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Nenhum dos Seus Ossos Será Quebrado


Capa do Livro Dominion, the making of the Western Mind

Este relato de João ecoa repetidamente ao longo de Dominion, o mais recente livro de Tom Holland.

Tom Holland
Dominion, the making of the Western Mind
Little Brown, 2019

João Pinheiro da Silva

João Pinheiro da Silva

Aluno de doutoramento, IEP-UCP

Este relato de João ecoa repetidamente ao longo de Dominion, o mais recente livro de Tom Holland.

Logo após a crucificação de Cristo, os soldados romanos, aproximando-se dos ladrões condenados ao lado do Messias, “quebraram as pernas ao primeiro, e ao outro que como ele fora crucificado”. Porém, “vindo a Jesus, e vendo-o já morto, não lhe quebraram as pernas”. Tudo isto para que “se cumprisse a Escritura, que diz: Nenhum dos seus ossos será quebrado” (João 19:32-36). De corpo ferido, porém, intacto, Jesus Cristo surgiria como o cordeiro imaculado, “Aquele que tira o pecado do mundo” (João, 1:29).

Este relato de João ecoa repetidamente ao longo de Dominion, o mais recente livro de Tom Holland. Neste ambicioso e multitemático projeto, Holland procura entender aquela que considera ser a mais plena das revoluções, tão completa que dois mil anos após seu nascimento, não é mais necessário acreditar que “Ele ressuscitou dentre os mortos para ser marcado pela influência formidável – de facto inescapável - do cristianismo” 1 . Munido dos seus já conhecidos dotes narrativos, o historiador britânico recorre a uma seleção quase esquizofrénica de eventos para expor essa mesma revolução. De Santo Anselmo a John Lennon, de São Gregório a Karl Marx, passando por Tolkien e Friedrich Nietzsche, Dominion é a história da avassaladora influência de um corpo que, ainda que ferido, não foi quebrado.

A tese central avançada por Tom Holland é a seguinte: grande parte do que formou nosso mundo foi e é o Cristianismo. Mais do que isso, muito do que torna o nosso mundo bom da maneira que achamos que é bom, é o Cristianismo. Princípios que hoje temos como universais – a igualdade entre os homens, a separação entre Igreja e Estado ou os direitos humanos – não são de todo, como muitos julgam, auto-evidentes. Antes, são o produto de uma experiência civilizacional muito singular, mas tão impactante que são compartilhados por “milhões que nunca pensariam em descrever-se como Cristãos” 2 . “Todos são herdeiros da mesma revolução: uma revolução que, no seu coração, começou com a imagem de um deus morto numa cruz” 3 .

É o evento da crucificação que parece intrigar profundamente o historiador britânico. Conhecido do grande público por causa de obras como Rubicão, Dinastia ou Fogo Persa, Holland tem um amplo conhecimento sobre o mundo clássico. Porém, esse conhecimento nunca se concretiza em familiaridade: “Os valores de Leónidas, cujo povo havia praticado uma forma peculiarmente sanguinária de eugenia, e treinado os seus jovens para matar os Untermenschen [inferiores] durante a noite, não eram nada que eu reconhecesse como meu; nem os de César, que teriam matado um milhão de gauleses e escravizado mais um milhão. Não foram apenas os extremos de insensibilidade que achei chocantes, mas a falta de um senso de que os pobres ou os fracos possam ter algum valor intrínseco” 4 . Os seus valores não eram os de um espartano ou de um romano, mas profundamente cristãos. Na base destes princípios está um evento que, por nos ser tão familiar, esquecemos a sua absoluta estranheza: a crucificação.

Dada a sua erudição em história clássica, Holland é peculiarmente apto para reconhecer essa absoluta estranheza. A ideia de que um homem crucificado poderia ser louvado como Deus pareceria, a qualquer romano, uma grotesca obscenidade. Só um mundo ao contrário aceitaria a crucificação enquanto manifestação última do divino. Que o relato dessa tortura se tornaria um Euangelion – “Boas Notícias”, nunca passaria pela cabeça de um romano ou de um persa. A ideia de que Jesus venceu na cruz é a maior de todas as inversões: um instrumento de tortura tornou-se um símbolo de Amor e de redenção. O mundo tinha mesmo virado ao contrário.

