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Os Neo-Anti-Capitalistas


Os Neo-Anti-Capitalistas

Muitas previsões foram feitas por grandes pensadores acerca do futuro do capitalismo. Os prognósticos mais famosos surgiram da caneta de Karl Marx, cujo espírito paira sobre este livro.
Tradução Maria Cortesão Monteiro

Francesco Boldizzoni
Foreteeling the End of Capitalism: Intellectual Misadventures since Karl Mark
Harvard University Press

Marc Plattner

Marc Plattner

Chairman IEP; International Advisory Board; Fundador and co-editor, Journal of Democracy

O novo livro do historiador italiano Francesco Boldizzoni, entitulado Foretelling the End of Capitalism: Intellectual Misadventures since Karl Marx, aborda dois temas: a natureza do capitalismo e os perigos da previsão académica. Estes dois temas estão ligados pelas muitas previsões que foram feitas por grandes pensadores que se focaram precisamente no futuro do capitalismo. Os prognósticos mais famosos surgiram da caneta de Karl Marx, cujo espírito paira sobre este volume.

Muitas das previsões centrais de Marx, especialmente acerca da miséria da classe trabalhadora e do derrube da burguesia pelo proletariado, provaram-se radicalmente erradas. Embora Boldizzoni reconheça sinceramente estes erros, eles não o impedem de defender a contínua relevância do pensamento de Marx. No início do livro, Boldizzoni afirma, “Pelo menos em parte, Marx foi comprovado. Não estamos hoje em dia a falar sobre a crise da classe média, sobre o desaparecimento da classe média, e assim por diante? Podemos não confiar em Marx como profeta, mas, se queremos entender o capitalismo, é difícil livrarmo-nos dele.” É intrigante que Boldizzoni pense que as nossas preocupações contemporâneas com o destino da classe média — que na verdade, embora esteja a diminuir ligeiramente nos países ricos, cresceu rapidamente em todo o mundo — comprovem Marx de alguma forma. Na verdade, a predominância constante de eleitores de classe média e valores de classe média representam um triunfo da burguesia.

Boldizzoni aborda estas questões principalmente como questões de história intelectual, mas diz que o seu livro também é destinado a todos os leitores em geral, especialmente aqueles “impulsionados por um forte compromisso com a justiça social”. Em quatro capítulos, após uma breve introdução, Boldizzoni esboça uma história intelectual do capitalismo e dos seus críticos desde meados do século XIX até ao presente.

O autor começa no período que vai da Era vitoriana até à Primeira Guerra Mundial, concentrando-se em Marx e John Stuart Mill e concluindo com uma discussão sobre Max Weber. De seguida, Boldizzoni analisa o período entre guerras, destacando as teorias de John Maynard Keynes e Joseph Schumpeter, mas examinando também as divisões dentro do marxismo após a ascensão do comunismo soviético e a experiência do fascismo. Um terceiro capítulo examina os “anos dourados” do capitalismo nas décadas após a Segunda Guerra Mundial, focando-se em autores como John Kenneth Galbraith e Daniel Bell, bem como os neo-marxistas da Escola de Frankfurt, especialmente Herbert Marcuse e Jürgen Habermas. Por fim, o capítulo histórico mais longo do livro, dedicado à atual era pós-soviética, toma Francis Fukuyama como seu pensador emblemático, mas também aborda as ideias de Peter Drucker e de vários críticos contemporâneos do capitalismo, na sua maioria de esquerda.

Depois deste relato histórico, Boldizzoni conclui com um conjunto de análises mais gerais. No seu penúltimo capítulo, a que ele chama de “Autópsia das Profecias”, tenta explicar por que tantos analistas erraram; em seguida, num capítulo conclusivo, de título “Como sobrevive o capitalismo”, retira lições das muitas previsões fracassadas acerca do fim iminente do sistema.

Pregar gelatina à parede O termo “capitalismo”, afirma Boldizzoni, nunca foi usado por Adam Smith, que se referiu, ao invés, ao “sistema de liberdade natural.” (“Capitalista”, significando um detentor de capital, é de certa forma mais antigo.) “Capitalismo” foi introduzido em meados de 1800 pelos socialistas franceses Pierre-Joseph Proudhon e Louis Blanc; foi cunhado por críticos do capitalismo, não por defensores.

