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Políticas de Família: a Urgência por Opções Políticas


 

Grande parte do debate sobre as grandes opções políticas no que se refere aos grandes investimentos públicos tem ignorado, pela urgência da grave situação económica em que Portugal está mergulhado, um elemento fundamental para qualquer análise: a demografia. Em particular o envelhecimento da população.

 

POR EUGÉNIA GAMBOA E MATILDE CARVALHO

Doutorandas do IEP-UCP

Políticas de Família: a Urgência por Opções PolíticasEste pequeno ensaio procura alertar para o facto que as medidas governamentais relativas ao aumento da carga fiscal agora previstas, quer indirectamente como constante no Plano de Estabilidade e Crescimento, quer directamente, apresentadas após negociação com a Comissão Europeia, no âmbito de um necessário controle das contas públicas da República Portuguesa, seriam inevitavelmente tomadas atendendo apenas à evolução demográfica expectável. As autoras esperam, desta forma, contribuir construtivamente para um debate sobre a avaliação de opções políticas que nunca podem perder de vista o seu carácter intergeracional e, paralelamente, alertar para a necessidade de urgentemente serem desenvolvidas políticas de família coerentes e integradas. É na família, e não no Estado, que se joga o futuro de qualquer sociedade.

A evolução das tendências demográficas da sociedade Portuguesa enquadra-se na dimensão demográfica da União Europeia a 27. Desde 1980 que a população europeia tem crescido a uma taxa média de 0,33% ano, mas este é um crescimento sustentado pela imigração que é responsável por 78% do crescimento demográfico verificado nesse período. Em 2008, 8 em cada 10 novos habitantes europeus eram imigrantes. Ou seja, a quase estagnação demográfica europeia só tem sido mantida pela capacidade de atracção, quer pelas oportunidades laborais quer pela segurança social oferecida, que os países da União Europeia (em particular, a Alemanha e a França) continuam a exercer junto das populações de países menos desenvolvidos. Esta estagnação populacional foi acompanhada por um outro fenómeno muito mais preocupante, e particularmente relevante para o contexto nacional, o contínuo e crescente envelhecimento da população europeia De acordo com os dados do Eurostat a população europeia (EU 25) com mais de 65 anos passou de 68.3 milhões, em 1993, para 84.9 milhões, em 2008. Um aumento de 16.5 milhões. Deste segmento, 22 milhões de cidadãos europeus tinham mais de 80 anos. Inversamente, a população com idade inferior a 14 anos passou de 89 milhões, em 1993, para 78.4 milhões, em 2008. Um decréscimo de 10.6 milhões. Nesta Europa, em 2008 Portugal era o 4º país com maior percentagem da população com mais de 65 anos (17,4%), apenas ultrapassado pela Itália e Alemanha (20,1%), a Grécia (18,7%), e a Suécia (17,5%).

Neste panorama geral, Portugal destaca-se ainda pela negativa por um outro indicador, é o segundo país europeu desta Europa a 27 que está a envelhecer mais rapidamente. A percentagem da população com mais de 65 anos passou de 11.2%, em 1980, para 17.4%, em 2008. Este fenómeno é espelhado num exponencial crescimento do Índice de Envelhecimento da população, particularmente acentuado a partir de 1980. Indicador facilmente explicável quando analisada a taxa de crescimento anual da população Portuguesa, que no segmento populacional da população com idade inferior a 15 anos, entre 1995 e 2008, foi negativa (-8%), enquanto que, no mesmo período, a taxa homóloga de crescimento da população com mais de 65 anos foi positiva (+24%). Estes dois indicadores estão correlacionados com o aumento da esperança de vida, que traduz uma melhoria significativa das condições de vida e de saúde da população, e com a drástica diminuição da natalidade, fenómeno mais complexo que parece estar associado a outros factores de carácter quer cultural quer económico, como o progressivo adiamento do nascimento do primeiro filho, a difícil compatibilização entre a vida laboral e a vida familiar num mercado adverso ao trabalho em tempo parcial, e a profunda alteração dos padrões de conjugalidade dos portugueses (aumento dos divórcios, aumento da coabitação, diminuição dos casamentos religiosos, aumento da monoparentalidade, etc).

Em Portugal há cada vez menos jovens e cada vez mais idosos. As implicações desta realidade sobre os sistema de saúde, sistema educativo, sistema fiscal e sistema de segurança social, tal como foi concebido e actualmente aplicado, são evidentes. É sobre este contexto e sobre cenários prováveis de evolução que opções políticas na sua dimensão presente mas sobretudo futura são tomadas.

Este ensaio desenvolve ainda um pequeno exercício prospectivo, elucidativo das implicações que a manutenção destas tendências demográficas aportarão para a sociedades portuguesa, tomando como exemplo apenas um dos muitos compromissos financeiros assumidos por uma opção política que apesar de questionável, em particular na sua dimensão de contribuição para o aumento da competitividade e desenvolvimento económico do país, não deixa de ser legítima: o TGV. Antes, porém, há que compreender a evolução histórica das variáveis comuns do debate político corrente.