Como diria o antropólogo francês, René Girard, a cruz é o escândalo (skandalon) supremo, “não porque nela a majestade divina sucumbe ao castigo mais inglório - coisas bastante semelhantes são encontradas na maioria das religiões - mas porque os Evangelhos [...] revelam o mecanismo fundador de todo prestígio mundano, todas as formas de sacralidade e todas as formas de significado cultural” 5 . Os escândalos, para Girard, são relações conflituosas permanentes na nossa vida, mais não seja, por causa do nosso mecanismo de desejo - a que Girard chama “desejo mimético”, segundo o qual, alguns desejos não provêm da necessidade que temos de um objeto ou do objeto em si, mas da imitação de um modelo. aspecto sombrio da relação entre sujeito e modelo. Contudo, a relação entre sujeitos e modelos pode provocar sentimentos de rancor e ressentimento, escalando para uma ação violenta num contexto de vingança, uma vez que ambos passam a desejar e disputar os mesmos objetos. A rivalidade entre sujeito e modelo pode levar extremos de violência mimética que pode contagiar grupos inteiros para uma situação de violência generalizada. No interior dos grupos e culturas humanas, há um potencial violento que precisa ser contido e é controlado através do sacrifício de uma vítima inocente: um bode expiatório – um padrão que Girard encontrará nas mais diversas culturas humanas. A noção de escândalo é importante para entender a mediação entre a violência individual e a violência coletiva; e Girard acredita que os Evangelhos desvelam essa mediação, revelando o ciclo de violência mimética. A decisão de crucificar Jesus foi, antes de tudo, a decisão de uma multidão embebida no conflito mimético, só posteriormente aceite por Pôncio Pilatos. Jesus havia-se tornado um bode expiatório; porém, nesse processo, revelou o próprio mecanismo do bode expiatório. Nos Evangelhos, a mobilidade dos escândalos, a sua tendência a se unir em torno de uma vítima comum, foi narrada do ponto de vista da vítima, não dos perpetuadores. É essa representação, da vitimização do ponto de vista da vítima, “que é responsável, em última instância, pela nossa própria sensibilidade superior à violência” 6 . Quando condenamos, por exemplo, a violência no Antigo Testamento, “é por razões bíblicas, paradoxalmente, que criticamos a Bíblia” 7 .

Este insight girardiano parece ser compreendido, pelo menos de forma tácita, por Holland (embora algumas citações a Girard no seu perfil do Twitter me façam crer que a influência do antropólogo francês na sua obra ultrapassa o mero conhecimento tácito). É por compreender esse mecanismo único de exposição das vítimas que o Cristianismo se diferencia tanto das culturas anteriormente estudados pelo historiador britânico. Daí a dificuldade de Holland em se identificar com os valores de Leónidas ou de César. O insight girardiano é brilhantemente condensado quando, ao comentar as tragédias comunistas e nazista que assolaram o século XX, Holland escreve, num tom tragicómico: “A medida do quanto nós enquanto sociedade permanecemos cristãos é que o assassinato em massa precipitado pelo racismo tende a ser visto como muito mais repugnante do que o assassinato em massa precipitado por uma ambição de inaugurar um paraíso sem classes” 8 . Uma atrocidade que (literalmente) viola a ideia de que “não há judeu nem grego” (Gálatas 3:28) é-nos muito mais repulsiva do que uma atrocidade onde “os ricos não herdarão o reino dos céus” (Mateus 19:23).

O ponto de Holland é que mesmo eventos como o Comunismo Soviético ou a Revolução Francesa dependem da experiência histórica, civilizacional e moral cristã

A inversão suprema simbolizada na cruz é a chave para entender o livro de Holland e o porquê de a influência do Cristianismo ser tão duradoura. O próprio Iluminismo, por exemplo, com todo o seu anticlericismo, só poderia ter surgido num mundo cristão. O “sonho de uma irmandade do homem” de Voltaire encontra ecos em São Paulo, que havia proclamado que “não há judeu nem grego, escravo ou livre, homem ou mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” 9 . A própria libertação da humanidade era uma ideia partilhada tanto pelos universitários quanto pelos missionários cristãos que tinham estado a “contar as horas para uma revolta nos assuntos da terra” que o “libertaria das trevas” 10 .