Apesar do foco central do livro ser o capitalismo, Boldizzoni é surpreendemente reticente no que toca a defini-lo. Tem muito mais a dizer acerca do que o capitalismo não é do que acerca do que é. O conceito não só era “estranho” a Adam Smith, como também Hegel e aos hegelianos “não tinham conceito de capitalismo”. Além disso, capitalismo é diferente de economia de mercado: A presença de mercados não torna um sistema capitalista.

Os Neo-Anti-CapitalistasNo capítulo final, Boldizzoni endossa a definição de Robert Heilbroner: “O capitalismo é uma ordem económica marcada pela propriedade privada dos meios de produção investida numa classe minoritária chamada ‘capitalistas’ e por um sistema de mercado que determina os rendimentos e distribui os resultados de sua actividade produtiva”. O capitalismo é também uma “ordem social caracterizada por uma cultura ‘burguesa’” na qual a “procura da riqueza” é central.

É uma definição razoável, mas Boldizzoni não parece recorrer a ela quando, no mesmo capítulo, identifica os países contemporâneos que são capitalistas. Ele nega que a China pratique o capitalismo e duvida que países como a Rússia, a Índia, o Brasil e o Irão – que “incorporam as características do desenvolvimentalismo estatal” – possam ser propriamente considerados capitalistas. O capitalismo, diz ele, é o “produto de uma família de culturas particular, a família ocidental”; os esforços para transplantá-lo para outro lugar transformaram-no substancialmente.

A ideia de Boldizzoni das limitações geográficas do capitalismo fazem dele uma excepção. No seu livro de 2019, Capitalism Alone: The Future of the System that Rules the World, o antigo economista do World Bank Branko Milanovic afirma que, hoje em dia, o capitalismo é prevalecente em quase todo o lado. “Todo o globo”, diz Milanovic, “opera agora de acordo com os mesmos princípios económicos - produção organizada para o lucro usando trabalho legal, assalariado e livre e principalmente capital privado, com coordenação descentralizada.” Para ele, a economia mundial já não deve ser entendida como estando dividida entre sistemas capitalistas e não-capitalistas; em vez disso, o iato entre os sistemas económicos de hoje é o que separa o capitalismo liberal predominante no ocidente do capitalismo autoritário (ou “político”) exemplificado pela China e por outros países que seguem um model estatal.

Esta imagem do mundo como uma rivalidade intracapitalista parece muito mais plausível do que a imagem pintada por Boldizzoni. A análise de Milanovic também tem a virtude de destacar o extraordinário sucesso económico do capitalismo asiático – um assunto que o livro de Boldizzoni mal menciona. No índice de Boldizzoni não há entrada para “Ásia”.

Os Neo-Anti-CapitalistasBoldizzoni é mais interessante e mais persuasivo quando se volta para a história da previsão académica. No capítulo cinco, “Deambulações da mente preditiva”, ele traça o caminho da previsão do futuro, do Marquês de Condorcet a Marx, incluindo ao longo do caminho algumas reflexões perspicazes sobre a relação entre previsão e utopias. Ele observa que o melhor regime de Platão n’ A República não foi concebido como um projeto a ser realizado na prática, ao contrário dos esquemas inventados por Gracchus Babeuf durante a Revolução Francesa ou pelos socialistas utópicos criticados por Marx. (A breve discussão de Jean-Jacques Rousseau, pelo contrário, ou é distorcida ou reflecte um drástico mal-entendido dos escritos de Rousseau.)

No mesmo capítulo, Boldizzoni analisa com perspicácia o elemento utópico no pensamento de Marx:

A utopia de Marx não é uma utopia de conteúdo, mas uma utopia metodológica: está na própria busca de uma lei de evolução social. O desejo de ver o capitalismo desmoronar e ver o comunismo tomar seu lugar levou-o a ignorar as múltiplas direções em que cada um dos processos que ele descreveu era susceptível ao desenvolvimento.

Previsões, Aspirações, Realidades Mas que lições é que esse catálogo de previsões falhadas nos ensina sobre o destino do capitalismo? Embora a análise de Boldizzoni dos apocalípticos do capitalismo enfatize a frequência com que eles se enganaram, ele argumenta que esse histórico passado de previsões fracassadas “de nenhuma forma implica que o capitalismo continuará para sempre”. Ele oferece aos oponentes do capitalismo “boas e más notícias”: a primeira é que o capitalismo “de facto acabará, mais cedo ou mais tarde”. É uma “formação historicamente vinculada”, tal como os sistemas socio-económicos que o precederam. A má notícia é que “é improvável que seja substituído por um sistema melhor”.

