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Homenagem - Lembrança de António Alçada Batista…

Guilherme d'Oliveira Martins

Guilherme d'Oliveira Martins

Conselho de Administração, Fundação Calouste Gulbenkian; Conselho Editorial, Nova Cidadania

Era absolutamente extraordinário ouvir as suas histórias, fruto de uma memória prodigiosa para fixar os pormenores, os sinais, os significados e os sentidos.

Um conhecido episódio passado com o Padre Anchieta era um bom exemplo.

“Com urgência para regressar a uma aldeia, pediu aos carregadores para irem depressa”. Com três dias de marchas forçadas, os índios sentaram-se a descansar, e o Padre não compreendeu a paragem, mas eles explicaram: “temos vindo depressa demais e a nossa alma ficou lá para trás. Temos de esperar que ela regresse”. Há mil outros casos, como o daquela senhora que procurava uma rua, próximo do Bairro Alto e, perante a indicação do António, disse: “todos sabem tudo, cada um sabe o que sabe”. Houve ainda um livro que nunca chegou a ver a luz do dia. Chamar-se-ia “Histórias de Maus – Elementos para uma Anti-hagiografia”. Não sei o que o António esperaria escrever. Tratava-se da descoberta dos sentimentos e ressentimentos que unem e dividem as pessoas. Afinal, como disse Frei Bento Domingues, António Alçada foi o nosso melhor cultor da “teologia narrativa”. Por isso, gostava de invocar o conto enigmático em “El Aleph” de Jorge Luís Borges “Os Teólogos”, em que Aureliano e João de Panónia, o ortodoxo e o herege, se encontram perante Deus no julgamento final, descobrindo que, para a insondável Providência, os dois inimigos, o aborrecedor e o aborrecido, o acusador e a vítima formavam uma única pessoa… Para António, a razão seria sempre insuficiente. Falta-nos tempo para as coisas essenciais, e ficamo-nos pela superfície, por medo ou preguiça. Em “O Riso de Deus”, lemos: “Hoje já não posso ouvir falar em dialética, em competição, em vencer na vida, porque acho que é com nomes desses que se tem tentado encobrir o projeto sempre adiado de descobrir como saber usar a nossa liberdade e, com ela, implantar no mundo o lugar do homem”. E Domingos Lobo, com a sabedoria vinda da velha Goa, diz a Francisco, ao descer a Avenida: “Sabe, a Europa é o continente da dúvida e nós, lá no Oriente, estamos presos pela fé. Eu não sei ainda bem se são as dúvidas se as certezas que fazem mover o mundo”.

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