
José Miguel Sardica
Professor, Faculdade de Ciências Humanas e Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa
Recordar uma vida e uma obra. O seu reinado, os seus exílios, e o seu legado.
1. A casa real Habsburgo foi uma das mais im- portantes linhagens de poder e de sangue na história da Europa e, seguramente, a maior monarquia católica do velho mundo ao longo de séculos. O seu ato de nascimento político remonta a 1278, quando Rodolfo de Habsburgo, um nobre de origem suíça, conquistou Viena. Vitórias militares e casamentos nobiliárquicos deram aos Habsburgo, para lá da Áustria, a Flandres, os Países Baixos, o Franco-Condado, a Espanha, Nápoles e a Sicília, a Boémia e a Hungria, bem como as Américas, no tempo de Carlos V, senhor de um vasto império sobre o qual o sol nunca se punha. A separação entre o ramo austríaco e o ramo espanhol dos Habsburgo enfraqueceu a ambição do lema «A-E-I-O-U», ou seja (e em latim), «Austriae est imperare orbi universo». Ainda assim, os monarcas de Viena ostentaram o título de Sacro Imperador Romano-Germânico até serem destitularizados por Napoleão Bonaparte, em 1806. No século XIX, expulsos da Lombardia e do Véneto pela unificação italiana, e da Confederação Germânica pelos Hohenzollern e por Bismarck, que fizeram nascer a nova Alemanha, os Habsburgo regressaram à sua configuração danubiana original.
A partir de 1867, o velho império austro-húngaro reinventou-se como uma Monarquia Dual (a Ausgleich), ainda e sempre a grande muralha católica da Europa face ao inimigo turco-otomano. Da Áustria aos Balcãs (a Bósnia foi a sua última conquista, já em 1908), da Boémia à Galícia (isto é, partes da Polónia e da região oeste da atual Ucrânia), da Hungria à Morávia ou à Eslavónia, o império austro-húngaro era, no início do século XX, um gigantesco conglomerado, garante da estabilidade possível na vasta Mitteleuropa, com 52 milhões de habitantes, 18 reinos ou Estados, 14 línguas e quatro religiões. E, no entanto, séculos de história de liderança europeia desfizeram-se em apenas quatro anos – o quadriénio da Grande Guerra de 1914-1918.

Manuel Braga da Cruz
Professor Catedrático e antigo Reitor (2000-2012) da Universidade Católica Portuguesa. Membro do Conselho Editorial de Nova Cidadania
O P. João Seabra foi um dos rostos mais visíveis da Universidade Católica, com quem ele se identificou e com quem ela se identificou.
Morreu o P. João Seabra, Prémio Fé e Liberdade atribuído pelo Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica. Na sua vida multifacetada, sobressai a sua profunda ligação à Universidade Católica, onde foi aluno, capelão, professor, e Director do Instituto de Direito Canónico.
O P. João Seabra foi um dos rostos mais visíveis da Universidade Católica, com quem ele se identificou e com quem ela se identificou. O P. Seabra contribuiu de forma marcante para que a Universidade fosse Católica, não apenas no seu nome, mas na realidade. Através dele, a Universidade Católica marcou espiritualmente, e não apenas academicamente, várias gerações de estudantes. A Universidade foi durante muitos anos a sua casa. A ela regressava, com enorme satisfação, sempre que lhe era pedido um contributo. A Universidade Católica não teria sido o que foi, sem o P. João Seabra.

Guilherme d'Oliveira Martins
Conselho de Administração, Fundação Calouste Gulbenkian; Conselho Editorial, Nova Cidadania
O que interessou a João Seabra foi a capacidade de ligar fé e razão, e de cuidar da heterogeneidade e da multiplicidade de que a vida se faz.
Se houve alguém que soube colocar as suas qualidades excecionais de comunicador e de mobilizador de vontades, foi o Cónego João Seabra. Muito se tem dito e escrito sobre a sua personalidade cativante, mas a maior justiça que pode ser feita tem a ver com essas características inolvidáveis. Não foi, assim, por acaso que um dos projetos em que colocou maior esperança foi o projeto educativo, que terá uma importância perene e que revelará, por certo, no futuro, a importância dessa sua capacidade de generosa partilha. E ao colocar essa missão (porque de missão se tratou no melhor sentido da palavra) sob a invocação de S. Tomás de Aquino (1225-1274) fê-lo em genuína fidelidade não a qualquer perspetiva escolástica fechada, mas à dimensão profundamente renovadora do Doutor Angélico no seu tempo e na evolução dos tempos. De facto, como aconteceu com o português Frei João de S. Tomás, O.P. (1589-1644), o que interessou a João Seabra foi a capacidade de ligar fé e razão, e de cuidar da heterogeneidade e da multiplicidade de que a vida se faz. A realidade obrigava a disponibilidade de espírito – de modo a saber articular valores éticos e ideias e a complexidade do real. Dizia-se do Aquinense que se lhe dissessem que ia a passar um elefante voador, ele ia à janela para certificar-se se assim era. Essa pequena anedota que parecia menorizar o Santo não era, porém, outra coisa senão a demonstração da importância da experiência e da capacidade de ouvir e de ver. E essa foi a sua grande lição pedagógica, a de lançar sementes à terra para ver frutificarem ao longo dos tempos, sem a tentação de quer que os frutos se confundissem com modelos preconcebidos. E assim quem não tenha compreendido essa generosidade criativa, não entendeu a grande qualidade que continuará a dar resultados pela ação de João Seabra – o segredo da multiplicação.