O grande mérito da abordagem da grande narrativa de Holland é a sua capacidade de reconhecer padrões. Dados os capítulos anteriores, o leitor pode ver o quão profundamente devedores do cristianismo certos episódios posteriores são. Quando chega aos sans-culottes na Revolução Francesa, o leitor já sabe que “eles certamente não foram os primeiros a pedir que os pobres herdassem a terra. O mesmo aconteceu com os radicais entre os pelagianos, que sonhavam com um mundo em que todos os homens e mulheres fossem iguais; o mesmo aconteceu com os taboritas, que construíram uma cidade sob princípios comunistas e ridicularizaram do corpo de um rei com palha; assim como os Escavadores (Diggers) haviam denunciado a propriedade como uma ofensa a Deus” 11 . A ideia de uma solidariedade fundamental para com os pobres e os famintos, os impotentes e oprimidos já contava com quase dois mil anos quando Karl Marx nasceu. Aliás, na Cruz, Jesus assumiu a natureza de um escravo, dos mais pobres e perseguidos: das vítimas. O ponto de Holland é que mesmo eventos como o Comunismo Soviético ou a Revolução Francesa dependem da experiência histórica, civilizacional e moral cristã (e, nesse aspeto, podem ser considerados cristãos), mesmo que se imaginem como perfeitamente antagónicos a essa mesma experiência. Numa agudeza psicológica que reaparece ao longo do livro, Holland nota que “para um materialista autodidata”, Karl Marx era “estranhamente propenso a ver o mundo como os Pais da Igreja: como um campo de batalha entre forças cósmicas do bem e do mal” 12 .

A revolução cristã foi tão bem-sucedida que até para criticar ou se opor ao cristianismo foi necessário recorrer às suas ferramentas. Algumas das figuras mais anticristãs, ou mesmo abertamente ateias, de Voltaire a Marx, eram filosoficamente dependentes tanto da posição que atacavam quanto de algumas objeções e críticas já formuladas pelos próprios cristãos. Segundo Holland, a ideia de que a Bíblia estava cheia de contradições, por exemplo, não é uma invenção do século XVIII ou XIX. Na verdade, “foi aperfeiçoada, ao longo de dois séculos e mais, por cristãos piedosos” 13 .

Algumas das ideias que julgamos ser fruto do secularismo moderno foram germinadas em universidades cristãs ou, como no caso da Escola de Salamanca, plenamente desenvolvidas nas mesmas. Na realidade, a própria separação entre a esfera secular e a esfera religiosa, segundo Holland, remonta à reformatio século XI, à distinção que Agostinho faz entre a Cidade de Deus e a Cidade dos Homens ou às próprias escrituras (“Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”). Ainda que Martinho Lutero tenha denunciado o legado de Gregório VII, autor da reformatio do século XI, um dos resultados da reforma do século XVI foi, como nos diz Holland, “não dissolver a grande divisão entre os reinos do profano e do sagrado que caracterizaram a cristandade desde a era de Gregório VII, mas para fortifica-la” 14 .

Nenhum dos Seus Ossos Será QuebradoPorém, isto não significa que Holland tenta branquear a história do cristianismo de todas as suas atrocidades. Na verdade, elas são recorrentemente narradas. O princípio de “dar ao diabo o que lhe é devido” não é esquecido. Holland observa até que, mesmo movimento anticristãos como o nazismo, foram motivados por impulsos milenaristas-apocalípticos (universalistas e utópicos) que bebem da tradição cristã: “o sonho de uma nova ordem plantada nas ruínas da antiguidade; de um reinado dos santos que duraria mil anos; de um dia de julgamento, em que os injustos seriam separados dos justos e condenados a um lago de fogo: isto, desde os primeiros dias da Igreja, sempre assombrara a imaginação dos fiéis” 15 .

Na verdade, a própria mensagem de universalidade e igualdade de todos os homens perante os olhos de Deus trouxe consigo um novo e peculiar mal: um ataque (mais ou menos velado, consoante os tempos) às outras fés. Não que a tolerância fosse uma constante no mundo antigo. Porém, claramente não se colocava o problema de “uma Igreja que se proclamou universal e não teve resposta aos que a rejeitaram, exceto a perseguição” 16 . A violência vitimária, pode ter sido, seguindo Girard, denunciada na Cruz, mas isto não quer dizer que, com advento do cristianismo, esta tenha sido expurgada do mundo.

