempre questão de dar o seu a seu dono. Um êxito nunca é de uma pessoa só. A verdade é que ele era o elo de ligação, capaz de fazer desencadear os movimen- tos tectónicos, que amiúde referia, e que punham as forças em movimento. As suas metáforas de cientista e biólogo estavam sempre presentes.

Saúdo o Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa e a organização do Estoril Political Forum, que celebra este ano um quarto de século. Nos últimos anos, tenho tido gosto em estar convosco, pelo desejo que reconheço nestes nossos encontros de olhar a política como serviço do bem comum.

Padre João Seabra Padre João Seabra

Cónego. Diretor do Instituto de Direito Canónico da Universidade Católica Portuguesa

Quero saudar especialmente o júri do Prémio Fé e Liberdade, a quem manifesto a minha gratidão pela honorificência que me atribuiu. Cumprimento também o Professor Guilherme de Almeida e Brito, meu amigo de tantos anos, cujas generosas palavras agradeço comovido.

Uma palavra ainda para o Professor Robert Royal, que preside a esta sessão: o seu livro Mártires do século XX foi para mim, e julgo que para toda a igreja, um instrumento decisivo para a preparação do Grande Jubileu. As suas intervenções e publicações, e o trabalho do seu think tank Fides et Ratio, têm mantido alta a ligação essencial entre a doutrina católica e a tradição da liberdade.

Recebi a notícia deste prémio com irónica surpresa. Ao longo dos anos, esta cerimónia permitiu distinguir vultos incontornáveis da presença católica. Há quatro anos, presidi à sessão em que foi galardoado o Professor Mário Pinto, que então descrevi como “o herói nacional da liberdade de educação”. A ele se juntam, na galeria dos premiados, o Senhor Dom Jaime Pedro Gonçalves, artífice da paz em Moçambique; Monsenhor João Evangelista, cujo elogio tive a honra de proferir, e o Senhor Alexandre Soares dos Santos, que de formas diferentes na actuação mas consones no intento ideal, tão bem souberam articular a liberdade económica e a fé; o Padre Lino Maia, cujo trabalho social é unanimemente reconhecido; o Padre Roque Cabral, filósofo e mestre de doutrina social e política; e a Dra. Maria de Jesus Barroso, cujo caminho de conversão nos comoveu a todos e cuja memória evoco. Presto a minha homenagem a todos os premiados que me precederam: e é desconcertante, para mim, ver acrescentar o meu nome a este ilustre friso de galardoados. Mas já que o júri do prémio entendeu fazer-me essa gentileza, que agradeço com comoção, aproveito esta ocasião pata umas palavras sobre Fé e Liberdade, o imprevisível binómio que dá nome a este prémio.

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