Manuel Braga da Cruz
Professor Catedrático e antigo Reitor (2000-2012) da Universidade Católica Portuguesa. Membro do Conselho Editorial de Nova Cidadania
A sua vida foi uma sucessão de iniciativas notáveis que, se deixaram a sua marca pessoal, prosseguiram sem ele. O seu activismo impressionante, criador de obras extraordinárias, radicava numa grande paixão pela maior glória de Deus, pela Igreja.
Era assim que S. Inácio queria os jesuítas. Foi assim que, ao longo da história, se caracterizaram. Foi assim que foi o P. António Vaz Pinto, que acaba de falecer com 80 anos.
A sua vida foi uma sucessão de iniciativas notáveis que, se deixaram a sua marca pessoal, prosseguiram sem ele. O seu activismo impressionante, criador de obras extraordinárias, radicava numa grande paixão pela maior glória de Deus, pela Igreja.
Inteligente e culto, não se entregou à vida intelectual. Era um “intelectual orgânico”. Estudava e lia o suficiente para poder fecundar a sua acção apostólica. Seguia a vida cultural e política do país, procurando marcá-las a partir de fora, do ponto de vista religioso.

Guilherme d'Oliveira Martins
Conselho de Administração, Fundação Calouste Gulbenkian; Conselho Editorial, Nova Cidadania
Havia sempre com Leonor Xavier uma inesgotável capacidade de olhar e de nos fazer compreender melhor os segredos e enigmas da vida.
Leonor Xavier dizia: “a vida é um milagre, que procuro aproveitar, mas o forte é a minha relação de pasmo, de um imenso espanto e de gratificação” Era assim a Leonor. Um encontro em que estivesse era sempre uma oportunidade de alegria e de recordação. Tinha um especial talento para a generosidade e para fazer amigos. E gostava de lembrar a afirmação de Agustina Bessa-Luís: “a formosura do mundo é meu tesouro, pois dela faço torres de pensamento. E a grandeza do mundo não me tolhe, porque maior que tudo é a realidade de um coração que ama e sente”. Julgo que está aqui bem expresso aquilo em que sinceramente acreditava. Conhecia-a ainda antes de ter partido para o Brasil. O Alberto Xavier era meu professor na Faculdade de Direito, nas disciplinas económicas que me interessaram. Quando reencontrei Leonor foi no seu regresso do Brasil, em 1987, havia amigos comuns, trabalhos em conjunto, um grande entusiasmo - Helena e Alberto Vaz da Silva, António Alçada Baptista, Graça Morais, Raul Solnado, Agostinho da Silva, Ana Vicente, Eduardo Prado Coelho, Teresa Belo e mais recentemente José Tolentino Mendonça – o jornalismo cultural, a literatura, as artes, a poesia, as iniciativas do Centro Nacional de Cultura. Lembro-me de um tempo em que vinha à baila a palavra “escreviver”, na expressão de David Mourão-Ferreira. E Leonor tantas vezes repetia que assim se sentia, a saborear os acontecimentos da vida e o prazer de animar mil conversas, em tertúlias de geometria variável que eram sempre um motivo de novos temas e encontros… Era um tempo em que procurávamos que a afirmação de Emmanuel Mounier “o acontecimento é o nosso mestre interior” se tornasse uma verdadeira realidade. E o exemplo de Tristão de Athaíde ou Alceu Amoroso Lima teve a maior importância. Nessas amizades, “conversar com o António Alçada, segundo Leonor, era um exercício de alegria, pelo improviso, pelo encadeamento de fábulas e de histórias. Podia dizer que os portugueses dramatizam o calor do verão e o frio do inverno. Ou que os portugueses têm vergonha de ser felizes e os brasileiros têm vergonha de ser infelizes”.