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John Stuart Mill


 

John Stuart Mill

 

 

Publicado em 1869, A Sujeição das Mulheres é um ensaio que, embora pertença ao seu tempo, ainda tem uma palavra a dizer sobre a liberdade das mulheres e a igualdade de género, nos dias que correm. Nele, as intenções de John Stuart Mill são claras; especialmente para quem tenha lido o seu conhecido panfleto Sobre a Liberdade.

John Stuart Mill
A Sujeição das Mulheres

Almedina, 2006

Diogo Novais

Assistente no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa

A Sujeição das Mulheres não é, no entanto, um texto que se limite a concretizar um simples apelo filosófico à libertação e emancipação das mulheres. Pelo contrário. É antes um texto que, ao invocar uma necessidade de mudança social, se concentra na denúncia da condição das mulheres; uma relíquia institucional do passado,1 que o autor considera incompatível com o futuro de uma sociedade moderna e com o próprio desenvolvimento humano.2 O espírito crítico de denúncia social é, aliás, bastante vincado desde as primeiras linhas do ensaio. A forma directa e assertiva como Stuart Mill introduz o seu texto deixa transparecer uma preocupação prévia em realçar a posição de inferioridade e desigualdade das mulheres, em relação ao sexo oposto. Desta forma, a ideia que o autor pretende que tenhamos em mente, ao longo de toda a reflexão, é a de que o princípio que regula as relações sociais entre os homens e as mulheres do seu tempo é intrinsecamente errado, devendo ser substituído por um “princípio de perfeita equidade”.3

Assim sendo, não podemos pensar no contributo de Stuart Mill nos termos em que ele nos é exposto. A realidade feminina alterou-se profundamente, desde o século XIX, tornando obsoleta a ideia chave que motiva a crítica de Mill. Pensar nos termos em que o autor nos fala é, pura e simplesmente, negar que a condição das mulheres evoluiu. Como tal, o verdadeiro contributo do ensaio que aqui apresento reside no cerne do argumento exposto; que encontra na importância da individualidade e da diversidade o seu ponto forte. Ao defender um princípio regulador absolutamente equitativo, na relação entre géneros, o autor está apenas a servir-se de um meio para atingir um fim muito específico: uma sociedade mais livre, em que todas as mulheres são tratadas como indivíduos humanos dotados de liberdade e capazes de perseguir o seu próprio bem de uma forma autónoma.

Mas, apesar do contributo geral, a relevância actual do argumento manifesta-se, sobretudo, quando pensamos em certas políticas ou iniciativas públicas orientadas para a promoção da igualdade de género. É preciso que percebamos que a igualdade que Stuart Mill advoga é uma igualdade na liberdade. E nem sempre uma defesa e promoção da igualdade de género é equivalente à defesa e promoção da liberdade das mulheres. Para o autor, as mulheres devem ser igualmente livres, de forma a que possam contribuir socialmente com a sua natureza própria e diversa, através das suas experiências de vida. Vejamos melhor esta ideia, através de um exemplo prático.

No recém criado compromisso europeu pelas mulheres na administração das empresas, a Comissão Europeia pede às empresas signatárias que se comprometam a alcançar o objectivo de 30% e 40% de mulheres nos seus respectivos conselhos de administração até 2015 e 2020; e que, para o efeito, assumam uma “política activa de recrutamento de mulheres qualificadas para substituir os administradores masculinos de saída”.4 Partindo da premissa de que são necessárias mais mulheres na administração das empresas, este é um desafio europeu cujo objectivo é simples: reservar lugares exclusivos para mulheres, de modo a que se garanta um certo nível de paridade no topo da estrutura empresarial.

A lógica que subjaz a esta iniciativa não é de difícil compreensão. Prende-se com a tentativa de atingir um maior equilíbrio e equidade na ocupação de cargos de decisão e liderança das empresas, através de um sistema de quotas. Todavia, contribuirá esta abordagem para a verdadeira solução dos problemas da (des)igualdade de género? Stuart Mill responder-nos-ia que não, na medida em que não só constrange, de certa forma, a liberdade das mulheres, mas também permite que a desigualdade se acentue. Desta forma, é possível identificar algumas incoerências nesta e noutras iniciativas semelhantes, se as lermos à luz de A Sujeição das Mulheres. Estas prendem-se, principalmente, com questões de competitividade, igualdade de oportunidade e liberdade de escolha.