Portugal é o segundo país europeu desta Europa a 27 que está a envelhecer mais rapidamente

Entre 1960 e 2000, duas variáveis evoluíram, em termos gerais, em sentidos opostos: PIB e Taxa de Natalidade. O regime democrático, a entrada na UE e abertura ao mercado único traduziram- se em crescimento médio relevante do Produto de mais de 400%, a preços de 2000. A taxa de natalidade, ao longo do mesmo período, evoluiu em sentido contrário. A prosperidade de um PIB em crescimento, desde a década de 60 até 2000, foi acompanhada por um decréscimo acentuado da taxa de natalidade, reduzindo, em termos médios, mais de 50%.

No novo milénio, porém PIB e Taxa de Natalidade seguiram, em termos gerais, o mesmo sentido, entre a estagnação e o decréscimo. A conjugação de menos pessoas e menos rendimento pode associar-se, por um lado, a uma diminuição da mão-de-obra disponível mas, por outro lado, também a uma redução da produtividade da População Activa.

A análise complementar à Produtividade levou-nos, na verdade, a concluir que ambas as hipóteses não são de excluir. Entre 1996 e 2008, a Produtividade do Trabalho em Portugal cresce sempre abaixo das variações do PIB ou decresce mais do que a mesma variável.

Grande parte da população activa Portuguesa produz então menos do que a média do PIB, para que o indicador Produtividade per Capita, em termos médios, se situe abaixo do crescimento do PIB. Para este dado pode contribuir a manutenção de um deficit de capital humano que persiste na nossa sociedade. As famílias portuguesas parecem já reagir a este indício, apostando em despesa.

A despesa das famílias com educação cresceu a um ritmo muito superior ao crescimento público no mesmo sector, ao mesmo tempo que a aposta das famílias é canalizada para a opção pelo ensino privado. Em 2006, a aposta per capita do Estado na educação situou-se nos 686 euros, enquanto que o investimento privado da mesma variável atingiu os 1225 euros. Se a resposta a um deficit de capital humano dada mais rapidamente pelas Famílias do que pelo Estado é um dos factores explícitos da necessidade de renovação das políticas públicas de apoio às famílias, a diminuição da população activa traz, por si só, necessidades de novas opções de política fiscal e de investimentos públicos.

O ritmo de decréscimo anual da População Activa Residente Nacional entre 2005 e 2008 (-0,3%) contribuiu para onerar os contribuintes em mais 6% de carga fiscal. Se projectarmos estas tendências para 2020, verificamos que o aumento esperado de carga fiscal (11%), como consequência da diminuição da população activa, é acompanhado de um decréscimo de 12% nos apoios públicos à Família, mantendo o mesmo peso de gastos com as famílias na estrutura da aplicação da receita fiscal.

Mas a análise prospectiva, a que quisemos dar conteúdo concreto, levou-nos ainda ao domínio das opções de política económica. Elas são, em grande parte o reflexo das opções tomadas no domínio fiscal e dependem, na sua génese, das opções tomadas nas políticas de apoio à Família e à Natalidade. Assim, se nos próximos dez anos podemos prever que a diminuição da população activa leve a uma diminuição da carga fiscal disponível em 2020, os encargos do Estado com o TGV acentuam esse decréscimo. Na verdade, e mantendo o peso da actual despesa pública com medidas de apoio à família no total da receita fiscal, é razoável esperar uma diminuição de gastos com apoio à família na ordem dos 12%.

Por outro lado, os encargos totais do Estado com o TGV representam mais de 50% do total de receita fiscal que deixa de existir para apoio à família, como consequência do decréscimo da População Activa. Tal facto, em termos meramente lógicos, leva-nos a colocar a questão da aritmética: onde podemos encontrar a receita que deixa de existir? Esta é a dúvida a que se responde geralmente de um modo também simples, referindo um aumento de impostos, tal como, por exemplo, o que acaba de acontecer.

A análise macroeconómica sobre a Natalidade, tal como aqui a traçamos, remete-nos para a necessidade de um alerta básico no âmbito da análise de opções políticas. Se os gastos públicos são normalmente financiados por emissão de dívida ou por impostos, e se a primeira opção parece vedada nos próximos tempos, há que compreender que a carga fiscal depende, em primeira e última análise, da População Activa. Uma População Activa produtiva e, mais ainda, uma População Activa existente.

Se as opções políticas correntes se demarcam da visão integrada e sequencial que aqui apresentamos e enviam para outros contextos como o apoio à Família e à Natalidade, elas tornam-se num desincentivo à própria População Activa. Se assim acontecer, há o risco latente de se tornarem opções públicas, mas não opções políticas.


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