O imperativo moral universal encontrou a sua expressão no imperativo de converter outros ao Cristianismo. Foi o caso tanto dos espanhóis e dos portugueses no Novo Mundo ou dos Cavaleiros Teutônicos na Europa Oriental. Aliás, esse padrão renasce na guerra do Iraque, por exemplo, na ideia de que os valores ocidentais eram verdadeiramente universais e, portanto, universalmente aplicáveis.

Porém, Holland lembra-nos que foram os bispos e teólogos cristãos que se opuseram à escravização dos povos indígenas na América Latina, e Aristóteles quem foi invocado para defendê-la. De Bartolomeu de Las Casas a Benjamin Lay, as críticas aos comportamentos perpetrados por cristãos nasceram no próprio ceio do cristianismo. Foi a própria cristandade que estabeleceu os padrões elevados pelos quais deveria ser julgada.

Foi a própria cristandade que estabeleceu os padrões elevados pelos quais deveria ser julgada

Dominion é um livro que responde, ao mesmo tempo, à ideia do grande historiador Edward Gibbon (que seduziu Holland na sua juventude) segundo a qual o triunfo do Cristianismo significou o nascimento de uma “era de superstição e credulidade” e, por outro lado, à tese racionalista-cientificista que tem como seu mais recente representante Steven Pinker e o seu livro Iluminismo Agora. A visão de Gibbon, segundo a qual Renascença e o Iluminismo representaram uma revolta da razão contra o milénio de trevas cristão, tem, como Holland nota, origem no próprio Iluminismo. Ao se considerarem os representantes de uma nova era, de um renascimento de um passado glorioso, os pensadores iluministas não hesitaram em nomear os mil anos que os separavam desse passado de medievo – o que está no meio. Essa ideia de uma modernidade que surge por uma espécie de geração espontânea também pode ser encontrada em Pinker. A mensagem principal de Iluminismo Agora é que o Iluminismo produziu todo o progresso da era moderna e nenhum dos seus crimes. Na verdade, estes são apenas o fruto de um pensamento arcaico, típico dos cristãos medievais, que nada devem à razão e liberdade iluministas – são produto do Contra-Iluminismo, essa entidade amorfa que, em Pinker, parece ser um saco onde cai tudo que não é do seu agrado. Holland diria que, na realidade, foram ideias cristãs (que Pinker descarta) que temperaram os mais destrutivos impulsos do Iluminismo. Ao contrário do que muitos cientificistas julgam, a ciência não pode ditar valores humanos. Mais, grande parte dos valores que Pinker julga terem surgido no século XVIII recuam à crucificação e à experiência civilizacional cristã. Afinal, o que nos impede de aplicar a lei do mais forte à sociedade? O desprezo que Nietzsche sentia pelos fracos ganhou um estatuto científico com o advento do darwinismo social. Que Lenin ou Mao mataram milhões em nome de um projeto iluminista e cientificista de sociedade não parece caber na narrativa de Pinker. Holland reconhece que o amor cristão foi acompanhado pela Inquisição. Pinker é incapaz de reconhecer que o projeto iluminista foi acompanhado por milhões de mortes. O curioso é que, na verdade, os valores pelos quais Pinker julga o que considera ser Contra-Iluminismo são, diria Holland, iminentemente cristãos. A igualdade dos homens, a defesa das vítimas, a separação entre Igreja e Estado ou os Direitos Humanos não tem o seu fundamento na ciência nem surgem num de vácuo civilizacional que foi preenchido pelo Iluminismo. Segundo Holland, eventos como a revolução americana – que Pinker admira - “ilustraram uma verdade com várias implicações para o futuro: que o caminho mais certo para promover os ensinamentos cristãos como universais era ao retratá-los como derivando de qualquer coisa que não seja o cristianismo” 17 .