John Stuart Mill Num contexto de igualdade de género, ou de tentativa de promoção da mesma, o factor competitivo nunca deve ser esquecido. Esta é a primeira razão pela qual Stuart Mill nunca concordaria com o exemplo apresentado. Num contexto de competição, a igualdade de acesso aos cargos está automaticamente garantida. Como tal, as funções para as quais as mulheres forem mais aptas, ser-lhes-ão atribuídas, se não houver qualquer protecção ao sexo masculino.5 (Para os mais cépticos, acrescento que, mesmo que assim não seja, a probabilidade de garantir o melhor resultado possível – i.e., a ocupação dos cargos por parte dos indivíduos que melhor os consigam desempenhar – é muito maior num contexto de mercado livre, na medida em que nunca saberemos se estamos a excluir indivíduos mais aptos. O mercado é, portanto, mais eficaz a fazer esse tipo de selecção, visto que possui mais informação e maior capacidade de a utilizar). Ou seja, ao haver liberdade de competição, a sociedade acabará por beneficiar como um todo, na medida em que poderá haver uma conjugação mais proveitosa das capacidades de todos, quer sejam homens ou mulheres.6

Em termos de liberdade de escolha, esta é limitada especialmente do ponto de vista das próprias empresas, que estarão condicionadas na sua avaliação sobre a forma mais eficaz de atingir o lucro (assim que esta deixar de ser uma iniciativa voluntária).7 No entanto, é à liberdade de escolha das mulheres que devemos ter atenção em primeiro lugar, salvaguardando a hipótese de não haver quem queira ocupar os ditos cargos de decisão. Ao contrário do que acontecia no século XIX, em que as mulheres eram proibidas por lei de fazer aquilo em que se tinham provado excepcionalmente boas,8 parece haver uma tendência, hoje em dia, para uma espécie de “coacção legislativa”, no sentido de obrigar a mulher a desempenhar as funções em que se sabe que são boas. O que os criadores destas iniciativas se esquecem, é que a liberdade de escolha individual é conhecida por se encarregar de atribuir cada operação àqueles que melhor as podem realizar, como nos ensina Mill.9

Em suma, A Sujeição das Mulheres é um ensaio cujo alcance é impossível de transmitir em tão poucas linhas. Através da recuperação de conceitos como a diversidade, Stuart Mill apresenta uma resposta ao problema da desigualdade de género. Assentando sempre na liberdade individual, é provável que esta solução possa não agradar a todos. Mas não podemos negar que permanece actual.

Através da recuperação de conceitos como a diversidade, Stuart Mill apresenta uma resposta ao problema da desigualdade de género. Assentando sempre na liberdade individual, é provável que esta solução possa não agradar a todos. Mas não podemos negar que permanece actual


1 John Stuart Mill, “The Subjection of Women” in On Liberty and Other Essays, ed. John Gray (Oxford: Oxford University Press, 2008), p.487.
2 Idem, ibidem, p.471.
3 Idem, ibidem, trad. própria.
4 MEMO/11/124, Bruxelas, 1 de Março de 2011, disponível em http://europa.eu/rapid/pressReleasesAction.do?reference=ME MO/11/124&format=HTML&aged=0&language=PT&guiLanguag e=en (consultado pela última vez a 14 de Maio de 2011).
5 John Stuart Mill, ibidem, p.499.
6 Idem, ibidem.
7 “Nos próximos 12 meses vamos dar uma última oportunidade à auto-regulação. Esperamos que as empresas sejam criativas, para evitar que as entidades reguladoras tenham de o ser.” (Viviane Reding in MEMO/11/124, ibidem).
8 John Stuart Mill, ibidem, p.528.
9 Idem, ibidem.


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