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José Fernandes Fafe era uma personalidade rica e multifacetada.

osé Fernandes Fafe era uma personalidade rica e multifacetada. Sempre ouvi a Mário Soares os maiores elogios à sua coerência, ao seu pragmatismo e ao seu arreigado gosto pelas ideias e pelas letras. Foi com Álvaro Guerra, Coimbra Martins e José Cutileiro um dos nossos grandes embaixadores com origem política – aliando uma tradição culta a um cuidadoso sentido diplomático. Como disse Francisco Seixas da Costa, “foi um diplomata de Abril, uma figura que levou o seu prestígio intelectual para as estruturas da política externa. Serviu o país com brilho, empenhamento e qualidade”. Vi-o e falámo-nos, a última vez, nos Jerónimos, quando nos fomos despedir de Mário Soares. Gostei de o reencontrar pelo que o admirava e porque tinha sauda- des da sua presença serena e ponderada. No tempo em que escreveu o seu célebre Caderno Diário, no Diário de Notícias de Mário Mesquita, falámos bastante – e convergimos em muitas ideias e propostas. Foi o tempo em que publicou os textos que reuniria em Esquerda – a Novíssima e a Eterna (O Jornal, 1985), com prefácio de João Carlos Espada, e devo dizer que, ao reler essas reflexões, verifico que devem ser revisitadas, contrastando, pela sua riqueza, com muito do que hoje se lê, sem a mesma profundidade, a mesma informação e a mesma lucidez, a propósito do presente e do futuro do Estado Social... O certo é que o tempo confirmou que se mantêm as preocupações de Fernandes Fafe sobre as políticas públicas e sobre a resposta às crises. De facto, as pistas aí apresentadas revelam extrema atualidade. E se falo de atualidade, é porque o tema do contrato social, que intensamente preocupava o ensaísta, ganhou uma premência iniludível. “Neste período de crise (diz o nosso autor), a concertação social torna-se mais difícil. A classe trabalhadora vê deteriorarem-se e diminuírem os serviços sociais. O desem- prego cresce, muitas vezes o patronato não resiste à tentação de fazer da luta contra o desemprego e da inflação armas contra os sindicatos. A obsessão dos capitalistas, nesta fase, é o investimento. A paz social passou a segundo plano e pensam consegui- -la através de um governo forte”. Com esta passagem, verifica-se como o “contrato social” não evoluiu no sentido de garantir uma concertação representativa que possa pôr o combate ao desemprego e a coesão social na ordem do dia. Estávamos ainda antes de Maastricht e a verdade é que então poucos ouviram Jacques Delors, a dizer que a lógica puramente monetária não funcionaria, devendo dar-se atenção à criação de empregos e à redistribuição de riqueza. Ao invés, “os governos sociais- -democratas, para se aguentarem, deitam muita água monetarista no seu velho vinho keynesiano. Descaracterizam-se”. E foi esta descaracterização que deu lugar, em parte, à situação em que nos encontramos.

“Sentimo-nos obrigados a partilhar a nossa experiência com as gerações mais novas, para que possam perceber que a vida sem liberdade não faz sentido.”

Mário Soares, uma figura amplamente aclamada como o pai fundador da demo- cracia portuguesa e membro do Comité Consultivo Internacional do Journal of De- mocracy, morreu a 7 de Janeiro de 2017, aos 92 anos. A sua morte foi assinalada com três dias de luto nacional e honras de Estado. Esta homenagem oficial ao seu exercício do cargo de Primeiro Ministro e, depois, Presidente de Portugal, foi também uma oportunidade para prestar homenagem e reflectir acerca do papel fundamental que Mário Soares desempenhara na transição para a democracia de 1974 no seu país, que inaugurou a “terceira vaga” de democratização mundial.

Nos anos 70, Portugal vivia há várias décadas sob uma ditadura militar de direita que tinha praticamente a mesma idade do próprio Soares – começara em 1926, quando este ainda não tinha dois anos. Advogado em Lisboa e conhecido inimigo da ditadura, esteve preso nada menos do que doze vezes. Em 1968, o regime enviou-o para o exílio na ilha do Atlântico de São Tomé (então ainda colónia portuguesa) ao largo da costa ocidental africana. Em 1970, foi-lhe permitido que saísse de São Tomé para Paris. Poucos anos depois, numa reunião semiclandestina na Alemanha Ocidental, Soares e a sua mulher, Maria Barroso, fundaram o Partido Socialista em Portugal, de que ele foi o primeiro secretário geral.

Mário Soares impôs-se como o cidadão comum que sabia tirar lições dos erros que, como qualquer um, poderia cometer.

Ao invocar a memória de Mário Soares, devo começar por recordar um Amigo comum, a quem todos muito devemos. Falo de Bernardino Gomes, colaborador muito próximo do antigo Presidente da República, num período decisivo da estabilização da democracia. A personalidade de Bernardino era inconfundível – na subtileza, na correção, na inteligência prática, no conhecimento, no bom senso, na sobriedade, na coerência, na determinação e no pragmatismo. Junto de Mário Soares foi fundamental, e tinha sempre a porta aberta para quem tivesse um problema a pôr. A sua participação em difíceis missões internacionais deve ser recordada. Do mesmo modo, o seu atlantismo foi uma constante, sempre com a salvaguarda da independência e

de um patriótico sentido de futuro. Falar de Mário Soares obriga a não esquecer Bernardino Gomes, de quem ainda tanto poderíamos esperar e que cuidou sempre do prestígio internacional da democracia portuguesa. Daí a nossa palavra sentida, de homenagem a Maria Renée, grande alma em Portugal da União Latina.

