É com muito prazer que apresento ao público português a obra Abraçar o Mundo — Geopolítica: para onde vamos, do meu amigo Jorge Dezcallar. | |
Abraçar o Mundo - Geopolítica: Para Onde Vamos Jorge Dezcallar |
Antigo Primeiro-Ministro, Antigo Presidente da Comissão Europeia e Diretor do Centro de Estudos Europeus do IEP
Jorge Descalzar é um diplomata espanhol com vastíssima experiência, tendo servido o seu País não apenas como director-geral no Ministério das Relações Exteriores durante bastantes anos, mas também em alguns dos postos mais importantes para Espanha. Além do mais, foi o primeiro director civil do CNI, Centro Nacional de Informações, o serviço de inteligência estratégica em Espanha.
Acrescento ainda, num registo pessoal, que Jorge Dezcallar tem hoje uma ligação profunda ao nosso País, através da sua excecional mulher, Teresa, que acrescenta ao sentido espanhol de “gravitas” de Jorge, a lucidez e o charme tipicamente portugueses…
É a partir dessa riquíssima experiência, mas também da sua muito ampla cultura e dos seus sólidos valores humanistas, que o autor nos acompanha numa “viagem” extremamente interessante pelo mundo contemporâneo e nos procura guiar através dos intensos, rápidos e complexos desenvolvimentos geopolíticos que vimos testemunhando.É um lugar-comum dizê-lo, mas nem por isso devemos desvalorizá-lo: a geopolítica está de volta. Na realidade, a geopolítica nunca deixou de estar presente, mas a verdade é que estamos numa época de transição em que as suas manifestações assumem mais agudas e dramáticas formas e em que o seu impacto é mais claro e decisivo, afetando praticamente todos os aspetos da vida em sociedade, desde a economia e a evolução dos mercados financeiros ao consumo de energia e à qualidade de vida das famílias.
Nesta obra, que teve assinalável sucesso na nossa vizinha Espanha, e que em boa hora surge no nosso País, o autor apresenta uma visão panorâmica das relações internacionais, mas também, o que é realmente interessante e útil, algumas das muitas e diversas análises que historiadores, universitários e ensaístas têm vindo a desenvolver acerca do mundo contemporâneo. De Kissinger a William Burns e François Heisbourg, de John Ikenberry a Richard Haas, entre tantos outros, são muitos os autores com quem Dezcallar “dialoga”, oferecendo-nos assim também, para além da sua visão de conjunto sobre o mundo, uma preciosa apresentação da análise e da doutrina em matéria de relações internacionais. Este livro será, pois, muito útil não apenas para o estudante de relações internacionais, mas para todo o público culto que se interessa pelo mundo em que vive e se interroga acerca de um futuro tão difícil de prever.
É numa perspetiva a que chamarei de “sabedoria humanista” que o autor se coloca quando connosco partilha a sua prudente, mas sempre estimulante e bem informada, análise.
A partir de uma atitude de abertura e de grande curiosidade, bem como de reconhecimento fundamental da incerteza (“tenho a sorte de questionar”), a análise crítica e nada dogmática de Jorge Dezcallar apoia-se em valores claros como a paz, o desenvolvimento e a justiça internacional, incluindo o apego aos valores da sustentabilidade, e também a defesa da liberdade e dos direitos humanos.
Das que não surpreenda que, subjacente à sua análise e como resultado desta, encontremos uma clara defesa do multilateralismo.
Jorge Deszcallar é bastante afirmativo sobre o ideal europeu e, em geral, apresenta uma avaliação também positiva da integração europeia, procedendo a uma avaliação equilibrada dos seus êxitos mas também das suas debilidades.
E, porque não dizê-lo, nesta perspetiva europeísta aparece também claramente um ponto de vista espanhol, por exemplo quando diz que “sobra mesquinhez e quiçá também algum racismo camuflado na pretensa superioridade calvinismo e talibã com que alguns países da União olham outros”.
Os valores humanistas que informam a análise de Dezcallar não o levam a afastar a necessidade de realismo. Esse, aliás, é, a meu ver, um dos aspetos mais interessantes deste livro: a procura do equilíbrio entre a afirmação de valores generosos e “idealistas” e a atenção sem ilusões e “realista” a relações de forças e a fenómenos de poder, e suas por vezes trágicas consequências, na vida internacional. Exemplo desta perspetiva aparece quando o autor, depois de afirmar as suas convicções europeízas, sustenta claramente que europeus e norte-americanos ganhariam se conseguissem pôr-se de acordo acerca das relações que uns e outros têm com a China e a Rússia.
Um dos capítulos mais interessantes deste livro é precisamente o último, sobre o cisne negro e o elefante negro (a partir de conceitos popularizados por Nassim Taleb e Adam Sweidan), em que o autor analisa as consequências da pandemia da covid-19 sobre a globalização, a economia e a geopolítica.
Concordo com ele quando diz que se chegou ao fim da hiperglobalização, mas que ainda está por definir a forma que a globalização (ou desglobalização) pode vir a tomar.
Concordo ainda com o autor quando nos lembra que a pandemia terá tido alguma utilidade ao fazer-nos reconhecer o interesse numa cooperação multilateral para enfrentar os grandes assuntos globais mas também quando opina que infelizmente não parece provável a curto prazo num mundo mais fracionado e polarizado.
Mas Jorge Descalzar, que tinha começado o seu livro com uma quase provocação otimista, lembrando que estamos melhor do que nunca — o que é verdade se colocarmos a atual situação internacional numa perspetiva histórica e compararmos os dados em matéria de saúde, longevidade e violência, por exemplo —, termina também com uma constatação e apelo positivos: o mundo está nas nossas mãos e podemos abraçá-lo e deixá-lo melhor.
É com este “manisfesto” de ética humanista que o autor encerra a sua obra, apelando a que pensemos em termos de responsabilidade perante a humanidade e o futuro.
Só nos resta esperar que o conceito de humanidade que Dezcallar generosamente oferece não seja aquele de que nos fala Dostoiévski no seu livro Os Irmãos Karamazov, quando uma das suas personagens como amando a humanidade em geral mas detestando cada indivíduo em particular.
Esse é talvez o nosso grande desafio de hoje: conseguirmos conciliar a visão liberal, no seu verdade e original sentido de respeito essencial por cada pessoa humana, com a defesa dos valores e interesses dos nossos regimes pluralistas, os quais, não obstante as suas insuficiências e imperfeições, são os únicos que garantem essa visão, perante o autoritarismo e o totalitarismo que se manifestam no mundo contemporâneo. Visto do “Ocidente”, um conceito que há algum tempo muito de nós julgávamos poder abandonar, convencidos que estávamos da “universalidade” dos nossos valores, o mundo parece hoje cada vez mais hostil e perigoso. Daí a necessidade de combinarmos o idealismo das nossas aspirações com o realismo na nossa análise e uma determinação sem falhas na defesa de valores e interesses essenciais.
Prefácio da edição portuguesa do livro
Abraçar o Mundo —Geopolítica: Para Onde Vamos.
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