Nenhum dos Seus Ossos Será QuebradoVale notar que a tese de Holland, embora o passa parecer à primeira vista, não afirma tudo e o seu contrário sendo, portanto, irrefutável. Quando diz que até os mais ferozes críticos do cristianismo dependem de valores, ideias e até terminologia que não é neutra, Holland não nega a possibilidade de efetivamente atacar o núcleo do pensamento cristão. É o caso tanto de Marques de Sade quanto de Nietzsche.

Em Sade, Deus é uma farsa. Só existe a Natureza e, esta é crua e sangrenta. Nela, os fracos existem para serem escravizados e explorados pelos mais fortes. Como os seus gostos sexuais sadísticos demonstravam: não há lei na arena. “Deus não existe, a natureza basta-se si mesma; e de maneira alguma precisa de um autor 18 ”. O paganismo de Sade negava a própria essência do pensamento cristão: a preocupação com as vítimas. “A doutrina de amar o próximo é algo que devemos à Cristandade, não à Natureza” 19 . E a Natureza só conhece a linguagem do poder. A própria escravidão não incomodava Sade. Os donos de escravos pareciam-lhe ser os poucos do seu tempo que se podiam comparar aos antigos. Sade entende as consequências de um mundo onde a crucificação nunca aconteceu e abraça-as.

De certa forma, o mesmo acontece com Nietzsche. Porém, diferentemente de Sade, o pensador alemão parece, à sua maneira, encantar Holland. Isto acontece porque o filósofo alemão também entendeu perfeitamente as implicações da crucificação. É contra elas que se insurge. Nietzsche compreende a inversão cristã e pretende reverte-la: “O que é mais nocivo do que qualquer vício? A ativa compaixão por todos os malogrados e fracos – o cristianismo”. O próprio Holland partilhou no seu perfil do Twitter uma frase de René Girard segundo a qual Nietzsche é o “maior teólogo dos tempos modernos”. Se o é, é por entender a profundidade da Cruz. Rejeitar plenamente Deus é rejeitar a crucificação e, com isto, as suas implicações de igualdade ou do valor intrínseco de todos os homens. Porém, Nietzsche, como o próprio Holland, sabe que “nadamos em águas cristãs”. É por isso que abandonar Deus requer um esforço que vai além do humano (Ubermensch), quase-divino, e que é, não devemos esquecer, sangrento:

Deus está morto! Deus permanece morto! E quem o matou fomos nós! Como haveremos de nos consolar, nós os algozes dos algozes? O que o mundo possuiu, até agora, de mais sagrado e mais poderoso sucumbiu exangue aos golpes das nossas lâminas. Quem nos limpará desse sangue? Qual a água que nos lavará? Que solenidades de desagravo, que jogos sagrados haveremos de inventar? A grandiosidade deste ato não será demasiada para nós? 20

Tom Holland parece ainda acreditar no poder da cruz. Ainda que Deus esteja morto, a sua sombra está em todo o lado. Os padrões pelos quais nos guiamos ainda são, na sua opinião, fundamentalmente cristãos e “mesmo que as igrejas do Ocidente continuem vazias, não parece provável que esses padrões mudem rapidamente” 21 . Continuamos a ser o produto de um corpo que, ainda que ferido, não foi quebrado.

Notas

1 Holland, Tom. Dominion: The Making of the Western Mind. London: Little, Brown, 2019, pg. XXV
2 Ibid, pg.525
3 Ibid, pg.525
4 Ibid, pg. XVIII
5 Girard, René. Things Hidden Since the Foundation of the World. Stanford University Press, 1987, pg. 416-431
6 Girard, René. Violence in Biblical Narrative, Philosophy and Literature, Vol. 23, No. 2, 1999, pg.
7 Ibid
8 Holland, Tom. Dominion: The Making of the Western Mind. London: Little, Brown, 2019, pg. 524
9 Ibid, pg. 376
10 Ibid, pg. 379
11 Ibid, pg. 382
12 Ibid, pg. 342
13 Ibid, pg. 376
14 Ibid, pg. 308
15 Ibid, pg. 454
16 Ibid, pg. 254
17 Ibid, pg. 385
18 Ibid, pg. 391
19 Ibid, pg. 391
20 Nietzsche, Friedrich. A Gaia Ciência. Relógio D’Água, 1998, Secção 125
21 Holland, Tom. Dominion: The Making of the Western Mind. London: Little, Brown, 2019, pg. 525


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