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EPF 2002 - Casa dos que fogem da guerra

Carlos Carreiras

Carlos Carreiras

Presidente da Câmara de Cascais

O farol de humanidade e pluralismo que nunca se apagou nesta terra.

Magnifica Reitora da Universidade Católica, Professora Doutora Isabel Capeloa Gil,

Senhora Chair do Estoril Political Forum, Dra. Rita Seabra de Brito,

Senhor Diretor do IEP, caro amigo Professor Doutor João Carlos Espada,

Estimados alunos e professores do IEP e das universidades internacionais que por estes dias se juntam a nós…

Minhas senhoras e meus senhores,

Sejam muito bem-vindos a Cascais e, muito especialmente, ao Estoril.

E digo muito especialmente ao Estoril não apenas por nos encontramos fisicamente aqui reunidos.

Digo-o sobretudo porque passadas quase oito décadas desde os grandes conflitos da nossa história, o Estoril - e Cascais -, voltam a ser a casa de muitos dos que fogem da guerra na procura de paz e liberdade e esperança.

Há 80 anos acolhíamos no Estoril os Reis sem coroa, os aristocratas sem títulos e os cidadãos anónimos de toda a Europa. Todos iguais no sofrimento às mãos de ideologias desumanas, revoluções criminosas e fanatismos sem quartel.

Em 2022, o farol de humanidade e pluralismo que nunca se apagou nesta terra, é agora luz de abrigo para os que fogem da guerra na Ucrânia.

Ao longo dos próximos dias, o Hotel Palácio servirá para que os académicos, os militares e os analistas debatam os grandes desafios da guerra e da paz, da democracia e do autoritarismo, com que nos confrontamos.

Como único presidente de Câmara no programa, quero gozar do meu estatuto para vos deixar uma perspetiva diferente da barbárie que o Kremlin trouxe à Europa.

Uma perspetiva radicalmente humanista.

Quando esta guerra começou, houve três ideias que ficaram claras na minha cabeça:

A primeira ideia é a de que este não poderia nunca ser um tempo para ambiguidade nas sociedades democráticas. Aos responsáveis políticos exigia-se que tomassem posições claras sobre uma guerra de conquista, travada com base em argumentos falsos e sustentada em violações claras e constantes do Direito Internacional e da Carta Universal dos Direitos do Homem.

A segunda ideia é a de que apesar das diferenças que separam ainda hoje Lisboa de Kyiv, os ucranianos estão a combater por nós, pelos nossos valores e pelo nosso modo de vida.

Por isso, se no extremo Leste do continente o exército ucraniano é a linha da frente, nós, na ponta mais Ocidental da Europa, temos o dever moral de ser a sua linha de retaguarda. Quero sublinhar bem este ponto: o lugar da Ucrânia é na União Europeia.

Sei que há muitos (e válidos) argumentos em sentido contrário. Mas o lugar da Ucrânia é na UE porque os ucranianos o merecem.

A invasão russa e a heroica resistência ucraniana confirmaram que o povo está disposto ao mais exigente sacrifício para poder sonhar com uma vida igual à nossa.

O apego do país à liberdade foi testado sucessivamente.

Em 1991, quando Kyiv disse ao mundo querer ser dona do seu próprio destino – longe de Moscovo.

EPF 2002 - Casa dos que fogem da guerraEm 2004, quando centenas de milhar de pessoas desafiaram o impiedoso inverno para manter o ímpeto da Revolução Laranja.

Em 2014, quando milhares de bandeiras azuis com estrelas amarelas foram reprimidas, brutalizadas e encarceradas na “Euromaidan”.

O lugar da Ucrânia é na UE porque, ao contrário da propaganda russa, a Ucrânia é uma nação antiga, de pendor ocidental que nunca deixou de resistir à opressão czarista.

Uma luta personificada em homens como Taras Shevchenko, o grande poeta da pátria ucraniana.

O lugar da Ucrânia é na UE porque a nossa história é a de uma comunidade de vida e de destino, que federa em vez de excluir, que é feita de unidade na diversidade, que é luz no lugar da escuridão, que é Democracia e Direito contra a tirania e opressão.

A terceira ideia é que também nós, municípios, à nossa escala, teríamos de dar uma resposta. Se os assuntos do mundo são cada vez mais dirimidos pelas cidades, então também nós, autarcas, teríamos de dar uma resposta de guerra.

Em Cascais, a orientação que dei às equipas foi cristalina. “E se a guerra fosse comigo, se fosse com os meus, que apoios, que conforto é que gostaria de ter a milhares de quilómetros de distância?”

A pergunta teve uma resposta notável das equipas.

De repente, Cascais estava a organizar missões de resgate nos campos de refugiados na Roménia, estava a construir centros temporários para deslocados e estava a preparar envio de toneladas e toneladas de ajuda humanitária que, no pico da guerra, chegaram a cidades mártires como Bucha e Irpin – hoje cidades irmãs de Cascais, com acordos de geminação forjados em tempo de guerra.

Muitos ucranianos perguntam-me por que razão a nossa comunidade faz tudo isto por eles? Respondo com uma mensagem que ecoa também nos corredores desta universidade: fazemos aquilo que é o nosso dever

Assim acabei por conhecer a outra face da guerra.

A guerra na cara da Oksana, que viajou para Cascais com os seus 5 gémeos e 6 filhos deixando para trás uma vida e uma carreira confortável.

A guerra na cara do Oleksander, um ciclista da Crimeia que vivia em Mariupol e que perdeu a audição e a bicicleta no bombardeamento da Estação de Kramatorsk. Em Cascais recuperou ambas e a esperança.

A guerra na cara de Mika, uma sofisticada mulher de Bucha que relata a brutalidade de violações indiscriminas, execuções sumárias de civis e uma preocupação do exército russo em pilhar tudo o que tenha valor e em destruir tudo o que não puder roubar.

A guerra na cara do meu amigo Presidente de Câmara de Irpin, a cidade heroica que foi escudo de Kiev travando invasão russa, que me contou como civis lhe morreram nos braços enquanto evacuava a cidade debaixo de fogo inimigo; ou como as mortíferas bombas de fósforo cobriram de cinzas a bonita Irpin; ou como sobreviveu a três tentativas de assassinato organizadas pelos invasores.

Relatos como este são socos no estômago. Golpes com que aprendemos a viver na gestão da cidade em insano tempo de guerra.

Que, no caso de Cascais, de um momento para o outro conta com uma comunidade de convidados ucranianos de cerca de três mil pessoas.

Muitos ucranianos perguntam-me por que razão a nossa comunidade faz tudo isto por eles?

EPF 2002 - Casa dos que fogem da guerraRespondo com uma mensagem que ecoa também nos corredores desta universidade: fazemos aquilo que é o nosso dever.

Ou, recuperando as palavras sagradas, amamos o próximo como a nós mesmos.

Os nossos esforços são uma gota de água num oceano de tragédia.

Mas se cada um de nós fizer a sua parte, se cada um de nós, à sua escala, der um contributo de humanidade e solidariedade, aí sim, podemos ambicionar mudar alguma coisa.

Se cada um fizer o que deve, estaremos mais perto de vencer esta guerra brutal que é feita na Ucrânia, contra tudo aquilo que somos.

Muito obrigado e sejam sempre muito bem-vindos a Cascais.


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