É difícil ser completo na invocação da memória de Mário Soares. Falta ainda muito para dizer relativamente a quem deu o melhor de si à causa da liberdade e da democracia. Como político de corpo inteiro foi ao longo da vida alguém que soube assumir a qualidade de cidadão ativo, sempre disponível para assumir o risco de dizer o que pensava, de modo a contribuir para o bem comum no pensamento e na ação. Sendo a democracia o modo de assumir construtivamente a imperfeição – com respeito dos direitos humanos, do pluralismo e da limitação mútua de poderes – Mário Soares impôs- -se como o cidadão comum que sabia tirar lições dos erros que, como qualquer um, poderia cometer. Apresentava-se, pois, como cidadão disponível para partilhar as dificuldades e as dúvidas, sempre empenhado em pôr a responsabilidade em primeiro lugar e em correr riscos com coragem, para defender os valores democráticos em que acreditava. Foi, desse modo, no seu tempo, um dos grandes políticos europeus, com um papel fundamental na consolidação da democracia portuguesa e na afirmação do projeto europeu de paz e de desenvolvimento.

Os grandes autores comunicam entre si através das suas obras, dizia Leo Strauss. À medida que o diálogo se desenrola, vemos que Hayek e List comungam tão somente do nome Friedrich; tudo o resto se manifesta em posições opostas sobre um debate que permanece atual – o mercado livre e o protecionismo.

Posições distintas perante um mesmo autor – Adam Smith Adam Smith estabe- lece o mote a partir do qual são desenvolvidos os seus argumentos. Eles são conduzidos por uma mão invisível para concretizar quase a mesma distribuição do necessário à sobrevivência, tivesse a terra sido divi- dida em porções iguais entre todos os seus habitantes e assim, sem o desejarem, sem o saberem, avançam o interesse da sociedade (...). (Smith 2006, 172) – para Hayek, este princípio é essencial; a economia organiza-se espontaneamente, atingindo um equilíbrio interno tal sem necessidade de uma ação direcionada para esse fim. O que guia esta “mão invisível” é a interação entre um número muito elevado de indivíduos, que permitem constantes reajustamentos atra- vés da permanente atualização dos fluxos de informação e das macrodinâmicas que as enquadram. List, por sua vez, constrói o seu argumento em torno de uma crítica à “Escola”, materialização dos ideais de Smith que levarão, como consequência última, à dissolução da sociedade. Uma “mão invisível” é inconcebível; as ações de cada um devem ser guiadas por um propósito específico – a prosperidade da nação. Tendo em vista esse fim, é legitimada qualquer intervenção governamental, transformando indústria perdida, potencial desperdiçado, de forma a apoiar a produção coletiva do país (List 1841, 260-261). Produção coletiva esta que ultrapassa a soma do potencial produtivo individual, sensível aos aspetos políticos e sociais que podem fomentar ou inibir o seu desenvolvimento. Tomando como exemplo a Inglaterra, estratégias políticas como o Tratado de Methuen e o Ato de Navegação permitiram uma concentração de poder político que acabaram por somar poder ao poder, e forças produtivas a forças produtivas (List 1885, 27) – o primeiro levou Portugal à dependência dos tecidos ingleses; o segundo à monopolização dos transportes marítimos. É particularmente interessante List utilizar Inglaterra como exemplo; a nação considerada liberal por excelência vê aqui o seu sucesso económico associado à iniciativa governamental. Este é o ponto de toque na sua abordagem: o papel do governo, e a extrema importância das medidas por ele tomadas, que devem ter em conta os meios para gerar riqueza não só no momento presente, como no futuro. Afinal, medidas tomadas no tempo presente poderão surtir efeito tão somente gerações depois, pelo que é necessário garantir o desenvolvimento harmonioso dos meios geradores de riqueza e a sua canalização para um fim comum, que é nada mais do que a prosperidade nacional.

“The Rise and Decline of Nations” oferece-nos uma valiosa perspectiva que nos ajuda a compreender não só a dinâmica institucional do desenvolvimento económico, mas também a forma como este se relaciona com o processo político e com a acção de grupos de interesse organizados junto do Estado.

Mancur Olson (1932- 1998) é legitima- mente con- siderado um dos pais fundadores da teoria de escolha pública devido à sua influente obra “The Logic of Collective Action: Public Goods and the Theory of Groups” (1965). Ao longos dessas páginas desenvolveu ideias inova- doras sobre como os incentivos moldam e condicionam a acção dos indivíduos quando agem enquanto membros de um grupo, aprofundando o nosso entendimento sobre os resultados da acção colectiva. No entanto, a sua obra de 1982 “The Rise and Decline of Nations: Economic Growth, Stagflation, and Social Rigidities” – que requer uma leitura de certa forma mais cuidada – merece atenção redobrada por parte de todos aqueles que se interessam sobre temas de economia política e ins- titucional e estudos de desenvolvimento.

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