As conclusões que Boldizzoni oferece no seu capítulo final são complexas e cheias de nuances — mas tortuosas e limitadas. Ele começa por afirmar que as duas forças que mantêm o capitalismo vivo são a hierarquia e o individualismo. A primeira refere-se às antigas desigualdades de poder que dividiram mestres e escravos, senhores e servos, capitalistas e trabalhadores. Em contraste, o individualismo, que se baseia no contrato como “meio de interação social”, é um fenómeno mais recente, mas que agora já criou raízes profundas no Ocidente. Boldizzoni diz que essas duas forças até agora permitiram que o capitalismo prosperasse – mas o que isso nos diz sobre o futuro?

Quanto à hierarquia, Boldizzoni argumenta que ela está demasiado entranhada nas estruturas sociais humanas para poder ser desenraizada. A tendência rumo ao individualismo pode ser menos irreversível, oferecendo assim um “vislumbre de esperança” aos igualitários radicais. Mas à luz do avanço secular do individualismo, não há muito motivo para acreditar que ele possa ser revertido. Os valores e normas sociais que mantêm as sociedades capitalistas unidas provavelmente apenas mudarão gradualmente.

Os Neo-Anti-Capitalistas“Cultura”, no sentido mais amplo, diz ele, é o factor chave para entender o caminho da mudança social. Essa percepção leva Boldizzoni a uma afirmação muito pouco marxista: “A falha inerente às abordagens materialistas históricas para a previsão social reside…no seu fracasso em reconhecer a cultura humana como uma força autónoma e em apreciar o papel da inércia cultural”. A implicação para aqueles que gostariam de transcender o capitalismo não é animadora. Eles devem encarar o fato de que, mesmo que a instabilidade política continue a crescer, “o fim do capitalismo não está iminente”.

Boldizzoni pede que eles se concentrem no esforço de “melhorar a vida sob o capitalismo”. Assim, intitula a subsecção final do seu livro não apelo à revolução, mas sim “Um apelo à acção”. O objectivo de teorizar continua a ser mudar o mundo, não apenas interpretá-lo. O apelo à acção de Boldizzoni, no entanto, acaba por ser um apelo a reformas moderadas que aproveitam as “liberdades burguesas” que as sociedades capitalistas proporcionam. As palavras finais do seu texto são um hino à social-democracia. Embora reconheça que sua atual condição está enfraquecida, ele conclui: “Não devemos nos resignar perante a sua crise, mas lutar pela sua renovação. A estrada é estreita, o resultado incerto. Mas temos alternativas?”

A leitura deste livro vivo e erudito – e que confunde e às vezes é confuso – reforça a impressão de que a Esquerda chegou a um beco sem saída intelectual, e talvez também a um beco sem saída político. Se Boldizzoni é um guia, a Esquerda deixou de esperar ou mesmo de favorecer uma revolução. No entanto, apesar do reconhecimento generalizado de que o marxismo foi desacreditado pela história, as categorias e formas de pensar marxistas mantêm seu domínio e inibem pensamento novo. Alguns como Boldizzoni, castigados pela resistência obstinada do capitalismo e as esperanças frustradas de uma mudança radical, tornaram-se partidários da reforma gradual: a nostalgia da social-democracia parece estar a aumentar entre os intelectuais, mesmo com o apoio popular aos partidos social-democratas a diminuir.

Os Neo-Anti-CapitalistasNo entanto, esse mal-estar intelectual não se limita à Esquerda, estende-se por todo o espectro político. Não apenas o marxismo, mas a própria democracia liberal sempre foi orientada para o futuro. O avanço tecnológico e o crescimento económico trazem esperanças de que aí venha uma nova e mais brilhante era, e essa esperança sustenta a atividade política e cívica democrática. Se a confiança no progresso for abalada, onde ficamos?

Num brilhante ensaio de 1997 sobre “Democracia e Utopia”, de cuja leitura Boldizzoni teria beneficiado, o historiador François Furet explorou as ondas intelectuais mais amplas que irradiam do colapso do comunismo. “O indivíduo democrático”, escreveu ele, “encontra-se diante de um futuro fechado, incapaz de definir mesmo vagamente o horizonte de uma sociedade diferente daquela em que vivemos, pois esse horizonte tornou-se quase impossível de conceber”. Furet pode muito bem ter identificado o problema mais grave que enfrentamos.

Artigo originalmente publicado na American Purpose, a 12 de Fevereiro de 2021


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